Assessorias Técnicas Independentes seguem realizando diálogos em busca de alternativas para continuidade dos trabalhos junto às pessoas atingidas
Como tem sido amplamente divulgado desde o início de março, inclusive em reunião com as pessoas atingidas pela Vale e no Manifesto lançado pelo Instituto Guaicuy, as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que atuam com as comunidades prejudicadas pelo desastre-crime da mineradora em 2019 estão se articulando para reverter a possibilidade de interrupção de seus trabalhos nos territórios. Isso acontece depois de ser determinada pelas Instituições de Justiça (IJs) a redução de 48% dos recursos, em relação ao orçamento previsto no Plano de Trabalho para o primeiro semestre de 2023, comunicado no início de março.
Todos os esforços e exercícios financeiros foram feitos no intuito de possibilitar a continuidade, ainda que parcial, das atividades. Mas, com a falta de retorno sobre os documentos enviados e reuniões feitas para demonstrar os efeitos do corte, sobretudo da forma como ele foi determinado, o Instituto Guaicuy precisou iniciar um processo de redução no quadro de funcionários, desligando 40 pessoas nesta segunda-feira (10), em busca de uma readequação ao novo cenário colocado. Outras 30 pessoas já tinham sido desligadas em 2023, como parte do processo de desmobilização que já estava prevista para os próximos três anos nos planos de trabalho do Guaicuy.
Para a prestação do serviço de Assessoria Técnica Independente às pessoas atingidas da Região 4 (Curvelo e Pompéu) e da Região 5 (comunidades da Represa de Três Marias e do Rio São Francisco), o Instituto Guaicuy estruturou o Projeto Paraopeba com a contratação de profissionais e infraestrutura, considerando o escopo e o orçamento dos diversos Planos de Trabalho. Com a redução orçamentária determinada em relação ao que estava previsto no Plano de Trabalho e a falta de previsão orçamentária futura, a instituição buscou honrar os contratos e, sobretudo, os direitos trabalhistas dos profissionais que atuam no projeto.
Carla Wstane, diretora do Instituto, explica que as equipes que atuam nos territórios foram priorizadas, levando em conta o contato direto delas com as pessoas atingidas para a garantia da participação informada no processo de reparação. “Agradecemos toda a mobilização em torno do direito à Assessoria Técnica e agradecemos muito o empenho e profissionalismo de toda a equipe, que atuou com muita seriedade e afeto na defesa dos direito à reparação. Não é uma decisão fácil, e lamentamos muito as demissões. Foi um passo necessário para reduzir os riscos de encerramento das atividades”.
As ATIs seguem realizando uma série de diálogos com parlamentares, representantes das IJs e movimentos sociais, além de terem encaminhado um ofício à Justiça, no dia 16 de março, com questionamentos sobre a decisão, ainda sem resposta. Além disso, o “Manifesto pelo direito à Assessoria Técnica Independente” foi lançado pelo Guaicuy na mesma data, com o objetivo de chamar a atenção da sociedade civil para as consequências do possível corte orçamentário, e já conta com quase cinco mil assinaturas.
As movimentações em torno do tema provocaram parlamentares da Comissão Externa para Fiscalização de Rompimentos de Barragens/Acompanhamento Repactuação de Mariana e Brumadinho da Câmara Federal e deputadas e deputados da ALMG a realizarem uma reunião nesta segunda-feira (10). O objetivo do encontro era a discussão de uma solução para o repasse de recursos do acordo para a continuidade dos trabalhos das ATIs..
Houve a presença de representantes do Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE), Defensoria Pública de Minas Gerais, de pessoas atingidas, organizadas na Rede de Articulação das pessoas, grupos e comissões de atingidas (os) da Bacia do Paraopeba – Paraopeba Participa, e na Rede de Atingidos da Região 3. Também participaram representantes das três ATIs – Aedas, Nacab e Guaicuy -, e de movimentos sociais como o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
No encontro, foram debatidos os diversos impactos que o corte orçamentário significa para a garantia da participação informada das pessoas atingidas no processo de reparação, que têm, por lei, certificado o direito à uma Assessoria Técnica Independente. Após o encontro, nesta terça-feira (12) as Instituições de Justiça se manifestaram publicamente, dizendo terem se reunido para tratar sobre as questões suscitadas em reunião (e que já haviam sido objeto de reuniões anteriores e Ofícios)..
De acordo com nota divulgada, a questão será avaliada a partir desta quarta-feira (12) pelas equipes das IJs, com o objetivo de “solucionar o problema orçamentário das ATIs”. Após os debates a serem realizados, as Instituições afirmaram que se reunirão, novamente, com as Comissões Externas Parlamentares e as ATIs para um retorno.
A situação ainda é de insegurança financeira e jurídica em relação ao cumprimento do plano do Plano de Trabalho elaborado e apresentado junto às pessoas atingidas. O Guaicuy ainda aguarda o posicionamento das Instituições de Justiça sobre o caso para melhor avaliar e organizar como os trabalhos do Instituto serão executados nos próximos meses, em busca de uma reparação justa e responsável.
A decisão diz respeito ao orçamento calculado nos Planos de Trabalhos do Acordo, firmado em fevereiro de 2021 entre o Poder Público e a Vale, sendo o corte válido para o primeiro semestre de 2023. Cabe lembrar que o acordo foi fechado em R$37,69 bilhões, quantia a ser investida na reparação socioambiental e socioeconômica dos danos coletivos e difusos das comunidades e aos danos causados ao Estado de Minas Gerais.
A contratação das Assessorias Técnicas para as atividades relacionadas ao cumprimento do Acordo, bem como de outras entidades como a Coordenação Metodológica e Finalística (CAMF) e de uma auditoria para acompanhar os trabalhos das ATIs, devem ser custeados por uma rubrica específica do próprio Acordo. No total, são R$ 700 milhões previstos para as estruturas de apoio do Acordo (que não se limitam às Assessorias e, segundo as IJs, deveria custear também outras auditorias), correspondendo a 1,86% do valor total destinado ao Acordo.
Como justificativa para o corte, as Instituições de Justiça (IJs) alegaram que a redução foi realizada diante do limite desses R$700 milhões, mas não esclareceram quanto dessa quantia seria, de fato, destinado ao trabalho das ATIs para apoio à implementação do Acordo. Por isso, as Assessorias solicitaram às IJs, em ofício enviado no dia 16 de março, a definição do teto global disponível para os três anos de trabalho.
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