A cidade de Belo Horizonte, mas também diversas outras cidades brasileiras, áreas protegidas e até a floresta amazônica têm passado por um dos seus piores períodos de seca, principalmente devido ao altíssimo número de queimadas por todo país, que piora a qualidade do ar, com a umidade já tão baixa devido à falta de chuvas. Cada vez mais viveremos eventos climáticos extremos como enchentes, deslizamentos, ciclones extratropicais, estiagem, seca, ondas de frio e ondas de calor.
Saímos de um período de enchentes como nunca visto no Rio Grande do Sul e transitamos para uma seca que assola praticamente todo o país — o que podemos chamar verdadeiramente de uma emergência climática, associada a incêndios e rios secos. Dessa forma, a questão ambiental passou a fazer parte dos assuntos da grande mídia ou da mesa de jantar. Mas as mudanças climáticas, hoje chamadas de emergência climática, são discutidas por pesquisadores, cientistas e pela sociedade civil organizada, como o Instituto Guaicuy/Projeto Manuelzão, há muitos anos.
O próprio Projeto Manuelzão quando propõe, na década de 1990, o rio como indicador da qualidade da vida, e passa a discutir, educar, aprender, pesquisar, trocar e organizar pessoas e instituições em torno dos cursos d’água e de relações mais harmônicas nas áreas urbanas que construímos, já previa que se as cidades continuassem a sacrificar seus rios, suas serras e suas áreas verdes em prol do modo de vida predatório que estamos sustentando, as emergências climáticas chegariam logo, sem termos as reservas ambientais para suportá-las.
Isso nos lembra das produções sobre as questões ambientais, de promoção da saúde e de imaginários sobre rios vivos produzidos pelo Projeto Manuelzão/Instituto Guaicuy. Uma delas, de 2010, nos chama atenção: o livro sobre “Revitalização de Rios no Mundo”, com experiências da América, da Europa e da Ásia. Nessa obra, o caso sobre a revitalização do Rio Sena já havia sido apresentado a nós.
Lembramos dessa produção porque durante o inverno esfumaçado aqui no Brasil, tivemos na França as Olimpíadas e Paralimpíadas de Paris! Para nós, apesar de todas as controvérsias, todas as medalhas de ouro deveriam ir para a prefeita da capital francesa, Anne Hidalgo, e para o Comitê Olímpico, por apostarem na possibilidade de manter as provas aquáticas no leito do Rio Sena.
Além do imaginário provocador de colocar um Rio antes poluído como cenário de abertura de um dos maiores eventos do mundo, mostra a forte interdependência entre rio e cidade, onde pareceu ser impossível pensar Paris sem o Sena e o Sena sem Paris.
Em 1923 o Rio Sena foi considerado o mais poluído do mundo, mas, desde 2010, mudanças no imaginário francês permitiram um rio cada vez mais limpo. Agora em 2024, pela primeira vez em mais de cem anos, o Sena esteve adequado para nadar, após uma campanha de limpeza e descontaminação que durou décadas e custou mais de US$1,6 bilhão de dólares. Apesar de todas as críticas, o processo de limpeza do rio, que conseguiu eliminar as águas residuais industriais e reduzir as bactérias fecais que acabam no Sena, é considerado um sucesso internacional. Isso não significa dizer que está completo e terminado, mas demonstra que o caminho é possível. Deixar o Rio da Velhas ou o Paraopeba poluído ou degradado compromete o futuro de várias cidades, inclusive da capital do estado.
As notícias sobre a qualidade das águas do Rio Sena têm nos ensinado muito sobre a importância das gestões das grandes cidades estarem atentas às riquezas físicas, geográficas e históricas dos seus territórios, fortalecendo a visão de cidade que se quer ter no futuro. Sempre defendemos a revitalização de rios. Civilizações que não preservaram os recursos hídricos sucumbiram.
No caso da nossa cidade, grande parte da população não conseguiria conceber Belo Horizonte sem a Serra do Curral e vice-versa. Mas o que acontece aqui é exatamente o contrário do que acontece em Paris. Temos uma ação orquestrada para destruir o símbolo e referência histórica e ambiental da capital mineira, entregando a Serra do Curral para mineradoras e se negando a aprovar uma legislação que a proteja.
O Instituto Guaicuy/Projeto Manuelzão segue fazendo seu papel: mobilizando, articulando e formando pessoas para uma consciência ambiental cada vez mais ampliada. Fazendo enfrentamentos jurídicos contra a ganância desmedida de empresas que querem da natureza somente o lucro, sem se preocupar com o futuro ambiental que virá em tempos de emergência climática.
Neste ano teremos eleições para prefeito e vereadores, e achamos super importante que cada eleitor pesquise as propostas socioambientais de todos os candidatos e candidatas, e que possam fazer valer seu voto em prol de representantes comprometidos com a gestão de cidades, dos rios, das serras e das áreas protegidas.
Por isso, a nossa luta pela recuperação ambiental do Rio Paraopeba após o rompimento da barragem do córrego do Feijão da Vale se transformou numa urgência, e o fortalecimento das pessoas atingidas nesta luta é fundamental.
Este editorial faz parte da newsletter Notícias do Guaicuy, em que divulgamos nossas iniciativas pela justiça socioambiental e as principais notícias dos projetos de Assessoria Técnica Independente em que acompanhamos as pessoas atingidas por mineração. Assine para receber esse conteúdo diretamente no seu e-mail:
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Imagem: Cuia Guimarães/Projeto Manuelzão
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