O 9º Fórum Regional das Regiões 4 e 5 aconteceu no dia 16/3. A reunião virtual teve como tema “Assessoria Técnica Independente e o direito das pessoas atingidas: impactos diante da redução de recursos”. Pelo menos 330 pessoas atingidas participaram do debate.
Depois do documento enviado pelas Instituições de Justiça (Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal e Defensoria Pública Estadual) às 3 ATIs (Instituto Guaicuy, Aedas e Nacab), com a indicação de redução do orçamento previsto nos planos de trabalhos em mais de 40%, pessoas atingidas e assessorias foram pegas de surpresa. Por isso, diante do impacto dessa redução no trabalho das ATIs nos territórios e dos iminentes prejuízos às pessoas atingidas, foi realizado o 9º Fórum Regional das Áreas 4 e 5, para debater o tema e os possíveis impactos da decisão.
Antes do início das discussões, Paula Constante, Gestora de Projetos de Mitigação do Guaicuy, fez o repasse da reunião com o Juiz Murilo Silvio Abreu, que ocorreu no dia 14/3 e contou com a participação de representantes de pessoas atingidas, Instituições de Justiça, ATIs e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Após a reunião, o juiz publicou decisão que fez avançar o processo que vai definir as indenizações individuais. Os principais pontos da decisão foram:
Eunice Godinho, moradora da Cachoeira do Choro, comunidade atingida de Curvelo (Região 4), participou da reunião com o juiz Murilo e apresentou suas impressões às demais pessoas que participavam do Fórum. Segundo ela, além de ter sido muito importante, a audiência foi uma conquista para todas as pessoas atingidas, que raramente tiveram a oportunidade de estar cara a cara com juízes durante o processo de reparação.
Para contextualizar o tema principal do 9º Fórum Regional, Marcus Polignano, Diretor Institucional do Guaicuy, refletiu sobre a importância da participação das pessoas e relembrou o ponto em comum que liga toda a Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias: o rompimento da barragem da Vale, que aconteceu no dia 25 de janeiro de 2019.
Marcus remontou a linha do tempo do processo e reforçou que houve muita luta para que as comunidades atingidas não tivessem uma Assessoria Técnica no modelo da Renova (que atua no Rio Doce), pois era importante garantir que as pessoas atingidas tivessem direito à assessoria independente. E que esse direito não pode ser perdido agora, depois da caminhada e conquistas das pessoas atingidas acompanhadas pelas ATIs.
O diretor do Guaicuy ainda disse que chegou-se num ponto crucial, no qual vai ser discutir o uso dos R$ 3 bilhões dos recursos do Anexo 1.1 do Acordo (projeto de demandas das comunidades), e que as ATIs estão trabalhando incessantemente para que as pessoas atingidas possam exercer a governança desses recursos em suas comunidades.
Por fim, Marcus reiterou que era sabido que as ATIs iriam executar um plano de trabalho de 36 meses, e que haveria diminuição gradual das equipes à medida em que o processo caminhasse. Ele explicou que, em janeiro de 2023, foi apresentado às Instituições de Justiça o Plano de Trabalho que envolvia uma proposta para que a ATI diminuísse o número de funcionários, mas que não perdesse o trabalho desenvolvido nas comunidades. E foi este plano que sofreu corte no orçamento na semana passada, quando as IJs determinaram que seria repassado apenas 45% do recurso.
Marcus Polignano terminou enfatizando o quão difícil é operar um sistema com essa redução abruptas.
“Só tem sentido a nossa luta por vocês. Só tem sentido a nossa luta pelas pessoas atingidas. Se todo mundo achar isso aqui importante, Então todo mundo vai ter que lutar por isso”
Marcus Polignano, Diretor Institucional do Guaicuy.
Julia Nascimento, Gerente de Portfólio do Guaicuy, apresentou em números a ameaça dessa decisão para a continuidade dos trabalhos das ATIs com as pessoas atingidas. Ela destacou que atualmente existem 380 grupos e comunidades atendidas pelas 3 ATIs (Guaicuy, Aedas e Nacab) e que a possível demissão de 600 profissionais inviabilizaria o trabalho.
Veja abaixo os números dessa decisão.
Júlia Nascimento ainda refletiu sobre as prováveis consequências dessa redução, com destaque para a interrupção de atividades do Guaicuy – como as reuniões, análises, pesquisas e levantamentos que possam subsidiar o processo de reparação – e falta de auxílio às pessoas atingidas nas questões do Programa de Transferência de Renda (PTR). Mas, sobretudo, a retirada do direito de informação, ou seja, o fim da garantia de que todas e todos os prejudicados pelo rompimento participem do processo de reparação de maneira informada.
