Instituto Guaicuy

Interdição de barragens: ANM embarga 27 estruturas em MG por falta de estabilidade

9 de dezembro, 2024, por Natália Ferraz

Minas Gerais, que concentra grande parte da atividade minerária brasileira, teve 27 barragens embargadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) por alto risco de acidente. Esse número equivale a mais da metade da interdição de barragens em todo o país (45), que paralisaram a atividade de cerca de 10% do total de estruturas. O diretor do Instituto Guaicuy, Marcus Vinícius Polignano, enfatiza: “há que se lamentar que depois de todos os traumas e consequências de Mariana e Brumadinho, a gente ainda tenha um número tão grande de barragens com falta de estabilidade declarada”.

Esses dados são do Relatório Sintético Campanha de Entrega DCE Setembro 2024, disponibilizado pela ANM. Semestralmente, as mineradoras precisam enviar à Agência uma Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) de todas as barragens que abrigam rejeitos ou sedimentos. Esse é um documento que deve ser assinado por uma pessoa com responsabilidade técnica e outra com responsabilidade legal. Após o final do prazo — no segundo semestre, a data-limite é 30 de setembro — a ANM avalia as entregas realizadas e realiza a interdição de barragens que não atestaram a estabilidade ou que não cumpriram a obrigação de enviar o documento. 

Com isso, segundo a Resolução 95/2022 da ANM, elas recebem uma multa, passam a ser classificadas como de categoria de risco (possibilidade de ocorrência de acidente) alto, e, de acordo com a Agência, são priorizadas no planejamento de fiscalização do órgão: “isso significa que as inspeções são agendadas para ocorrer em prazos mais curtos, visando mitigar potenciais riscos associados e assegurando o cumprimento das exigências regulatórias”, explica a assessoria de comunicação do órgão.

Neste semestre, a ANM recebeu 415 DCE que atestaram a estabilidade das barragens. No entanto, houve também 20 DCE que não atestaram e 27 que não foram enviadas. Segundo a ANM, as mineradoras podem enviar uma DCE extraordinária a qualquer momento para solicitar o desembargo, “desde que estejam em conformidade com as exigências técnicas e legais, permitindo que a estabilidade da barragem seja atestada de forma antecipada e possibilitando a retomada das atividades assim que os critérios de segurança forem devidamente comprovados e homologados pela Agência”.

Polignano considera que esse mecanismo de envio da declaração é muito frágil, porque seria quase uma “autodeclaração”. Na primeira entrega do ano, a empresa tem a opção de fazer a declaração na própria empresa ou contratar uma consultoria externa. Já no segundo semestre, é obrigatória a consultoria externa. Para o diretor do Guaicuy, se a designação das empresas que produzem os laudos fosse realizada pela ANM, teríamos um pouco mais de segurança em relação a eles.

O relatório da Agência ainda indica que duas das barragens que não atestaram estabilidade não foram embargadas por “questões ambientais”. Segundo a assessoria de comunicação da Agência, isso significa que “caso a disposição de efluentes de tratamento de água ácida fosse proibida, o empreendedor teria que lançar esses resíduos diretamente no meio ambiente, o que acarretaria graves consequências ambientais”.

Níveis de emergência em barragens de mineração

Das estruturas sem estabilidade declarada, 39 estão em nível de emergência 1, seis em nível 2 e duas em nível 3. A resolução da ANM já mencionada define como emergência as situações “decorrentes de eventos adversos que afetem a segurança da barragem e possam causar danos à sua integridade estrutural e operacional, à preservação da vida, da saúde, da propriedade e do meio ambiente”.

 O nível 3 de emergência, o mais grave, é compreendido como “ruptura inevitável ou ocorrendo”. As duas estruturas enquadradas nesse nível têm alto Dano Potencial Associado (DPA) para perda de vidas e danos à propriedade na eventualidade de um rompimento:

  • Forquilha III, da Vale, em Ouro Preto
  • Barragem Serra Azul, da ArcelorMittal, em Itatiaiuçu

Cabe ressaltar que nosso país tem 935 barragens de mineração, mas em torno de metade delas não precisa emitir a DCE. O documento é uma obrigação legal apenas daquelas que possuem pelo menos alguma das seguintes características e, por isso, são enquadradas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB):

  1. altura do maciço, contada do ponto mais baixo da fundação à crista, maior ou igual a 15m (quinze metros);
  2. capacidade total do reservatório maior ou igual a 3.000.000m³ (três milhões de metros cúbicos);
  3. reservatório que contenha resíduos perigosos conforme normas técnicas aplicáveis;
  4. categoria de dano potencial associado, médio ou alto.

