O desembargador André Leite Praça votou contra o recurso da Vale que pediu para que as perícias realizadas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sejam excluídas do processo ou mantidas em sigilo e que as Assessorias Técnicas Independentes (ATI) tenham seu financiamento restrito ao teto definido no Acordo Judicial de Reparação. O julgamento na segunda instância do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ainda não acabou e não tem data prevista para continuar. Faltam os votos de dois desembargadores.
O julgamento do recurso da Vale foi realizado de maneira híbrida (presencial e virtual) pela 19ª Câmara Cível do TJMG, em Belo Horizonte, na tarde do dia 8 de agosto. Antes do relator ler seu voto, o advogado da Vale defendeu novamente que partes da decisão do juiz de primeira instância, Murilo Silvio de Abreu, sejam declaradas nulas. A defesa da mineradora repetiu os argumentos já apresentados anteriormente.
Por outro lado, a procuradora Gisela Potério Santos Saldanha, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), defendeu a manutenção da decisão de primeira instância. O MPMG é uma das Instituições de Justiça (IJs) que representa as pessoas atingidas no processo que busca a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale.
Após o voto do relator André Leite Praça, era a vez do Juiz convocado Marcus Mendes do Valle se manifestar. Ele, porém, pediu vistas – o que significa, na prática, que terá mais tempo para estudar o caso e decidir como se manifestar. O presidente da sessão, desembargador Carlos Henrique Perpétuo Braga, que será o terceiro a votar, tampouco decidiu se manifestar, preferindo esperar a decisão do colega. Não há previsão para quando a sessão será retomada e o julgamento finalizado.
É importante lembrar que o recurso da Vale que está em julgamento na segunda instância não diz respeito às indenizações individuais. Outro recurso da mineradora sobre as indenizações ainda será julgado pela mesma turma do TJMG.
Do lado de fora do TJMG, cerca de 50 pessoas atingidas pela Vale se reuniram para realizar uma manifestação contra o recurso da mineradora e por mais rapidez no processo de reparação dos danos. O ato foi organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e foi, inclusive, citado pelo desembargador André Leite Praça durante a leitura do seu voto. Para ele, a manifestação demonstra a relevância do caso para a sociedade mineira e brasileira e lembra a todos que rompimentos como esse não podem mais acontecer.
Resumimos abaixo os principais argumentos levantados pelo desembargador André Leite Praça em seu voto.
Um dos principais argumentos da Vale contra a decisão de primeira instância é que ela iria contra o que foi definido no Acordo Judicial de Reparação, firmado entre a mineradora e o Poder Público em fevereiro de 2021 para resolver os danos coletivos e difusos causados pelo rompimento. Para Leite Praça, essa tese “não encontra amparo nos autos”, ou seja, não se justifica, uma vez que o próprio Acordo não se propõe a esgotar todas as questões relativas à reparação.
Leite Praça não vê razão no pedido da Vale para que o financiamento das ATIs seja restrito ao teto definido no Acordo Judicial de Reparação (R$700 milhões para estruturas de apoio, incluindo as assessorias). Para o desembargador, é explícito que as ATIs realizam dois tipos de atividades distintas: as de acompanhamento do Acordo e as de acompanhamento do Processo. Isso se mostra, por exemplo, na apresentação dos Planos de Trabalho do Processo e se faz necessário para maior participação e defesa dos direitos das pessoas atingidas e para garantir paridade de armas entre as pessoas atingidas e a Vale.
Concordando com a decisão de primeira instância, o desembargador definiu que as atividades das ATIs de acompanhamento do processo (fora do Acordo) incluem, por exemplo, as questões de indenização individual, de medidas emergenciais (fornecimento de água e ração) e relativas aos Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE).
Para o desembargador, confirmando o entendimento de primeira instância, houve sobreposição das atividades das ATIs de acompanhamento do Acordo e de acompanhamento do processo até a apresentação dos Planos de Trabalho do Processo pelas assessorias, em março de 2023. Assim, apenas após essa data é que a fonte de financiamento das atividades deve ser uma distinta do Acordo. Este recorte temporal dá segurança à própria Vale e traz garantia de transparência e conformidade ao Acordo
No único ponto em que discordou da decisão da primeira instância, Leite Praça considerou que a divisão dos recursos das ATIs entre 70% para atividades do Acordo e 30% para atividades do processo deve ser ajustada. Para o desembargador, o financiamento das atividades das ATIs de acompanhamento do processo devem seguir os respectivos Planos de Trabalho, e não uma divisão percentual estimada antes da apresentação dos Planos de Trabalho mais recentes.
Leite Praça lembrou em seu voto que existem leis que garantem o direito das pessoas atingidas à ATI enquanto durar o processo de reparação. São elas, a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2023 – Lei Federal Nº 14.755/2023 – e a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB) – Lei Estadual nº 23.795/2021.
Segundo Leite Praça, as perícias realizadas pelo Comitê Técnico Científico (CTC) da UFMG possuem relevância científica e interesse social e, por isso, não podem ser excluídas do processo como solicita a mineradora. As perícias podem, inclusive, ser utilizadas nos demais estudos sobre danos que estão em andamento, como é o caso dos ERSHRE. Para o desembargador, as pesquisas têm que ser publicizadas, buscando a maior transparência possível.
Quanto ao pedido da Vale para que os Estudos de Risco sejam tratados apenas como parte do Acordo Judicial de Reparação, o desembargador também entendeu que ele não se sustenta. Para Leite Praça, a polêmica do caso é o custeio pela Vale dos Estudos e o seu acompanhamento pelas ATIs. As assessorias, segundo ele, acompanham os Estudos pelo processo e não pelo Acordo. Limitar os Estudos ao Acordo pode comprometer a finalidade deles.
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