A reunião da Comissão de Pessoas Atingidas e do Instituto Guaicuy com o Ministério Público (MPMG) e o Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça para Apoio Comunitário (CAO-Cimos) teve a participação de cerca de 500 pessoas atingidas pelo risco de rompimento e obras de descaracterização da Barragem Doutor
A Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira e o Instituto Guaicuy, que está ao lado da comunidade do distrito atuando como Assessoria Técnica Independente (ATI) na luta pela reparação integral pelos danos causados em decorrência do risco de rompimento e obras de descaracterização da Barragem Doutor (Vale), se reuniram com o Ministério Público de Minas Gerais, na última terça-feira (30). O evento contou com a presença de cerca de 500 moradoras e moradores do distrito, além de contar com a participação dos coordenadores do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA), na Escola Estadual Professora Daura de Carvalho Neto.
Esse momento valoroso e de demonstração de resistência e organização popular também contou com a presença de representantes do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça para Apoio Comunitário (CAO-Cimos).
O encontro da comunidade com o Ministério Público foi um marco importante de apresentação da Comissão de Atingidos revitalizada, que agora conta com a participação de mais de 50 participantes, além de demonstrar que as moradoras e os moradores de Antônio Pereira seguem atuantes pela manutenção de seus direitos e fortalecimento de instrumentos que os ajudem na busca por reparação, qualidade de vida e perspectiva de futuro. Já se passaram cinco anos desde que a Justiça determinou a interrupção das atividades da Barragem Doutor, da Vale, devido ao risco de rompimento. De lá pra cá, são cinco longos anos que a população de Antônio Pereira sofre danos à saúde e socioeconômicos provocados pela mineração predatória e insegurança quanto à estabilidade da barragem.
Existente desde 2019, a Comissão é a voz das pessoas atingidas diante da Vale, da justiça, do Ministério Público de Minas Gerais e de outras entidades. Para que se tornasse mais representativa, ela passou pelo processo de revitalização iniciado ainda em 2023 e concretizado nos meses de março e abril deste ano. O Instituto Guaicuy, enquanto ATI de Antônio Pereira, auxiliou os moradores nessa revitalização organizando reuniões de núcleos comunitários, promovendo a auto-organização popular e oferecendo materiais informativos sobre a importância e legitimidade da Comissão.
“A Comissão é muito estratégica para todo o processo que vai ser feito através do Gepsa (Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais, perito da justiça no processo contra a Vale no caso da Barragem Doutor) e todo o trabalho nosso (Guaicuy) de participação e mobilização. E também é um momento muito importante de apresentação dessa Comissão para os promotores, que vieram aqui representar o Ministério Público, e para a equipe da Cimos”, disse Ronald Guerra, coordenador-geral da ATI Antônio Pereira e vice-presidente do Guaicuy.
Os pedidos de socorro do Pereira
Alguns dos depoimentos dos integrantes da comissão revitalizada foram mais que exposições dos problemas enfrentados por quem mora no Pereira, como é popularmente conhecido o distrito. Eles soam como um pedido de socorro de uma comunidade que, ano após ano, observa os danos se repetirem, sem uma solução efetiva por parte da empresa mineradora.
“Nós somos uma comissão forte, que estaremos representando o direito da nossa comunidade e de todos. Somos uma comissão forte! Não vamos desistir de lutar pelos nossos direitos. Vou mostrar aqui a poeira da minha casa, que eu tiro todo dia, e a poeira que a gente está respirando dia e noite, poeira contaminada por rejeito de minério. Olha a situação que encontra a minha casa, isso aqui é todo dia. Isso aqui é a poeira. Isso aqui que nós estamos respirando dia e noite! Eu pergunto pra vocês: é justo a gente viver desse jeito? Estamos perdendo pessoas dentro da nossa comunidade. Cada dia morre um com a doença dos “pulmão”, denuncia Ivone Pereira, garimpeira tradicional do distrito.
“Todo mundo em Antônio Pereira hoje é atingido. A gente não tem acesso mais às cachoeiras, a gente não tem acesso às pescarias. Então, assim, as crianças da gente não têm a liberdade que tinham, a gente não tem! Então, quer dizer, quem cresceu aqui, quem é nascido e criado aqui…eu falo por mim, que estou aqui só (faz) cinco anos, a gente já se sente tão prejudicada, agora, imagina quem é nascida e criada aqui? Foi tirado tudo da gente: a liberdade da gente ir e vir, e sem comunicação nenhuma. Então, a gente só quer o direito da gente, a gente quer o direito de saber o que está acontecendo realmente”, pede Aliliane de Oliveira, moradora do Antônio Pereira.
“Eu queria só falar da atividade minha que a Vale parou, que é o garimpo tradicional, que eles não estão reconhecendo (como povo tradicional atingido), e eu estou mais de dois anos parado […] Eu não trabalhei mais no garimpo, a única coisa que eu sei fazer bem, que eu consigo, é garimpar. Eu queria que reconhecesse os garimpeiros de Antônio Pereira […] Eu criei a minha família toda. Meu pai, meu sogro, a minha família, todo mundo é garimpeiro”, lembra o senhor Waltuir Ribeiro.
O que diz o Ministério Público
Após ouvir os relatos dos moradores, o promotor Thiago Correia, que atua na Ação Civil Pública (ACP) sobre a reparação dos danos causados ao distrito, falou sobre o andamento do processo e as atribuições da 4º Promotoria de Justiça – Direitos Humanos.
Thiago Correia iniciou pontuando que a 4º Promotoria de Justiça de Ouro Preto trata das questões relativas à Ação Socioambiental. Dentro dela, se discute sobre reparação, desde a remoção das pessoas da Zona de Autossalvamento – ZAS, em 2020 e 2021, passando pela decisão judicial que entendeu como atingido todo o território de Antônio Pereira, e não apenas quem estava na ZAS, construção de equipamentos públicos, fortalecimento do SUS local, até a escolha e início dos trabalhos do Guaicuy como Assessoria Técnica Independente do distrito. A 4º Promotoria também acompanha a atuação do GEPSA, responsável pela construção da Matriz de Danos, do cadastro das pessoas atingidas, apuração dos danos individuais, danos coletivos e discussões sobre reassentamento.
“A nossa ação trata de modelo de reparação. As questões relativas à poeira, água, instabilidade de barragem, isso tudo vai ser levado para a promotoria ambiental para ser debatido na Ação Ambiental, se isso já está lá, ou se vai ser um expediente instaurado dentro da promotoria, mas isso é uma questão à parte”, informa o promotor.
A respeito de equipamentos públicos de saúde para atender às demandas do local, onde as denúncias de adoecimento por causa da poeira de mineração são constantes, Flávio Jordão Hamacher, da 3ª Promotoria de Justiça de Ouro Preto – Defesa da Saúde, explicou que: “A gente tentou um acordo mais amplo, o município construiu o documento que previa um aumento da equipe que estava atuando diretamente no território, além de tentar trazer melhorias para a Unidade Básica de Saúde local, só que a Vale foi muito resistente e esse projeto do município não foi aprovado. Como não houve acordo, agora a nossa estratégia de atuação é trazer todas essas demandas da saúde para dentro do processo – na Ação Civil Pública que o doutor Thiago (Correia) está à frente, além de colocar essas questões ao GEPSA, para que os danos à saúde sejam tratadas dentro do processo.”
Por Mariana Viana
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