Em janeiro deste ano, o Guaicuy divulgou resumos dos resultados de seis dos subprojetos com a temática do meio ambiente realizados pelo Comitê Técnico Científico (CTC) da UFMG. Veja agora informações sobre os subprojetos relacionados à saúde da população.
Relembrando que o CTC é o órgão responsável pelas perícias judiciais. Em cada nova leva de publicação são apresentados os resultados científicos e independentes, que poderão apoiar as decisões do Juiz no processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos da Vale, em 2019, às comunidades atingidas.
Veja aqui os resultados divulgados em outubro de 2022
No total, foram 67 subprojetos estabelecidos pelo Juiz, dos quais 15 já tiveram suas pesquisas finalizadas pelo CTC/UFMG e publicadas nos autos dos processos judiciais. Dois deles, os subprojetos 38 e 37, estão relacionados ao tema saúde da população.
Nesses dois subprojetos, foram considerados como diretamente atingidos apenas os 19 municípios incluídos no termo de cooperação técnica com a UFMG: Brumadinho, Betim, Curvelo, Esmeraldas, Florestal, Fortuna de Minas, Igarapé, Juatuba, Maravilhas, Mário Campos, Martinho Campos, Papagaios, Pará de Minas, Paraopeba, Pequi, Pompéu, São Joaquim de Bicas, São José da Varginha e Sarzedo.
Esse estudo utilizou dados do Sistema de Informação para a Atenção Básica (SISAB), do Ministério da Saúde. Nesse sistema, são registrados dados de consultas médicas, de enfermagem e de outros profissionais, bem como os atendimentos odontológicos, realizados nos serviços de atenção básica, que são representados, principalmente, pelas Unidades de Saúde da Família (USF) ou Unidades Básicas de Saúde (UBS), conhecidas popularmente como “postos de saúde”. Os dados incluídos nesta pesquisa foram os registrados no período de janeiro de 2016 a dezembro de 2019, nos 19 municípios atingidos considerados nesta pesquisa.
Foram analisados os problemas de saúde que os pacientes informaram durante as consultas, os diagnósticos dados pelos profissionais e as condutas que eles tomaram (por exemplo, dar alta ou encaminhar para outro profissional) e se o atendimento foi agendado ou teve caráter de urgência. Além disso, a perícia analisou a utilização dos serviços de saúde para questões como promoção à saúde, cuidados à saúde da mulher, rastreamento de câncer e reabilitação da saúde.
Foram comparadas as informações somente do ano do rompimento, 2019, em cada município, com a situação antes do rompimento, ou seja de 2016 a 2018. Também foram comparados os dados de 2019, de cada município atingido, com os dados de outros municípios de Minas Gerais que não foram atingidos pelo rompimento, chamados de “município controle”.
Os resultados mostraram que os 19 municípios experimentaram impactos à saúde em diversas intensidades em pelo menos um dos conjuntos de dados estudados, em 2019, ano do rompimento da barragem. Brumadinho foi o que mais apresentou aumento nos registros de atendimentos da atenção básica quando comparado com o período anterior ao rompimento ou com o município controle. Nos municípios das regiões 4 e 5 que foram incluídos na pesquisa (Curvelo, Pompéu e Martinho Campos), os aumentos foram observados nos registros da atenção básica, destacados no quadro abaixo:
Curvelo | Pompéu | Martinho Campos | |
Problemas que os pacientes informaram durante as consultas | Dengue; Desnutrição; Obesidade; Tabagismo | Saúde mental; Dengue; Desnutrição; Infecções sexualmente transmissíveis | Desnutrição; Infecções sexualmente transmissíveis |
Vigilância de saúde bucal | Alteração de tecidos moles; Abcesso dentoalveolar | Dor de dente; Alterações de tecidos moles; Abcesso dentoalveolar; Traumatismo dentoalveolar | |
Diagnósticos dados pelos profissionais nos atendimentos individuais | Doenças infecciosas; Doenças do sistema nervoso; Doenças dos sistemas digestivos; Doenças de pele; Doenças respiratórias | Doenças de pele | Doenças endócrinas; Doenças circulatórias; Doenças geniturinárias |
Condutas dos profissionais nos atendimentos individuais | Alta; Retorno; Encaminhamento interno; Encaminhamento para Rede de Atenção à Saúde | Alta; Encaminhamento interno | Alta |
Condutas dos profissionais nos atendimentos odontológicos | Encaminhamento no próprio serviço | Alta do episodio | Encaminhamento no próprio serviço; Tratamento concluído; Alta do episódio |
Utilização dos serviços devido algumas condições de promoção à saúde, cuidados e atenção à saúde da mulher, rastreamentos e reabilitação | Acompanhamento de crianças e adolescentes; Rastreamento de risco cardiovascular; Pré-natal |
Acompanhamento de crianças e adolescentes; Puerpério; Rastreamento de câncer de mama, câncer de colo do útero e risco cardiovascular; Saúde sexual e reprodutiva | Puerpério |
Utilização de serviços por tipo de demanda por atendimento individual | Demanda espontânea urgente; Consulta agendada | Demanda espontânea urgente | |
Utilização de serviços por tipo de demanda por atendimento odontológico | Consulta de retorno ou de manutenção | Primeira consulta | Primeira consulta |
Este Subprojeto teve como objetivo principal avaliar se houve diferença nas taxas de mortalidade, taxas de internação hospitalar e taxas de notificação de doenças ou agravos específicos nos períodos pré e pós-rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão em municípios do Estado de Minas Gerais.
