Instituto Guaicuy

Dia Mundial da Saúde: “Saúde não se compra na farmácia”

7 de abril, 2021, por Comunicação Guaicuy

Neste Dia Mundial da Saúde, membro da diretoria executiva do Instituto Guaicuy, o médico Marcus Vinícius Polignano, fala sobre a importância de uma visão sistêmica sobre o tema

Marcus Vinicius Polignano reflete sobre a saúde como direito essencial e

Anualmente, 7 de Abril é a data em que se celebra, em todo o mundo, o Dia Mundial da Saúde. Em tempos de pandemia, o tema ganha ainda mais centralidade. Neste entrevista, o integrante da diretoria executiva do Instituto Guaicuy, coordenador geral do Projeto Manuelzão e médico, Marcus Vinícius Polignano, alerta para a importância de um olhar ampliado para a saúde e da relevância do conhecimento científico como arma para enfrentar os desafios atuais. Confira a entrevista completa:

Instituto Guaicuy: Que perspectivas e reflexões a pandemia traz para o entendimento social da saúde?

Marcus Vinícius Polignano: Hoje é o Dia Mundial da Saúde. Essa data é uma referência em função da criação da Organização Mundial da Saúde (OMS), neste dia, em 1948. A ideia é colocar essa questão da saúde como uma questão vital, de Direitos Humanos, em todo o planeta. Isso é muito importante para que a humanidade toda entenda que a saúde é um direito fundamental de cidadania e que todos os países e governos têm a obrigação de garantir essa saúde para todos.

Neste dia de hoje essa data se reveste de mais significado ainda em função do que a humanidade está passando, nós estamos em uma pandemia que já vai para mais de dois anos, em função do novo coronavírus. O que evidencia esse descuido geral com a saúde coletiva. É uma data para a gente refletir muito. Todos nós estamos em busca desse bem maior, mas temos assistido índices cada vez maiores de pessoas acometidas, doentes e, infelizmente, de óbitos. 

Fica claro que não estávamos e não estamos preparados para garantir essa saúde coletiva. Se é um problema para países ricos, imagina para países mais pobres, como os africanos, e mesmo para o Brasil. Uma população mais fragilizada do ponto de vista social, econômico e ambiental se torna muito mais suscetível à doença.

Uma lição que a gente, do Guaicuy, traz do Projeto Manuelzão é que a saúde é um atributo de sociedade. Ela é fruto da qualidade ambiental, da qualidade de vida e da cidadania. Portanto, cabe ao Estado garantir essa cidadania. 

G: Às vezes Meio Ambiente e Saúde podem parecer temas desconexos entre si. Como você enxerga a relação entre esses dois temas?

MVP: A gente tem que entender que a saúde é fruto de relações complexas. Nós vivemos dentro de ecossistemas, urbanos ou não, como zonas rurais, florestas e matas. A gente tem que estabelecer um equilíbrio saudável. Temos que ter tratamento de esgoto, coleta e tratamento do lixo de forma adequada, combate a vetores causadores de doenças etc. Isso faz parte de políticas públicas essenciais. 

O grande problema que estamos tendo agora é o descuido com os ambientes naturais. À medida que vamos destruindo ecossistemas naturais, a gente vai propiciando a migração tanto de vetores e agentes que podem provocar doenças. 

O novo coronavírus é um bom exemplo. Ele não era uma doença humana, estava presente em algumas espécies animais na China. Por algum motivo que a gente ainda não conhece e um contato e exposição nesses territórios a doença acabou chegando a populações humanas e chegamos a esse cenário trágico mundial. Todo equilíbrio ambiental é crítico pois pode trazer consequências graves. Por isso, precisamos ter um ambiente equilibrado. 

O coronavírus veio nos mostrar que não somos superiores, que não estamos com essa bola toda. Pelo contrário, basta algo assim, que a gente nem vê, para provocar uma devastação desta monta a nível mundial. Isso diz da fragilidade do sistema que a gente tem. Se a gente desequilibrar o ambiente, como a mudança climática, estamos favorecendo a proliferação de vetores, como de dengue, febre amarela etc.

A gente não vive isolado neste planeta. Todos os ambientes estão relacionados. Temos que ter uma outra atitude, do ponto de vista social e ambiental, para garantir a saúde de todos. Eu sempre digo: saúde a gente não compra na farmácia. Não é a medicação que vai nos dar saúde, ela remedia problemas. Mas a saúde é um atributo coletivo. 

G: Nos períodos em que o isolamento social foi cumprido de maneira mais intensa, o mundo inteiro percebeu a diminuição da pressão industrial sobre o meio ambiente com, por exemplo, melhoras nas taxas de poluição. Isso mostra que é possível que a sociedade seja estruturada de uma forma menos prejudicial ao meio ambiente?

