“Eu sou uma mulher simples, pescadora e artesã que, assim como milhares de outras pessoas atingidas pela Vale, teve a saúde e a paz roubadas pelo desastre criminoso dessa mineradora. A Vale é reincidente, porque também destruiu o Rio Doce em 2015, com o rompimento da Barragem de Fundão. Tanto lá quanto cá os direitos humanos têm sido violados.”
(Trecho da Carta enviada por Eliana Marques ao Presidente da República)
É desse modo que Eliana Marques, da Comissão de Pessoas Atingidas de Cachoeira do Choro, comunidade de Curvelo/MG, se apresenta em uma carta enviada à Presidência da República no começo de agosto. A carta, escrita por Eliana e direcionada ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, relata as dores dos inúmeros danos e violências que as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão da mineradora Vale, em 2019, sofrem até os dias de hoje.
Eliana conversou com o Guaicuy e contou que a ideia de escrever a carta e entregar ao presidente surgiu no princípio de agosto. Na época, o Governo Federal realizou em Brasília a solenidade de lançamento do programa Povos da Pesca Artesanal e convidou pescadoras e pescadores de todo o Brasil para a cerimônia. Eliana, que foi convidada por ser uma pescadora filiada à Colônia Z5, pensou que esta seria uma ótima oportunidade para contar ao presidente Lula os problemas das pessoas atingidas pelo desastre-crime. “Eu não ia deixar passar em branco. Eu falei: Já que eu vou lá (pra Brasília), eu vou levar também algumas questões. Eu queria levar todas as questões, mas na realidade se eu fosse colocar todas as questões ia virar um jornal, né? Não ia dar uma carta. Então, eu coloquei aquilo que eu achei mais básico”, comenta.
Porém, por questões de saúde, a pescadora percebeu que não conseguiria ficar horas sentada na viagem e na cerimônia. Dessa forma, decidiu entregar a carta que já estava escrita a Vanessa Gaudereto, especialista em pesca e aquicultura, que protocolou o documento na presidência. A carta também foi enviada ao Governo Federal por meio dos gabinetes do Deputado Estadual Leleco Pimentel (PT-MG), e do Deputado Federal Padre João (PT-MG).
Leia a carta enviada por Eliana ao Presidente da República na íntegra!
“Eu entregaria a carta até mesmo se eu tivesse oportunidade de ir no outro governo. Eu também teria tido a mesma posição de entregar essa carta. Com o Lula é com mais amor, claro! Mas para o outro também, eu tendo a oportunidade, eu levaria a carta, mesmo sabendo que poderia nem nunca ser lida, mas eu também mandaria.”
(Trecho da Carta enviada por Eliana Marques ao Presidente da República)
O motivo da escrita da carta é um só: falar em primeira pessoa ao chefe de Estado brasileiro sobre as consequências do desastre-crime da Vale. Eliana disse que queria “que eles ouvissem de uma pessoa que realmente sentiu esse dano, que sofreu esse dano. Que não seja ouvir de Instituições de Justiça e tudo mais, que não seja ouvir a queixa do gabinete. Que seja a queixa de uma pessoa que passou por isso, que sofre por isso, que está doente por isso. Eu queria primeiro que eles soubessem que nós estamos aí, que nós estamos sofrendo e que nós precisamos de ajuda”, afirma.
Mas a pescadora também reconhece que, ainda que haja esperança, há também um sentimento amargo da perspectiva de pouca mudança na situação das pessoas atingidas pelo desastre-crime que interrompeu 272 vidas e trouxe danos ambientais, sociais, culturais e econômicos para pessoas e comunidades de 26 municípios, de Brumadinho a São Gonçalo do Abaeté. “O que sai na mídia é que teve o Acordo Judicial, que tem o Pagamento Emergencial, que tem isso tudo, mas na realidade a gente sabe que não é assim. A gente ainda continua passando por todas as necessidades, todo o sofrimento e todo o empobrecimento que esse crime trouxe para dentro das nossas comunidades,” reflete.
Na conversa com o Guaicuy, Eliana ainda fez um comentário emocionado sobre o andamento do processo de reparação socioambiental, determinado no Acordo Judicial assinado pelo Poder Público e a mineradora Vale, em 4 de fevereiro de 2021. “A coisa que eu mais queria, na realidade eu nem coloquei naquela carta. Que houvesse uma auditoria dentro da justiça mineira, que houvesse verdadeiramente uma auditoria por tudo que eles fazem com a gente, por todo o descaso. Que fingem nos ouvir e que se fecham com a empresa criminosa. Em tudo que vai fazer, primeiro ouve a criminosa, e não as vítimas”, critica a pescadora.
Por fim, sobre o direito das pessoas atingidas por barragens à Assessoria Técnica Independente (ATI) que atenda, de fato, às necessidades de quem sofreu os danos e prejuízos, Eliana comentou “que a ATI, dentro deste processo, pudesse – tudo que a ATI levantou até aqui, todos os danos – que isso pudesse de fato estar dentro do processo e ter valor jurídico, sabe? Então, essa também é uma grande esperança que eu tenho, porque cada dia eles vão limitando mais o nosso direito à ATI, entre muitas outras coisas”, diz.
“Não queremos o fim da mineração, mas que ela seja feita com responsabilidade, sem destruir o meio ambiente e sem violar direitos humanos. Queremos que esse crime não se repita!”
(Trecho da Carta enviada por Eliana Marques ao Presidente da República)
Deste modo, Eliana Marques finalizou a carta enviada à Presidência da República. Na conversa com o Guaicuy, ela explicou que entende que a mineração é necessária, mas que a mineração com responsabilidade tem como princípio suprir a necessidade do país sem causar tantos prejuízos ambientais e sociais e sem o objetivo de enriquecer. Mas acredita que esse sistema está longe dos modos de mineração que imperam em Minas Gerais. “Eu acho que minerar com responsabilidade é cuidar da natureza em primeiro lugar, dos danos causados, reparar todos os danos, recuperar as áreas degradadas verdadeiramente. E não esconder as barragens a montante com plantinhas “pra inglês ver”, que quando você olha por cima tá tudo verdinho, tudo bonitinho, sabendo que ali tem uma coisa que pode romper a qualquer momento. Eles tiram nossa riqueza e nada nos dão de volta, a não ser o crime e o veneno que sobra pra nós”, avalia.
O documento já foi respondido oficialmente pelo Gabinete Oficial da Presidência da República. Em um ofício enviado ao Deputado Estadual Leleco Pimentel, o Gabinete afirma que a carta foi recebida e encaminhada aos Ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e também à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.
Intervenção no governo de Minas Gerais quanto o descumprimento do acordo de reparação ( politicas públicas não realizadas nas comunidades..5 só para as cidades( prefeitos corruptos…anexo 1.3 tem que ser gestão do povo! Liberar 100 % o dinheiro do anexo 1.1…os juros e rendimentos queremos pra fazer posto saúde, escolas, pavimentação etc