O estudo abrangeu uma região de 100 municípios, divididos em 3 grupos. O primeiro grupo compreende os 19 municípios citados no início desse texto considerados diretamente atingidos na época da assinatura do termo de cooperação técnica com a UFMG. Os outros 81 municípios vizinhos foram organizados em dois grupos controle (vizinhos de 1ª ordem e de 2ª ordem). Dentre os municípios das regiões 4 e 5, Curvelo, Pompéu, Martinho Campos foram considerados diretamente atingidos; Abaeté, Paineiras, Morada Nova de Minas e Felixlândia foram considerados vizinhos de 1ª ordem; Biquinha e São Gonçalo do Abaeté, vizinhos de 2ª ordem. O município de Três Marias não foi incluído no estudo.
Essa perícia do CTC utilizou dados dos sistemas de informação do SUS sobre mortalidade, internação hospitalar e doenças e agravos que são obrigatoriamente registrados. Os resultados indicaram que não houve aumento para a mortalidade geral, nem para o total de causas naturais e causas externas de morte no ano pós-rompimento. Entretanto, houve aumento no ano pós-rompimento da mortalidade por: doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas; transtornos mentais e comportamentais; doenças do aparelho circulatório; doenças do aparelho respiratório; doenças da pele e do tecido subcutâneo; doenças do aparelho geniturinário; algumas doenças infecciosas e parasitárias; causas externas como acidentes de transporte, agressões e eventos cuja a intenção é indeterminada.
Não foi detectado aumento nas internações hospitalares em relação a todas as causas, ou mesmo nas causas naturais, mas houve um aumento nas internações nos seguintes diagnósticos: lesões; envenenamentos e outras consequências de causas externas; e doenças do Aparelho Geniturinário. Foi detectado, ainda, aumento nas internações por dengue e leishmaniose tegumentar americana. Por fim, a análise de dados das notificações obrigatórias identificou um aumento para a notificação de dengue, malária e tuberculose. Ressalta-se que esses resultados variaram entre os municípios.
Nos dois subprojetos relacionados à saúde da população, foi utilizada uma metodologia chamada “estudo ecológico”. O problema ocorre pois, nesse tipo de estudo, os resultados apresentados não podem ser interpretados como causa e efeito. Ou seja, a partir dessa metodologia, não é possível afirmar que os aumentos foram provocados pelo rompimento.
Além disso, essas análises do CTC não contemplaram todos os danos à saúde que podem ocorrer após o rompimento, pois incluíram apenas aqueles que foram registrados no SUS. Nesse sentido, é importante notar que nem todos os danos são registrados no SUS e que muitas pessoas têm dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Assim é possível que os dados registrados tenham sido menores do que a quantidade de pessoas que realmente adoeceram.
Por fim, percebe-se uma série insuficiências desses estudos, tais como: a) o pouco tempo de análise no pós rompimento (uma vez que as análises foram feitas só em 2019), o que pode dificultar a identificação de aumento de algumas doenças; b) os subprojetos não apresentaram resultados considerando a cor da pele e a situação de trabalho das pessoas como era inicialmente proposto; c) ademais, outro ponto de atenção é que entre os municípios da Região 5, apenas Martinho Campos foi considerado diretamente atingido.
Nas próximas semanas, o Instituto Guaicuy irá publicar resumo dos resultados dos subprojetos relacionados à área da Socioeconomia (incluindo o projeto sobre o impacto do rompimento nos serviços de saúde).
Outras pesquisas dos temas Meio Ambiente, Saúde e Socioeconomia ainda estão sendo realizadas pela UFMG ou avaliadas pelo juízo. Conforme os subprojetos forem sendo liberados no processo judicial, o Instituto Guaicuy realizará as análises e a comunicação dos seus resultados para as pessoas atingidas..
Para saber mais, acesse:
Quem é quem no processo de reparação
Resultado parcial de perícias da UFMG sobre danos causados pelo rompimento da barragem da Vale
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