Interdição de barragens e fiscalização insuficiente

O acompanhamento rigoroso das condições das barragens, assim como a realização de ações efetivas para evitar novos desastres é indispensável. Como indica o boletim de novembro do grupo de pesquisa e extensão Educação, Mineração e TerritóRio, da Universidade Federal de Minas Gerais (EduMiTe-UFMG), “rompimentos de barragens de mineração são processos, não eventos. Iniciam-se antes mesmo do dia do colapso de uma barragem, especialmente com a desinformação, a falta de manutenção e de compromisso das mineradoras, assim como de fiscalização governamental. O processo de rompimento concretiza-se com o colapso de uma barragem e segue por tempo indeterminado afetando comunidades e ecossistemas, serviços ambientais, cadeias econômicas e modos de vida”.

A Agência Nacional de Mineração informa que “adota procedimentos de verificação para assegurar a exatidão das informações prestadas nas Declarações de Condição de Estabilidade (DCE) pelas empresas durante vistorias, avaliando todos os aspectos pertinentes, em estrita conformidade com a legislação vigente e as melhores práticas da engenharia aplicável”. O boletim do EduMiTe-UFMG, no entanto, destaca um aspecto muito preocupante: mesmo com 935 barragens no Brasil, “no mês de outubro ocorreram apenas 11 vistorias, totalizando 169 vistorias realizadas pela agência até novembro de 2024. Esse número representa apenas 18,07% do número total de barragens cadastradas atualmente no país.”

Marcus Vinícius Polignano considera que os rompimentos de barragem que já tivemos demonstram que a Agência Nacional de Mineração tem deficiências para realizar o trabalho de fiscalização, sofrendo com a falta de capacidade operacional, técnica e financeira. Segundo o diretor do Guaicuy, o aumento de pessoal nos últimos anos não foi suficiente e o quadro está muito aquém do que o esperado para um órgão que exerça esse papel de segurança.

Ele ainda destaca a ausência de obrigação dos estados nessa atividade de fiscalização, dado que são eles que licenciam, avaliam as características das barragens e dão o laudo para a mineração fazer as ações de extração. “Eles autorizam a operação, a barragem e tudo mais, mas não têm nenhuma responsabilidade [após essa fase]. Isso é uma incoerência absurda”, afirma.

Bacias hidrográficas ameaçadas pela mineração

Um ponto importante trazido no material produzido pelo EduMiTe-UFMG, é que a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), conhecida como Lei das Águas, adota o recorte de de bacia hidrográfica como unidade estratégica para a gestão das águas. No entanto, os dados sobre barragens disponibilizados pela ANM não são divulgados com esse recorte territorial, o que dificulta o entendimento da população e mesmo o processo de tomada de decisão dos governos.

Em Minas, onde há a maior concentração de barragens, elas se encontram principalmente na região conhecida como Quadrilátero Ferrífero-Aquífero, uma especificação geográfica, geológica e hidrológica que se formou em nosso estado — especialmente nas bacias do Rio das Velhas e do Rio Paraopeba e na Bacia do Rio Doce. “As áreas exploradas situam-se principalmente nas cabeceiras de importantes rios do estado, podendo impactar, portanto, em caso de vazamento e/ou rompimento, até centenas de quilômetros de rios em bacias hidrográficas estratégicas para abastecimento humano, segurança alimentar, assim como para o desenvolvimento de diversas atividades econômicas”, informa o boletim.

O risco a essas bacias também é enfatizado por Marcus Vinícius Polignano: “os impactos de um novo rompimento de barragem seriam desastrosos, porque a mineração e o Governo do Estado já conseguiram destruir dois rios: o Paraopeba e o Doce”. Ele ainda destaca o perigo que corre a Bacia do Rio das Velhas, que sofreria com um possível desastre das barragens que estão em Nível 3 de Emergência — o que inevitavelmente comprometeria o abastecimento de água de Belo Horizonte. Isso é ainda mais grave considerando o cenário de mudanças climáticas, já que as estruturas não foram construídas para suportar os grandes volumes de chuva que têm ocorrido: “Imagina se tivesse caído aqui em Minas o que caiu no Rio Grande do Sul? A gente ia ter rompimento de barragem pra todo lado”, alerta.

Imagem: Ricardo Botelho/MME

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