Em um mundo assolado por grandes corporações em busca de lucro incessante e desumanização da vida, traçamos um caminho diferente. A nossa história é baseada em uma trajetória em que muitas pessoas e causas se reúnem em um imaginário de cidades e rios possíveis.
O Manuelzão é um projeto de extensão da Faculdade de Medicina da UFMG que visa a promoção da saúde, a educação e a cidadania. Para tanto, nos organizamos, desde 1997, em busca de fixar imaginários que provoquem nas instituições as articulações necessárias para que se promova tal entendimento. Buscamos ter o rio como indicador da qualidade da vida no intuito de aproximar pessoas, entidades sociais, governamentais e aquelas com fins econômicos, na direção do que se compreende como a promoção de uma saúde socioambiental.
Em 2000 criamos o Instituto Guaicuy, uma entidade não governamental sem fins lucrativos, associativa, cultural e técnico-científica. Assim, pudemos sair dos muros universitários e compor diversos (27 atualmente) conselhos de políticas socioambientais, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), no qual estamos há mais de vinte anos debatendo e propondo a nossa visão de mundo.
Em 2015, logo após o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, Vale e BHP, no córrego Fundão em Mariana, que assolou toda a bacia do Rio Doce, nos colocamos frente à luta para impedir que desastres como esse se repetissem e, junto a outras entidades, articulamos o pedido do projeto de lei “Mar de lama nunca mais”. No entanto, apenas em 2019, após outro rompimento de barragem da mineradora Vale, que vitimou 272 pessoas, é que foi instituída a Política Estadual de Segurança de Barragens em Minas Gerais.
Com o desastre-crime em janeiro de 2019, que rompeu as duas barragens de rejeito no córrego do Feijão em Brumadinho e assolou toda a bacia do Rio Paraopeba, o Instituto Guaicuy foi ELEITO pelas pessoas atingidas do Baixo Paraopeba, Represa de Três Marias e comunidades atingidas do Rio São Francisco, para ser Assessoria Técnica Independente (ATI). A ATI é um direito conquistado pelas Políticas Estadual e Nacional de Atingidas por Barragens (PEAB e PNAB). O trabalho iniciado em plena pandemia da Covid-19 busca assessorar e garantir a participação informada das pessoas atingidas que residem em comunidades localizadas a mais de 300 km do epicentro do desastre e que tiveram suas vidas completamente afetadas.
Em 2021 também fomos ELEITOS pela população do distrito de Antônio Pereira como ATI no âmbito do acionamento do Plano de Ações Emergenciais para Barragens da Mineração (PAEBM), da Vale, após elevação do risco da estrutura da Barragem Doutor.
De lá pra cá o Instituto Guaicuy, há mais de vinte anos com recursos escassos, buscou se estruturar da melhor maneira possível em um árduo processo organizacional, com implantação de fluxos e procedimentos, contratação de equipe multidisciplinar, estabelecimento de uma política exaustiva de prestação de contas, avaliação e monitoramento. Essa experiência nos trouxe até aqui. No entanto, a constante disputa contra as mineradoras pelos conceitos de pessoa atingida, território atingido e sobre a própria ideia de Assessoria Técnica Independente nos leva a enfrentar desafios de todas as ordens, como insegurança jurídica, preconceito com o trabalho realizado, desafios com logística e com a própria formação e treinamento de equipe.
Após quase cinco anos de trabalho realizado, passamos a refletir sobre qual poderá ser o legado deixado pelo Instituto Guaicuy enquanto Assessoria Técnica.
Compreendemos, sobretudo, a importância da ressignificação dos sujeitos atingidos enquanto detentores de seus direitos, principalmente o direito a uma participação popular que pressuponha autonomia enquanto experiência para decidir sobre suas próprias vidas. Nesse sentido, o fornecimento de informação com qualidade, técnica e em linguagem acessível, por parte da Assessoria, pode servir como instrumento seguro para garantia das suas escolhas. Além disso, a produção de estudos e a promoção da auto-organização social são enfoques verdadeiramente necessários nessa seara.
O Instituto Guaicuy não mede esforços para incentivar a auto-organização comunitária, as trocas de saberes, a formação sobre direitos humanos, e principalmente, em um contexto de disputa de narrativas, a produção e a visibilidade da memória. Tivemos a oportunidade de produzir diversos materiais com as pessoas atingidas, mas talvez o mais significativo tenha sido a vasta produção audiovisual com o protagonismo das vivências dessas pessoas, compreendendo, como Ailton Krenak, que a “memória é a consciência crítica”. Essa narrativas contra-hegemônicas ficarão para a posteridade.
Nessa direção, para nós é fundamental sempre recorrer ao DNA do Projeto Manuelzão, que possui a promoção da saúde, a articulação intersetorial e a troca de saberes como marco embrionário para pensar nas ações futuras.
Este editorial faz parte da newsletter Notícias do Guaicuy, em que divulgamos nossas iniciativas pela justiça socioambiental e as principais notícias dos projetos de Assessoria Técnica Independente em que acompanhamos as pessoas atingidas por mineração. Assine para receber esse conteúdo diretamente no seu e-mail:
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