Tema vem sendo discutido na ALMG desde que estudo da Fiocruz apontou metais pesados em excesso em moradores de Brumadinho
Na última quarta-feira (6), a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou uma audiência pública para debater a saúde das comunidades atingidas pela mineração no estado e, de modo particular, a saúde das comunidades atingidas pelo crime da Vale na calha do Paraopeba.
A discussão a respeito do tema partiu de um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que começou a ser divulgado em 2022, constatando contaminação de pessoas por metais pesados e aumento de questões de saúde mental relacionadas ao crime, no município de Brumadinho. Uma primeira audiência sobre o tema já tinha sido feita no dia 8 de novembro, na Comissão de Saúde, mas sem o convite antecipado à participação das pessoas atingidas.
Desta vez, Joelma Aparecida, moradora do Recanto do Funil (Pompéu), e Lázara Juliana, da comunidade de La Poveda (Felixlândia), estiveram presentes como representantes das pessoas atingidas das Regiões 4 e 5, e participaram da mesa que compôs a audiência. “É uma conquista muito grande pra gente ver que a saúde do povo atingido está sendo levada a sério, mesmo depois de cinco anos. Estamos aqui presenciando o comprometimento da promotora Vanessa, das deputadas e dos deputados em formar uma comissão que possa pensar em soluções, porque desde 2019 estamos vendo as pessoas sofrendo das mais diversas formas com as consequências do rompimento da Vale. São feridas na pele, problemas de saúde mental, insegurança alimentar e muitas outras violências”, comentou Joelma.
Um dos grandes objetivos da reunião era dialogar sobre a possibilidade de se construir uma legislação capaz de adequar o Sistema Único de Saúde (SUS) à realidade das pessoas que são atingidas pela mineração. Durante a abertura, a deputada Bella Gonçalves (PSOL), autora do requerimento para a realização da audiência, explicou um pouco sobre a seriedade do tema. “A gente tem visto uma carência de estudos sobre os impactos da mineração na saúde coletiva. Sempre as mineradoras tentam descredibilizar os estudos feitos dizendo que são inconclusivos. O que leva a gente a reforçar a importância de mais estudos, para que a gente consiga construir argumentos técnicos para mostrar o óbvio: as comunidades atingidas pela mineração estão vivendo um verdadeiro estado de calamidade em saúde pública, no que se refere aos índices de autoextermínio, questões relacionadas à saúde mental e doenças relacionadas à auto-exposição e contaminação aos minerais dos processos minerários”, detalhou. A deputada também reafirmou a importância de que essa legislação seja pensada não só na perspectiva das doenças que surgem a partir do rompimento de uma barragem de minério, mas também no sentido da prevenção destes problemas.
A audiência também contou com a participação de Betão, deputado do PT; Marco Antônio Moreira Cardoso, da Rede Igreja e Mineração; Leonardo Ferreira Reis, do Observatório dos Conflitos e Confluências da Bacia do Rio Doce e das Brigadas Populares; Helga Tabari Gonzaga Teixeira, Subsecretária Municipal de Saúde de Mariana; Abdalah Nacif Melo, Presidente da Associação Comunitária Beira Córrego; Vanessa Campolina Rebello Horta, Promotora de Justiça e Coordenadora Regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde da Macrorregião Sanitária Centro do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG); Joceli Jaison José Andrioli, Dirigente Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Lauro Magalhães Fráguas, Representante do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB); Alexandre Gonçalves, da Comissão Pastoral da Terra; Leice Maria Garcia, Presidente do Observatório Social de Brumadinho; Camila Ribeiro, Gestora Operacional da Aedas; Fernando Baliani da Silva, Diretor de Apoio à Regularização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Marcus Vinícius Polignano, Coordenador do Instituto Guaicuy, edo Projeto Manuelzão; Fernanda Perdigão de Oliveira, do Movimento Paraopeba Participa; Silas de Paulo Teixeira Fialho, da Comissão Parque da Cachoeira; e Michelle Regina Aparecida, Representante da Comunidade Monte Calvário.
