Em assembleia, defensores de direitos humanos se reúnem pela manutenção da Assessoria Técnica Independente de Antônio Pereira

População de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto/MG, se organiza para defender a permanência da ATI até o fim do processo de reparação dos danos causados pela Vale

“Todos nós temos que falar com uma só voz! Uma só voz pela permanência da Guaicuy aqui junto com a gente, para que nós, de Antônio Pereira, possamos ter acesso ao processo contra Vale!” É assim que dona Giovania Santana Gonçalves, integrante da Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira, chama a comunidade para participar da assembleia em defesa do direito à Assessoria Técnica Independente, que vai acontecer na próxima quinta-feira, dia 6 de fevereiro, às 19h, na Quadra do Areião (Rua da Lagoa, S/N, em Antônio Pereira).

Giovania Santana Gonçalves ao centro, de saia preta, durante visita da Comissão à Barragem Doutor em novembro de 2024. Foto: Gabriel Nogueira/Instituto Guaicuy

A assembleia promete agregar autoridades e defensores de direitos humanos de diversas frentes e organizações parceiras à luta da população de Antônio Pereira. O distrito sofre há cinco anos com os danos causados pelo risco de rompimento e obras de descaracterização da Barragem Doutor, da Vale. No site “desativando bombas relógio”,  o Ministério Público de Minas Gerais informa que apenas 34% das obras estão concluídas, de modo que a previsão da descaracterização completa é 2029. 

“O direito das pessoas atingidas é que elas tenham a Assessoria Técnica Independente enquanto estiver ocorrendo a reparação e o processo de descaracterização da barragem, e isso não está acontecendo”, destaca Ronald Guerra, vice-presidente do Instituto Guaicuy e coordenador-geral da ATI Antônio Pereira.

Antônio Pereira luta por dignidade e reparação!

Ao longo dos últimos 5 anos e, ao que tudo indica, nos próximos 4 anos em que a barragem ainda estará em obras de descaracterização, a comunidade segue sofrendo com o medo aterrorizante e com a poeira adoecedora, por exemplo. São diversos danos, que representam violações a direitos humanos inalienáveis, como o direito à moradia digna, ao meio ambiente limpo e saudável, à saúde, à segurança, entre muitos outros. Diante de tantos desafios, a população está cansada, mas reúne forças para seguir adiante na busca por dignidade e reparação. 

A pastora Sandra Helena de Oliveira, uma das “Mulheres Guerreiras” de Antônio Pereira, fala sobre o sentimento coletivo nesse momento de ataque ao direito à ATI. “É normal se sentir desmotivado diante de tantas coisas que a gente está vivendo, mas a gente não deve se entregar.” Sandra também faz um chamado à coletividade e faz um apelo para a garra da comunidade. “Tem que arregaçar as mangas… Cabeça erguida, olhar para frente e buscar se informar de tudo isso que está acontecendo. É vir para a batalha, vir para o nosso lado, somar com a gente nessa assembleia!”

Sandra Helena de Oliveira em reunião de núcleo comunitário realizado pelo Guaicuy em 2023. Foto: Hariane Alves/Instituto Guaicuy

Sem trégua: direito conquistado segue ameaçado e população se organiza em defesa de sua ATI

A assembleia é mais uma das tantas lutas travadas pelas pessoas atingidas na defesa de seus direitos. Mobilizações como essa que, no passado, alcançaram conquistas históricas. A principal delas é o direito à reparação integral e à participação informada nesse processo, por meio do assessoramento técnico independente. A mesma luta fez com que esses direitos se tornassem leis (Peab e PNAB).

A população de Antônio Pereira enfrenta, atualmente, a demora no processo de reparação e a iminência de perder a sua Assessoria Técnica Independente, mais uma violação dos direitos tão duramente conquistados. 

