Instituto Guaicuy

“A água é minha vida, é como meu sangue”: entrevista com Hélio Pimenta

8 de janeiro, 2024, por Wesley Costa

O pescador e criador de minhocas, Seu Hélio, recebeu a equipe do Instituto Guaicuy em Paineiras e conversou sobre a vida, a pescaria, as minhocas e os impactos do rompimento da barragem da Vale

Chegamos em Paineiras às 14h30. Estava caindo uma tempestade e uma enxurrada descia com força pela rua. Na casa em nossa frente uma placa chamava atenção: “Vende-se minhocas”. Lá de dentro, uma voz nos gritou: “Opa, vamos chegar!”. 

Era Hélio Pimenta, morador de Paineiras e pescador a vida toda. Ele e a sua esposa, Deusdete Lourenço, nos esperavam para uma prosa. 

Naquele quintal cheio de plantas, verduras, pés de frutas e folhas de chá, Seu Hélio conversou com o Guaicuy e contou um pouco da sua história de vida, da sua relação com a Represa de Três Marias e com a pescaria, e falou sobre como o rompimento da barragem da Vale impactou a sua vida. 

“Toda vida eu fui pescador. Isso vem da época do meu pai e dos meus avós. Meu pai me carregava muito no ombro ali, pescando, fazendo a pesca para sobrevivência. Isso é de sangue mesmo, é de família mesmo. Para minha pessoa hoje, a água é minha vida, é como o meu sangue. Sem a água, não vai ter como eu sobreviver porque eu sou um pescador profissional”, conta. 

O pescador carrega na memória lembranças de outros tempos da Represa de Três Marias. Ele se recorda de quando era criança e acompanhava seu pai no campo e na pescaria. Naquela época, as águas da represa tinham peixe para dar e vender, e Seu Hélio tinha o pai e a própria natureza como mestres. 

“O meu grau de estudo é muito pequeno, eu não tive a oportunidade, igual as crianças de hoje têm, que os jovens têm, de ter uma escola. A minha escola era o campo. Para mim, eu pensava que a pescaria seria o melhor resultado. Hoje, como estou vendo o que está acontecendo, eu me sinto sem perna, sem perna…

Após esse rompimento, eu fui afetado por uma alergia e tô sofrendo com ela até hoje. Eu fui afetado em todos os sentidos. Tem pescado ali dentro do meu freezer que eu não vendo. 

Após esse rompimento, eu cheguei até ao ponto de falar assim: 

— Eu vou cancelar a minha carteira [de pescador profissional]. 

Porque dificultou demais para nós, pescadores profissionais. Você chegar diante de uma pessoa, oferecer um pescado para a pessoa, e ela falar assim pra você: 

— Eu não vou comprar peixe contaminado, não! 

Você colocar mil metros de rede dentro da bacia e pegar quatro peixes, isso aí não dá nem para a minha sobrevivência aqui”, relata emocionado.  

A esperança que serve de isca 

Imagens de Daniela Paoliello

A chuva já havia parado, a prosa estava boa e Seu Hélio nos levou para dar uma volta no quintal. O terreno é muito bem aproveitado, com plantações de uma variedade enorme de plantas, além da criação de coelhos e de minhocas. As minhocas têm sido a salvação dele após o rompimento da barragem da Vale e a queda da pesca e da venda do peixe. 

O pescador relembra como começou esta criação: 

“Eu comecei com uma horta. Plantei uns pés de couve, peguei o esterco bovino e pus para estercar a couve. De repente, a couve começou a morrer e eu pensei: 

—Tem alguma coisa estranha que está acontecendo! Será que o cupim tá chupando a seiva da couve? Vou verificar. 

Aí, quando eu levei a mão no esterco, [as minhocas] estavam que nem o cabelo da cabeça. Eu fiquei com aquilo na mente, na cabeça, e pensei: 

— De repente, dá até para mexer com esse negócio. 

Aí uma pessoa parou ali na rua e falou comigo assim: 

— Cê não sabe onde tem minhoca para pescaria, não? 

Eu falei com ele: 

— Amigo, desce do carro e vem aqui. 

Ele chegou até aqui e eu falei que ia tirar o tanto de minhoca que ele quisesse. Depois que eu tirei, ele perguntou o preço. 

Eu disse: 

— Não vou te cobrar. 

Mas, uns dias antes, eu tinha falado que se alguém parasse aqui em casa procurando por minhocas eu começaria um criatório. Hoje eu tenho tanto elas (as minhocas) no chão, como na caixa e em cima da lona. A minha renda hoje não é só a pescaria, não. O dia que não dá a pescaria, ou dia de feriado, sempre aparece freguês para comprar o produto. Se brincar, eu ganho mais que com a pescaria”, diz. 

Apesar das dificuldades do dia a dia e dos prejuízos trazidos pelo desastre-crime da Vale, Seu Hélio não perde a esperança de que um dia a represa volte a dar alegrias e peixes. 

“Nós temos aqui a nossa ATI, que está conosco na caminhada, que está nos ajudando, nos orientando, sempre colocando novas ferramentas na nossa vida. 

O que eu desejo é que a Vale, sendo uma grande potência como ela é, que recebe milhões e milhões, faça a reparação ambiental de todo resíduo que está dentro da Bacia de toda a calha do Paraopeba, de toda região que foi afetada. 

A água para mim, a represa para mim, é minha vida. É meu pão de cada dia. 

A água é vida. É como eu comparei, como é que eu vou viver sem o sangue? Então assim somos nós. Nós vivemos sem alimentação um tempo, mas nós não vivemos sem a nossa sobrevivência que é a água”, reflete Hélio Pimenta. 

 

Entrevista originalmente publicada na 10ª edição do Piracema.

Clique ali para ler o jornal completo. 

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