Em um momento de grande celebração, a Comunidade Quilombola Saco Barreiro, de Pompéu (MG), lançou seu Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada no sábado (3). Com o Protocolo construído de maneira coletiva, os quilombolas definiram de que forma querem ser consultados por atores externos em casos de ações, projetos, empreendimentos e/ou quaisquer medidas que afetem seus territórios e modos de vida.
Clique aqui para baixar o Protocolo de Consulta
“Se a gente pegar um palitinho de fósforo, um só, ele quebra. Se a gente juntar cinco ou seis, a gente não dá conta de quebrar eles. Aí é porque uniu forças das pessoas”, comenta Wilton de Almeida, do Saco Barreiro, sobre a importância da construção coletiva do Protocolo.
A avaliação é compartilhada por Carla de Almeida Ramos, também da comunidade. “Em cada reunião que o Guaicuy fazia reunia os membros. O pessoal vinha, sentava, conversava. E aí esse Protocolo foi elaborado junto à comunidade. Tudo que está ali foi elaborado com todos. Não é a minha palavra, é a de todos. Todos aqui falaram um pouquinho, deram opinião”, afirma.
O Guaicuy auxiliou a comunidade nos últimos meses a construir o Protocolo de Consulta. O Quilombo Saco Barreiro é uma das comunidades de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) que foram atingidos pelo desastre-crime da Vale de 2019 e que conta com o trabalho de Assessoria Técnica Independente (ATI) do Instituto.
O evento foi todo organizado pela própria comunidade. A mesa foi composta pelos membros da Irmandade, a instância máxima em representatividade e autoridade da comunidade, composta pelas pessoas mais velhas da comunidade e que funciona como um dos principais mecanismos de consulta do Protocolo. Os moradores trouxeram, para a festa, produtos e materiais que representam o Quilombo Saco Barreiro e a memória do povo, como é o caso do antigo pilão, do milho e pimenta local, da farinha de mandioca e do café.
Muitas crianças, que também contribuíram para a produção do Protocolo, estiveram presentes no lançamento. Na ocasião, elas produziram um mapa com locais que consideram importantes no Quilombo, por meio da metodologia da cartografia social.
“A noite foi muito importante pra minha comunidade. Porque hoje, graças ao Guaicuy, foi a entrega do Protocolo de Consulta. É muito importante pra comunidade pra gente saber que a gente tem direitos. Eu gostaria de agradecer muito o Guaicuy por ter nos ajudado a conquistar esses direitos que a gente não sabia que a gente tinha”, avalia Carla de Almeida Ramos.
Clique aqui para ver as fotos do lançamento
“O Protocolo é um instrumento de defesa dos direitos quilombolas dessa comunidade. Saco Barreiro construiu seu Protocolo a partir de inúmeras reuniões, que aconteceram no decorrer do último ano. O Protocolo, além de contar um pouco da história da comunidade, também possibilita que eles dialoguem com outros atores caso isso seja necessário, e indica como esse diálogo deve ser feito”, conta Caroline Mendonça, supervisora do Guaicuy na Região 4 (municípios de Curvelo e Pompéu).
“O lançamento foi muito importante, além de um festejo, foi uma cerimônia de celebração, reuniu toda a comunidade, os parentes e amigos mais próximos. Foi um momento de solenidade e também de conquista e de unidade. A comunidade pode, a partir do Protocolo, garantir de forma enfática seu direito à consulta livre, prévia e informada, conforme trata a legislação e a Convenção 169 da OIT”, comenta Pedro Aguiar, especialista do Guaicuy em Organização Social.
Ele é um instrumento de orientação fruto de um histórico de luta em defesa dos direitos dos PCTs, que garante às comunidades tradicionais e povos indígenas o direito de serem consultados antes que qualquer ação (administrativa, legislativa ou de qualquer ordem) possa afetar seus direitos ou territórios. Trata-se de um documento normativo, feito pela própria comunidade, que define a forma e as condições na qual eles devem ser consultados, e traz em seu conteúdo um resumo de como ela se organiza, como é sua história, cultura e costumes.
O poder público e as organizações, mesmo privadas, que desejarem ingressar nos territórios, ou que forem apresentar projetos e ações que impactam povos e comunidades tradicionais, devem seguir o Protocolo de Consulta. O objetivo do Protocolo, portanto, é garantir que a organização social da comunidade seja respeitada e, assim, que a comunidade possa expressar a sua vontade.
O Protocolo orienta como será estabelecida a relação entre a comunidade e a organização que busca ser inserida em determinada localidade, incluindo os limites dessa interação. Ele é um direito assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e vigente no Brasil desde o ano de 2004, quando foi promulgado e ganhou força de lei.
A Consulta é feita exclusivamente com os membros das comunidades. Isso porque são os próprios moradores que têm voz ativa para definirem as regras e disposições referentes ao que permitem que aconteçam em seus territórios e, inclusive, com si mesmos.
E, para isso, existem quatro elementos que devem existir na construção do Protocolo de Consulta. Primeiro, a consulta deve ser PRÉVIA, isto é, realizada antes do projeto ou ator externo iniciar suas atividades. Também precisa ser INFORMADA, já que a organização que pretende se inserir na comunidade deve apresentar uma proposta de linguagem acessível, evitando qualquer dúvida e garantindo que o projeto foi compreendido pelos moradores.
Ao mesmo tempo, deve ser LIVRE, uma vez que a comunidade precisa participar da consulta de forma espontânea e voluntária, sem pressão externa ou assédio. Por fim, a consulta deve ser de BOA-FÉ, ou seja, a organização que dialoga com a comunidade não pode esconder nenhuma informação.
Imagens de Daniela Paoliello-Guaicuy
O que você achou deste conteúdo?