MVP: A degradação ambiental e a degradação da saúde coletiva é fruto da ação humana. Não existe outro elemento mais significativo do que a ação humana como provocadora como alterações ambientais, sociais e, consequentemente, refletindo na saúde coletiva. 

Quando houve, por conta da pandemia, uma redução da atividade econômica, a gente teve melhora de qualidade de rios pela paralisação de atividades industriais e comerciais. A qualidade do ar, em função da diminuição do trânsito e da queima de combustíveis fósseis também foi percebida. Isso tudo demonstra como a ação humana tem sido nociva para o ambiente e para a saúde coletiva. 

Um mundo diferente é possível. Depois desta pandemia a gente vai ter que refletir sobre que caminhos vamos seguir. Temos a possibilidade de ter um equilíbrio maior com o meio ambiente. Embora, por outro lado, a gente assiste a ganância avançando. Então, temos muitos processos de licenciamento ambientais, minerários, correndo a mil, se aproveitando dessa situação caótica.

Se, de um lado, há ganhos com a diminuição das atividades, de outro, há aproveitamento da pandemia, do distanciamento social e a dificuldade da participação social como elemento para incrementar outras atividades degradadoras e poluidoras extremamente impactantes. O ser humano ainda tem que aprender mais lições.

G: Sob esse aspecto, o que a sociedade tem a aprender com a pandemia do coronavírus?

MVP: Quero ser solidário a todos aqueles que perderam entes queridos nesta pandemia e eu, infelizmente, me incluo entre essas pessoas. Muito poderia ter sido evitado. Primeiro, se a gente tivesse tido um compromisso maior em garantir políticas públicas para contenção e controle da pandemia, se a gente tivesse uma gestão melhor, uma centralização das ações do governo. Também, se a gente tivesse conseguido ter as vacinas a tempo e à hora nas comunidades, evitando que a pandemia estivesse fora de controle, como nós estamos vendo hoje.

Falta muito para a gente garantir a saúde verdadeiramente como um direito de cidadania. A gente sente isso todos os dias. Essa é uma luta de toda a sociedade. Os governos sempre dizem que saúde é uma prioridade, mas a prática é muito distante do discurso. Nós precisamos avançar muito mais para que isso realmente seja um direito de todos.

G: Qual é o papel do Guaicuy na defesa da saúde coletiva?

MVP: O Guaicuy luta pela abordagem sistêmica da saúde. Ele surge do Projeto Manuelzão, da UFMG, com essa ideia de que a saúde tem a ver com a qualidade de vida e a qualidade ambiental. A partir desse momento, a gente começa a atuar no sentido tanto da prevenção quanto da promoção da saúde coletiva, através de uma visão ecossistêmica de bacia hidrográfica. 

A água espelha o que está sendo feito de política pública que está acontecendo. Porque, se você não trata o esgoto ele vai pra dentro do rio. Se você polui um rio, como aconteceu nos casos do Doce e do Paraopeba, com rompimento de barragens, você destroi o ecossistema, a vida das pessoas. Então não tem como pensar que há saúde em um ambiente devastado e destruído. 

O Guaicuy tem tentado colocar para todos, desde os atingidos por esses processos quanto para a sociedade no geral, o quanto que essa destruição provoca na qualidade de vida e na saúde das pessoas. Hoje assessoramos comunidades lutando por coisas básicas, como o acesso à água. Sem água você não faz nada! 

Só para dar um exemplificar, agora estamos em um enfrentamento pela preservação da Serra do Curral. Que é um patrimônio histórico, geológico, ambiental, cultural, hídrico da capital do estado. Isso não deveria estar nem sendo discutido! Inclusive, essa serra é uma proteção para a capital no sentido de uma barreira física natural para a qualidade do ar e ambiental de Belo Horizonte. Destruir algo tão emblemático é de uma sociedade que não tem compromisso com as próximas gerações.

Então, evidentemente, esta não é uma sociedade saudável. Esta não é uma sociedade que tem um futuro sustentável. O Guaicuy está lutando para que novas ameaças não aconteçam, que o Estado assuma seu papel de coordenar políticas públicas de criação de ambientes saudáveis

Saúde não é só médico, não é só remédio, é preciso ampliar o olhar. Temos que ter a garantia que as pessoas vão ter qualidade ambiental, do ar, da água, o acesso a saneamento básico e tratamento de esgoto garantido para todos. Só assim poderemos pensar em uma cidadania verdadeira para cada um e cada uma. Não devemos buscar garantir só o necessário para esta geração, mas também para as gerações futuras. 

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