Ao todo, 330 pessoas das Regiões 4 e 5, atendidas pelo Instituto Guaicuy, participaram do encontro virtual. Diante das informações sobre a decisão das Instituições de Justiça de reduzir abruptamente o orçamento, houve muitas manifestações de apoio à ATI, e sobretudo, do direito das pessoas atingidas a terem uma Assessoria Técnica Independente como suporte no processo de reparação.
Alex Rodrigues, morador de Paineiras, se mostrou desiludido com a decisão. Segundo ele, “este é mais um caso no Brasil onde as pessoas que foram prejudicadas deveriam ter justiça, mas que até hoje não aconteceu nada”.
Lelis Barreiros, pessoa atingida do Rio Doce, que estava acompanhando o Fórum, pediu para que os ouvintes não desistissem, porque a sua região, que foi atingida pelo rompimento em Mariana, só conseguiu uma ATI agora, 7 anos após o crime. Lelis reforçou: “Não deixe a ATI sair. Não deixa a ATI enfraquecer. O crime continua e o lucro da Vale, Samarco e BHP também.”
Em meio às manifestações de quem estava presente no Fórum, Eliana Barros, moradora de Cachoeira do Choro, refletiu que nesse momento as pessoas atingidas devem se articular, se unir, e realizar manifestações, “porque o governo precisa sentir a força do atingido”. Rosana Oberhofer, representante da Comissão de São Marcos e Santa Cecília, de Pompéu, completou:
“Precisamos parar de aceitar tudo de cabeça baixa, porque é o futuro dos nossos filhos. Não só lutar pelos direitos de ter ATI, mas lutar por todos os direitos da reparação.”
Rosana Oberhofer, representante da Comissão de São Marcos e Santa Cecília
E a moradora de Cachoeira do Choro, Jeane da Silva, relembrou do trabalho do Guaicuy com o grupo Mulheres de Barro, e disse que “não é só pensar no dinheiro e na reparação do rio. A assessoria técnica pensou em nossa auto-estima, com as Mulheres do barro”.
Veja aqui a manifestação de outras pessoas atingidas:
No Acordo firmado em fevereiro de 2021 foram destinados 700 milhões de reais para as estruturas de apoio, que incluem as ATIs, CAMF, auditorias, dentre outras. As IJs alegaram que a redução foi realizada diante do limite dos 700 milhões, mas não esclareceram quanto dos 700 milhões serão, de fato, destinados ao trabalho das ATIs para apoio à implementação do acordo. Por isso, as ATIs solicitaram às IJs, em ofício enviado na quinta (16/03), a definição do teto global disponível para os três anos de trabalho.
Carla Wstane, Diretora Técnica do Guaicuy reforça que “é importante, além de defender os direitos, pedir que as Instituições de Justiça tenham transparência com os 700 milhões de reais”. Ela ainda afirma que as IJs reconhecem a importância do trabalho da ATI, mas estão se apegando unicamente no teto das estruturas de apoio.
De acordo com Carla, as três ATIs (Guaicuy, Aedas e Nacab) estão se mobilizando para reverter essa situação. Além de garantir que as pessoas atingidas estejam informadas sobre essa decisão, as assessorias também estão se articulando da seguinte forma apresentada na imagem.
Carla reforça que o mais importante nesse momento é mostrar para a sociedade o quão injusto é um corte como esse. Por isso, tem havido diálogo com parlamentares e imprensa, a fim de ampliar o movimento de defesa do trabalho das ATIs.
Marcos Evaristo, Gerente Organizacional do Guaicuy, parabenizou as pessoas presentes pela participação ativa no Fórum e reiterou que as Assessorias Técnicas Independentes estão buscando adesão nacional e internacional nessa luta contra a redução do orçamento, mas que devem ser as pessoas atingidas, por meio das comissões, as protagonistas desse manifesto, independente das ações que possam ser tomadas: “As comissões são o melhor jeito para se organizar”, reforçou.
E Polignano encerrou o 9º Fórum Regional das Áreas 4 e 5 com um trecho de João Guimarães Rosa, que diz:
“O correr da vida embrulha Tudo,
Guimarães Rosa, em O Grande Sertão: Veredas
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.”
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