Instituto Guaicuy

A chuva que derrubou o quintal. A história de Dona Maria.

3 de novembro, 2021, por Christiano Amaral

Sua casa tem cheiro de biscoitos recém assados e café forte bem passado. Está muito preocupada com a imagem do seu lar e em como irá aparecer nos vídeos, andando de um lado para o outro ajeitando tudo em seu devido lugar. Dona Maria tem seus olhos distantes, enquanto alisa o forro de mesa estampado de frutas, e escuta sobre a tragédia do deslizamento de terra que destruiu os fundos de sua casa. As galinhas de seu quintal não param de cacarejar, e seus gatinhos correm por trás dela enquanto escutamos sobre os riscos de que as chuvas tragam um novo desastre para a região. 

Com um tom triste, ela relata o momento em que os impiedosos deslizamentos de terra levaram a alegria de seu quintal embora, dando lugar à lama, ao esgoto e aos entulhos. No dia do deslizamento, seu filho Reinaldo a aconselhou a sair mais cedo do serviço devido às previsões de tempestade, assim poderia evitar o trânsito – que em BH sempre se torna caótico quando chove. “Deus é bom demais, porque se a gente tivesse fechado no horário que a gente costuma fechar ia matar muita gente que tava jantando ali embaixo. Quando eu tava aqui dentro que eu escutei o barulho, eu pensei que as casas lá em cima estavam descendo. Quando eu saí aqui, a cobertura que tinha estava vindo pra frente, caindo tudo. Eu pensei que ia puxar a casa. Eu chamava o meu filho e ele não respondia, eu pensei ‘nossa mãe, mataram todo mundo que estava lá’”.

Dona Maria e sua família ajudaram a retirar algumas das pessoas que estavam no caminho da terra que descia rapidamente. “A gente já tinha buscado uma escada na casa da vizinha e posto na janela ali pra o pessoal que tava lá dentro sair. Tinha quatro pessoas na casa. Tinha uma menina que estava lá embaixo, uma menina pequena de seis anos. Quando a mãe dela ouviu o barulho ela gritou, a menina subiu correndo, subindo a escada correndo, a mãe dela só deu conta de abraçar ela e a enxurrada foi passando e arrastando tudo.”

Ela está com sua família, na varanda de sua casa no bairro Havaí, na Região Oeste de Belo Horizonte, lembrando-se dos dias em que costumava passear por seu terreno e visitar as três lagoas represadas que, para ela, representavam o afeto e o cuidado. Dona Maria conta que com o passar dos anos é cada vez mais difícil para ela subir as escadas que dão para as ruas. Então, estando sempre em casa e muitas vezes sozinha, se distraía olhando para os peixes, pescando e esvaziando sua mente. 

“Primeiro eu fui morar na casa da minha filha, no Sagrada Família. Eu morava no São Cristóvão, mas eu tinha um filho que gostava de usar drogas e mataram ele. Depois que mudamos de lá, eu nunca mais voltei” ela conta, sobre sua chegada ao bairro do Havaí, que é seu lar há cerca de dezoito anos.  “A gente se acostuma muito com o lugar. Nossa mãe! Era bonito demais. Era tudo organizadinho. Agora virou isso…”

A chuva que levou seus preciosos lagos também soterrou quatro nascentes que haviam no local e arrastou para longe todos os peixes que viviam ali. Dona Maria  conta que, nos dias que se seguiram às chuvas, ela pôde ver seus amados peixes enterrados pelo caminho que a lama deixou para trás. 

“Agora fico olhando para lá e é a maior tristeza desse jeito que está. Tinha peixe grande, tinha tilápia, tinha bagre, traíra, carpa. Até surubim tinha. Tinha muitos peixes mesmo. Tinha rã, sapo”, ela conta com um sorriso no rosto. “De um dia para o outro levou tudo. Eram três lagoas, desceu tudo, saiu levando tudo”

A chuva causou um estrago enorme na propriedade da Dona Maria, de sua família e de seus vizinhos. Além do estrago, também deixou um vazio onde costumava existir água, alegria e beleza na região. 

E recuperar as lagoas? Impossível, sem que alguém resolva a situação das encostas da Grota da Ventosa, em primeiro lugar. Com o período de chuvas chegando e ameaçando níveis pluviométricos históricos, o medo de que o deslizamento ocorra novamente não sai de sua cabeça. 

Esta é uma das muitas preocupações dos moradores do bairro do Havaí em relação à mata. O descuido, os descartes impróprios de lixo, a canalização de esgotos que se mistura às águas das nascentes, os riscos de deslizamento e os incêndios são questões que tiram o sono daqueles que moram ali. 

“Quando a chuva ameaça descer eu já fico com medo, cismada. O pessoal da COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) veio aqui um dia, olhou o negócio do esgoto descendo e falou que ia lá olhar e ver se o pessoal jogava para o outro lado. Se não jogasse, eles iam vir e manejar até sair lá embaixo” ela afirma, apontando para a área. Sua expressão é de decepção quando termina de contar o desenrolar da história: “Eles iam fazer esse serviço, mas sumiram e não voltaram mais para fazer nada”. 

Perguntamos a ela e aos outros o que fizeram após o fim das chuvas, quando o estrago estava feito. Sem pensar duas vezes, respondem: “Agradecer. Por pelo menos não termos perdido nossas vidas.”

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