“Só conseguimos que a Assessoria Técnica chegasse ao nosso território depois de uma manifestação. Manifestação essa que causou um processo judicial para algumas de nós que estávamos presentes”, lembra Sandra Helena. Nesta terça-feira (04/02), a pastora e outras três mulheres atingidas participaram de uma audiência onde são rés por uma denúncia feita pela mineradora. Uma inversão de papéis causada pela Vale, que usa do sistema judicial para coagir pessoas atingidas que se levantam para a luta por reparação. A realização da assembleia na próxima quinta-feira, dia 6/2, mostra que a estratégia da empresa não funcionou, o povo segue organizado e em luta!

ATI em campo é a principal reivindicação à Justiça

A ATI tem o objetivo de buscar garantir a participação informada da população no processo de reparação dos danos causados pela mineradora. É uma forma de  tentar equilibrar, minimamente, a disparidade de poder existente entre uma multinacional bilionária, como a Vale, e a população vulnerabilizada por seus empreendimentos. O assessoramento técnico independente é um direito garantidor de outros direitos e uma forma de fortalecer as comunidades atingidas. Aliliane Veríssimo, integrante da Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira, conta sobre a grande diferença sentida com o trabalho do Guaicuy no distrito. “Antes, muitas vezes aqui, os moradores não tinham voz ativa. Com a Guaicuy atuando aqui com a gente, ela deu voz ativa à comunidade, abriu portas, nos ensinou, informou, fez a diferença. Essa ATI é muito importante para a gente.”

Aliliane Verissimo durante evento o Café com Prosa, realizado pela ATI em dezembro de 2024. Foto: Gabriel Nogueira/Instituto Guaicuy

Com a morosidade do processo de reparação, os 30 meses previstos para o plano de trabalho da ATI passaram sem que a reparação integral se tornasse uma realidade. Mesmo assim, a Justiça decidiu que o povo não precisa mais do assessoramento técnico independente, determinando a improrrogabilidade dos prazos de trabalho e não ajustando o orçamento destinado ao Instituto Guaicuy com a correção monetária e inflacionária. Com isso, a ATI está em vias de acabar.

Para Letícia Oliveira, coordenadora estadual do Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) em Minas Gerais, o fim de uma ATI significa elevar ao máximo a disparidade de poder entre mineradoras e pessoas atingidas. “A saída de uma assessoria técnica no território antes do processo de reparação ser finalizado é um processo de vulnerabilizar ainda mais a comunidade. É um processo de deixar a reparação toda nas mãos das empresas que cometem os crimes, de quem não teve nenhuma responsabilidade e permitiu a barragem entrar em risco.”

Letícia Oliveira em audiência realizada na ALMG em agosto de 2024. Foto: André Carvalho/UFOP

O prazo para o fim dos trabalhos é maio de 2025, mas para honrar com os direitos trabalhistas, 11 profissionais estão de aviso prévio, com demissão marcada para esse mês de fevereiro. Isso significa que, as atividades finalísticas, ou seja, o assessoramento técnico independente às pessoas atingidas já está comprometido, e será completamente extinto em maio de 2025 caso esse cenário não mude. 

Dona Giovania, como membro da Comissão, faz um apelo direto à juíza do caso: “Eu peço, encarecidamente, para a meritíssima juíza, Kellen Cristini de Sales e Souza, que leve em consideração a população de Antônio Pereira. Nós precisamos, da ATI, do Instituto Guaicuy, aqui junto de nós, porque é um direito que nós temos.”

Dona Giovania. Foto: Gabriel Nogueira / Instituto Guaicuy

Sandra Helena também tem esperança na Justiça para que a decisão de não prorrogar a permanência da ATI em campo seja revisada. “A juíza entendeu que nós precisávamos ter vozes aqui como a da assessoria técnica. Então eu não vejo motivo para que isso seja interrompido agora.” A pastora destaca a capacidade de articulação institucional da ATI junto aos atores do processo. “A assessoria técnica é a nossa voz diretamente lá no Ministério Público, faz a gente ter mais acesso. Então eu acho que vai ser muito válido a juíza rever essa decisão. Vamos fazer tudo para que a assessoria continue aqui no território, porque nós precisamos de pessoas que nos auxiliam, que nos ajudam e nos orientam.”

Por Ellen Barros