O Fórum Regional é um espaço criado para dialogar sobre temas importantes com as pessoas atingidas pelo rompimento da Vale nas Regiões 4 e 5, áreas atendidas pelo Instituto Guaicuy. Nesta edição, o tema principal foi a Indenização Individual.
A 10º edição do Fórum Regional das Pessoas e Comunidades Atingidas das Regiões 4 e 5 aconteceu nesta quinta-feira (4/5) e teve como tema as atualizações sobre as Indenizações Individuais. Aproximadamente 128 pessoas atingidas que são atendidas pelo Guaicuy participaram da reunião virtual.
A reunião começou com a apresentação de Pedro Aguiar, Especialista em Participação Informada e PCTs do Guaicuy, sobre o que é o Fórum e sobre a proposta da reunião, que é trazer atualizações sobre as Indenizações Individuais. Pedro Aguiar, lembrou que o Acordo Judicial, firmado pelo Governo de Minas, Vale e Instituições de Justiça (Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Defensoria Pública do Estado), em fevereiro de 2021, trata de questões coletivas. Após, Pedro explicou sobre a dinâmica da reunião e realizou os combinados para o bom andamento da atividade.
A Especialista em Reconhecimento do Guaicuy, Ana Clara Amaral, foi a responsável por fazer a contextualização do tema. Ana refletiu que é muito comum as pessoas ficarem frustradas por não entenderem o que são as Indenizações Individuais, e que isso acontece porque a própria característica do processo judicial torna o tema complexo, sobretudo quando se trata de grandes desastres socioambientais. “Em casos assim, é necessário tratar os prejuízos em duas dimensões, a Ação Civil Pública e a Ação Individual, que são ações que operam de maneiras diferentes, mas que não estão separadas, que dialogam”, explicou Ana.
Ana ainda esclareceu que as Assessorias Técnicas Independentes não expressam preferência em relação a um tipo de Ação, mas que têm o papel de atuar somente no âmbito das Ações Civis Públicas, seja como Assessoria Técnica Independente das pessoas atingidas, seja como assistente técnico das Instituições de Justiça. E reforçou que ninguém perde quando o resultado de uma Ação Civil Pública é favorável ao coletivo: “Se a ação civil pública alcança direitos isso é bom para todos”, comentou.
Ana Clara também explicou que as ações se influenciam mutuamente e elucidou novamente que o papel das ATIs é atuar somente no âmbito do Acordo Judicial e das Ações Civis Públicas. Porém, como um dos deveres das Assessorias Técnicas Independentes é garantir a participação informada, o Guaicuy realizou uma pesquisa sobre o tema, de modo que as pessoas atingidas entendam como funcionam as Indenizações Individuais e possam tomar suas decisões no processo de reparação de maneira informada.
Por fim, Ana Clara explicou que as ATIs não podem ajuizar e nem assessorar casos individuais em uma ação individual e que, além dessas duas ações já mencionadas, ainda existem os acordos extrajudiciais com a Vale, que fazem parte de um programa de Acordos da mineradora, mas que encerrou a entrada de pedidos de pessoas atingidas desde janeiro de 2022. No final da sua explicação, Ana Clara, sublinhou as diferenças de processos indenizatórios:
Ações Civis Públicas: São processos coletivos nos quais as pessoas que sofreram danos são representadas judicialmente pelas Instituições de Justiça, ou seja, Ministério Público ou Defensoria Pública. (Existem outros entes legitimados pela lei para ajuizarem Ações Civis Públicas, mas neste processo de reparação, os substitutos processuais são as Instituições de Justiça, e os substituídos, as pessoas atingidas).
Ação Individual: A pessoa atingida é representada por um advogado ou advogada no processo judicial. Este profissional pode ser particular, e a pessoa que o contratou assume o valor dos honorários, ou pode ser um defensor público, que presta atendimento jurídico à população.
