Na tarde desta quinta-feira (03), aconteceu a primeira audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, sobre acordo entre Vale, Governo de Minas Gerais e Instituições de Justiça. O evento, realizado de forma virtual, teve como foco a escuta de representantes de atingidos em todas as áreas da Bacia do Paraopeba e do entorno do lago de Três Marias.
Foi ressaltada diversas vezes a necessidade de transparência e participação efetiva das comunidades atingidas nas negociações do acordo. Também foi destacado o não-reconhecimento de diversos atingidos, a falta de cumprimento no fornecimento de água e pagamento do auxílio emergencial, além de problemas graves de saúde causados a partir do rompimento da barragem da Vale.
“Nós não nos sentimos representados neste acordo, nem pelo Governo, nem por Instituições de Justiça. Não vamos permitir que ninguém fale por nós. Nós sabemos o que aconteceu, nós falamos por nós”, disse Eliana Marques, pescadora artesanal e moradora de Cachoeira do Choro (Curvelo). “Que todos atingidos, de Brumadinho à Três Marias, tenhamos acesso a esse acordo, porque não é justo fazer acordo como se nós não existíssemos”, ressaltou.
Nívea Almeida, também moradora de Cachoeira do Choro, mostrou um copo com água marrom que sai da torneira de sua casa, coletada do poço artesiano próximo ao rio. “A Vale fala que pode fazer uso da água. (…) Eu gostaria que o governador de Minas ou alguém da Vale tomasse um copo dessa água”, disse. Ela também questionou o acordo sem transparência e participação desde o início das negociações. “Como confiar em uma empresa, em um Governo, que não olha para as vítimas? Como confiar em um acordo feito fechado em quatro paredes? Como confiar em desembargadores que não vem ver o que estamos vivendo?”, indagou.
Além de representantes das cinco áreas atingidas, também participaram representantes das Assessorias Técnicas Independentes (Instituto Guaicuy, Aedas e Nacab). A coordenadora do Instituto Guaicuy, Carla Wstane, contou sobre os constantes relatos das comunidades de perdas de modos de vida, de postos de trabalho, de acesso à renda e ao lazer. “Como as pessoas vão confiar em uma empresa que é reincidente em rompimentos de barragem? A Justiça tem que entender que as pessoas não confiam na Vale”, disse, lembrando das obrigações judiciais de fornecimento de água, ração e silagem, além do pagamento emergencial, que a mineradora vem descumprindo cotidianamente.
No final da audiência, o deputado federal Rogério Correia afirmou que a comissão irá solicitar imediatamente ao senado prosseguir a votação de três projetos de lei já aprovados na Câmara: Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), tipificação do crime de Ecocídio e alteração no Estatuto de Proteção e Defesa Civil.
A comissão também se comprometeu a enviar ofício ao Tribunal de Justiça solicitando acesso a documentação completa do acordo e que no dia 09 de dezembro (próxima audiência de negociação) não seja fechado o acordo sem conhecimento prévio das pessoas atingidas.
Participaram os deputados Rogério Correia, Áurea Carolina, Júlio Delgado e Padre João.
Desde o final de novembro, uma comissão externa foi formada na Câmara dos Deputados para acompanhar as negociações do acordo. A equipe surgiu após as denúncias sobre a falta de transparência e de participação popular nos trâmites.
Segundo o Plano de Trabalho aprovado pela Comissão, os parlamentares-membros irão se dedicar a tarefas como analisar a documentação do acordo, realizar visitas técnicas (virtuais ou presenciais) aos envolvidos no processo de reparação (como as Instituições de Justiça); consultar especialistas em reparação socioambiental; e ouvir os atingidos e verificar se eles tiveram participação na elaboração do acordo.
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