Confira o vídeo da audiência na íntegra aqui.
Muitas vozes
As falas durante o evento trouxeram dados que apontam para múltiplos problemas vivenciados pelas pessoas atingidas após o rompimento. Lauro Magalhães, do NACAB, relembrou resultados de levantamentos feitos pela Assessoria Técnica Independente da Região 3 na época das enchentes de 2021, que observaram aumento de dermatite e problemas de saúde mental nas pessoas atingidas.
Marcus Vinícius Polignano, do Instituto Guaicuy, durante sua fala discutiu como um desastre-crime como o rompimento da barragem da Vale é capaz de provocar uma perturbação “absoluta e generalizada no ambiente social e econômico, podendo ser comparada com uma guerra”. Segundo ele, a bomba que a mineração estoura nos territórios não afeta só quem está debaixo dela, mas também muita gente que vive longe do lugar crítico. E essas pessoas não podem ser esquecidas.
Já a promotora Vanessa Campolina aproveitou a oportunidade para resgatar como começou o debate sobre as pessoas atingidas dentro das Comissões de Saúde e de Direitos Humanos da ALMG. De acordo com a promotora, a necessidade de um olhar mais direcionado para o tema surgiu a partir dos estudos da Fiocruz, realizado em Brumadinho e divulgado no final de 2022, que mostravam adultos e crianças com metais pesados no sangue acima do valor de referência. “A partir disso, começamos a discutir com o Ministério da Saúde, com a Secretaria de Estado e Saúde e com a Secretaria Municipal de Saúde de Brumadinho quais seriam as saídas possíveis para este problema. O SUS consegue trabalhar com intoxicação, mas não está organizado para monitorar as pessoas expostas a esses metais, protocolos de fluxo de atendimento ou uma rede própria, uma política própria ou uma rede de atenção à saúde própria para pessoas que foram atingidas pela mineração. Esse foi o ponto de partida da nossa discussão, porque precisamos encontrar essas respostas”, explicou.
Intervenções das pessoas atingidas das Regiões 4 e 5
Quando tiveram direito à fala, Joelma e Lázara Juliana trouxeram aos presentes um pouco do que vivenciam em seus territórios. “Eu vivo em uma região ribeirinha, constituída por pescadores. A atividade foi interrompida por lá, porque ninguém sabe se a água está ou não contaminada pelo rejeito. Se você tira a pesca das pessoas que vivem dela, o que sobra? O sentido da vida some. Muita gente está com depressão, fazendo tratamento para tentar seguir em frente”, desabafa Lázara Juliana. Ela também pontuou a dificuldade que as pessoas atingidas encontram para terem acesso aos serviços de saúde. “Muitas vezes temos que sair de nossas casas e vir aqui para Belo Horizonte para sermos atendidos. Na minha casa, eu e meu filho de seis anos precisamos de cuidados depois do rompimento, por contato com a água”, disse.
Em sua vez, Joelma Aparecida aproveitou a oportunidade para cobrar transparência nos estudos e análises feitos nas áreas atingidas após o fechamento do Acordo de Reparação. “Monitoram toda a área, mas não nos passam os resultados, Como vamos viver num ambiente com essa dúvida do que pode e não pode ser feito? Se posso ou não usar a água do rio, se posso ou não comer um fruto do meu quintal? Temos o direito de saber o que está alterado. Precisamos dessa transparência”, finalizou.
Ao final da audiência, a deputada Bella Gonçalves encaminhou a formação de uma Comissão Extraordinária para a construção de uma Política Estadual de Saúde para as Pessoas Atingidas pela Mineração. A deputada enfatizou que, para que a comissão seja criada, ainda há um caminho a ser percorrido. “É necessário que o tema ganhe ainda mais atenção e relevância por parte de outros parlamentares, e isso será feito com a ajuda das pessoas atingidas, assessorias técnicas independentes e demais movimentos, que irão nos ajudar a mostrar como esse assunto importa”, comentou.
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