Acordo Extrajudicial: Esse acordo é realizado pela pessoa atingida, com o suporte ou não de um advogado, e com a empresa ré, que no caso é a Vale. Este tipo de acordo dispensa a presença de um juiz ou juíza para determinar a indenização.
O Fórum seguiu com a apresentação sobre as principais novidades do processo coletivo.
Ana Clara relembrou que no dia 14/03 o Excelentíssimo Dr. Murilo Silvio de Abreu acolheu o pedido do MP e DP em relação à liquidação dos danos. E explicou que a liquidação é um momento do processo judicial, que antecede a execução, no qual é possível individualizar as indenizações dos danos. Essa decisão é favorável às pessoas atingidas pela Vale.
O juiz também escolheu o perito para auxiliá-lo no processo. O perito, no caso, é a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que foi escolhida por já realizar perícias na Ação Civil Pública. Além disso, o juiz definiu que as ATIs vão atuar como assistentes técnicos, para fazer a defesa das pessoas atingidas no processo.
Outra decisão importante foi a Inversão do Ônus da Prova. Isso significa que quando as IJs, ATIs ou peritos apresentarem danos baseados em laudos técnicos e documentos científicos, a mineradora Vale só poderá contestá-los se produzir provas que comprovem seu argumento.
Por isso, o juiz optou para que seja a Vale a obrigada a comprovar que não é responsável pelos prejuízos e danos alegados pelas pessoas atingidas, sejam esses danos comprovados por perícias ou a partir dos relatos e observações de quem foi prejudicado. Como fica exposto neste trecho da decisão:
E por fim ficou determinado que os custos com a perícia e as ATIs, no processo coletivo, sejam pagos pela Vale.
Assim, os principais pontos da decisão são: 1) determinação da liquidação; 2) determinação das Assessorias Técnicas Independentes (Instituto Guaicuy, AEDAS e NACAB) como assistentes técnicos; 3) nomeação da UFMG como perita; 4) inversão do ônus da prova 5) obrigação da Vale arcar com estes custos processuais, que não estão no Acordo.
Clique aqui e leia a decisão do juiz Murilo Sílvio de Abreu na íntegra.
Contudo, no dia 12/04 houve uma impugnação (recurso) realizada pela Vale S.A face às definições do juiz. Neste recurso, a mineradora diz que não existe responsabilidade de pagamento para além do que já foi determinado no Acordo de fevereiro de 2021.
A Vale ainda afirma que não é necessária outra perícia para além da que já existe no processo. Por fim, a empresa alega que é impossível a Inversão do Ônus da Prova, além de mencionar que existe um Termo de Compromisso que, somado às perícias já realizadas, seria suficiente para as indenizações.”
Para finalizar, Ana Clara explicou que a decisão sobre esse recurso é definida em 2ª instância, ou seja, pelos desembargadores, e que as decisões do juiz Murilo estão suspensas.
Foi apresentado no Fórum Regional um levantamento feito pelo Guaicuy sobre os processos de Indenização Individual realizado pelas pessoas assessoradas pela ATI, nas regiões 4 e 5.
Poliana Rodrigues, Analista Sênior do Escritório de Projetos de Mitigação, reiterou que o objetivo do Instituto Guaicuy com a realização do Fórum foi trazer o maior número de informações possíveis sobre os processos em ações individuais, garantindo a participação informada, para que as pessoas tomem decisões qualificadas sobre como proceder.
As consultas para as pesquisas foram realizadas no Sistema Judicial Mineiro, mas podem existir casos que não estão disponíveis por correrem em sigilo.
Foram identificadas ações individuais em quase todos os municípios assessorados pelo Guaicuy, com exceção de Martinho Campos.
Poliana também falou sobre quais são os principais pedidos de indenização realizados nas ações individuais, a partir das pesquisas do Guaicuy. Esses pedidos de reparação-indenização são por:
Danos materiais. É a quantificação dos danos que as pessoas tiveram. Ou seja, se houve uma perda econômica, há um pedido de indenização. Isso acontece em casos, por exemplo, quando a pessoa deixa de alugar a pousada por baixa de turistas, quando há a desvalorização de imóveis, quando ocorre a queda na venda de peixes, etc. Tudo isso pode ser enquadrado como dano material e ser requerida a indenização desse dano.
