O aniversário de cinco anos do rompimento da Vale em Brumadinho faz lembrar, também, que esse não foi o primeiro desastre-crime cometido pela mineração predatória em Minas Gerais. Pouco mais de três anos antes, em 2015, o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, também foi atingido pelo rompimento de uma barragem operada pela Samarco, empresa gerida pela Vale e pela BHP Billiton (da Austrália e Inglaterra).
Por um lado, os dois casos se parecem em pontos como as causas, os atores envolvidos e as formas como os crimes aconteceram, mas, por outro, a condução das ações e políticas de reparação teve grandes diferenças. A instauração das ATIs logo no início do processo coletivo de Brumadinho, ao contrário do que aconteceu no Rio Doce, foi um grande diferencial entre os casos e conquistou a garantia de direitos, como a inclusão de comunidades no Acordo de Reparação, o reconhecimento do atingimento de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs); a adoção de novas formas de comprovação dos danos; e a ampliação do antigo critério territorial; entre outros.
Nos dois casos, foram marcantes as tentativas de acordos individuais diretos entre as pessoas atingidas e as empresas. No Rio Doce, o sistema de indenizações funcionou a partir do Programa de Indenização Negociada (“PIN”) e depois pelo sistema indenizatório simplificado (“Novel”), para os casos de difícil comprovação (trabalhadores informais, pescadores, etc.) — que, após uma série de insuficiências, foi extinto recentemente. No caso do Paraopeba, a Vale negociou, desde o início, indenizações individuais diretamente com as pessoas atingidas, em especial a partir de um Termo de Compromisso da Defensoria Pública (DPMG), de maio de 2019.
“A experiência, na maior parte dos desastres ambientais ao redor do mundo, nos ensina que a melhor forma de garantir a indenização das pessoas atingidas teria sido mediante uma negociação coletiva”, explica o advogado do Instituto Guaicuy Pedro Andrade. “O fato da negociação das indenizações, nos dois casos, ter ocorrido de forma extrajudicial e ter sido pulverizada em acordos individuais gerou dois grandes problemas: em primeiro lugar, reduziu o poder de barganha das pessoas atingidas, que poderia ter sido maior em uma negociação coletiva, e, em segundo lugar, aumentou a interferência das empresas responsáveis pelo crime no processo de reparação”, complementa.
No caso do Paraopeba, na primeira quinzena de dezembro de 2023, uma decisão do juiz Murilo Silvio de Abreu, responsável pelo caso do desastre-crime da Vale, reforçou a importância da luta coletiva no que diz respeito às indenizações individuais. Entre outras ações, foi determinada a instauração de uma perícia judicial, ou seja, controlada pelo próprio juiz, para definir quem tem direito à indenização, quais são os danos que devem ser indenizados, quais os critérios e meios de comprovação e qual o valor de cada uma das indenizações.
O juiz argumentou que essa resolução coletiva, que ele chamou de Matriz de Danos, possibilitaria que os direitos individuais sejam “concretizados de modo efetivo, em tempo razoável e sem sobrecarregar, desnecessariamente, o Poder Judiciário com uma avalanche de ações individuais de liquidação de sentença”.
No início de novembro de 2023, membros da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF) concederam uma coletiva de imprensa para apresentar um balanço sobre a situação das pessoas atingidas pela ruptura da barragem das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton. A ação integrou a campanha “Mariana 8 anos: A reparação na balança das Geraes”, organizada pela CABF e pela Assessoria Técnica Cáritas Regional Minas Gerais.
A frustração e as incertezas sobre o futuro, assim como a falta de penalização judicial e o descaso com as tradições e modos de vida das comunidades no processo de reassentamento foram alguns dos principais pontos levantados pelos representantes que participaram do evento.
No mesmo mês, a Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana da Assembleia Legislativa de Minas Gerais apresentou um relatório de atividades, no qual apontou diversas falhas no processo de reparação, enumerou uma série de recomendações e cobrou medidas para assegurar os direitos das pessoas atingidas.
“Passados oito anos, observam-se, ainda, graves danos não reparados, inclusive em razão de atrasos na execução ou mesmo descumprimentos de acordos de reparação, o que resultou em grande insatisfação da sociedade mineira, em especial dos atingidos, com esse processo. Constata-se, infelizmente, que o modelo reparatório pactuado em 2016 não funcionou e que pouco foi feito pela recuperação do Rio Doce e pelo retorno à normalidade das vidas das pessoas atingidas, notadamente no território do nosso Estado”, aponta o texto do relator Ulysses Gomes (PT).
Mesmo com as diferenças no processo de reparação e com as particularidades de cada território, existem pontos que ligam a realidade das pessoas atingidas por esses dois desastres-crimes. Seja nas questões práticas, como os entraves burocráticos para a participação popular e os descumprimentos de acordos, ou de forma mais ampla, na própria maneira como um crime dessa magnitude atravessa e revira a vida de quem é atingido.
De acordo com o diretor do Instituto Guaicuy, Marcus Vinícius Polignano, a demora nos processos de reparação é um ponto em comum entre os dois cenários, e ela não ocorre por acaso. “Existe, de uma forma geral, um primeiro movimento quando o fato acontece. Quanto mais você vai se afastando do evento, mais a questão vai perdendo foco da mídia, da sociedade e até da própria Justiça. É exatamente nisso que as empresas investem, nessa prorrogação para desgastar, enfraquecer a luta das pessoas atingidas. E, com esse enfraquecimento, propor cada vez menos reparação, e com valores mais baixos”, analisa.
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