Danos morais. São os prejuízos emocionais, de saúde física, mental e de bem-estar que se manifestaram por conta do rompimento da barragem. De acordo com o levantamento, esses foram os principais motivos para o pedido de indenização por dano moral.
Pedidos de Pagamento Emergencial. Este pagamento foi realizado pela Vale de fevereiro de 2019 até outubro de 2021, quando o benefício se tornou o Programa de Transferência de Renda (PTR). Mas muitas pessoas prejudicadas que poderiam ter recebido o Pagamento Emergencial não o receberam, seja por negativa da Vale ou outro motivo. Nesses pedidos, as pessoas pedem o pagamento que poderia ter sido pago.
Também foram mencionados outros pedidos comuns nessas ações, tais como: (1) a tentativa de acordos judiciais ou extrajudiciais; (2) o pedido de inversão do ônus da prova e (3) a utilização do Termo de Compromisso (TC). Todavia, foi mencionado, que na grande maioria dos processos não foi identificado o deferimento (aceitação) desses pedidos, isto é, a realização de acordos e a determinação da inversão do ônus da prova.
Para mais informações leia: Ação Individual: quatro pontos para ficar atento – Instituto Guaicuy
O processo judicial de indenização individual tem seu caminho conforme especificado nos artigos 318 e seguintes do Código de Processo Civil. Assim, Poliana explica que os processos seguem regra do procedimento comum, ou seja, quando as duas partes argumentam em juízo uma contra a outra, e o juiz manifesta a decisão favorável sobre alguma das partes.
Contudo, de acordo com o levantamento, ficou explicitado que a Vale tem apresentado diversos argumentos contra as ações individuais, em alguns casos mencionando sobre a não possibilidade de utilização do TC no processo individual, uma vez que o TC é instrumento para os acordos de indenização extrajudicial realizada com a Vale.
Conclusão sobre o levantamento
Foi observado na pesquisa que a maioria das ações individuais estão na mesma fase processual, na qual o juiz analisa as provas da Vale e das pessoas atingidas. Poliana explicou que não é possível afirmar quais tipos de prova estão sendo analisadas pelo juiz. Além disso, algumas comarcas têm um ou mais juízes e em cada ação a análise vai depender do juiz.
Também não foi identificada nenhuma “decisão com resolução de mérito”, que é o tipo de decisão que diz que a pessoa atingida tem direito, ou não, à indenização, sendo que a única decisão identificada até o momento foi a de extinguir o processo sem julgamento de mérito. Nessa deliberação, o juiz encerra o processo por não haver provas suficientes para apreciar os danos alegados, sendo que isso também é muito comum num processo judicial normal.
Poliana mostrou algumas situações comuns, por exemplo:
Por fim, foi observado que os advogados estão entrando com recursos contra as decisões de Primeira Instância (do primeiro juiz ou juíza responsável pelo julgamento), dessa forma, as ações passam para o Tribunal de Justiça do Estado (Segunda Instância), onde um grupo de 3 desembargadores vai analisar o caso e tomam a decisão.
Quanto aos argumentos da Vale S.A no levantamento das pesquisas individuais, foi possível identificar incoerências com os argumentos apresentados no Agravo, sobretudo a respeito de uma suposta suficiência das ferramentas atualmente disponíveis. Como foi possível constatar, não foi identificada sentença com resolução do mérito nas comarcas analisadas, nas quais a Vale alega que o TC não se aplica às ações individuais, apenas a acordos extrajudiciais. Ao mesmo tempo, o programa de acordos extrajudiciais já se encontra com as inscrições encerradas desde janeiro de 2022.
MP pede que na decisão da liquidação sejam incluídas também as formas de comprovação. Leia aqui
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