Na hora de batizar o lugar que Márcia Rita Borges e Washington Luis Borges compraram em 2009 para viver depois da aposentadoria, o nome escolhido foi “Rancho Sonho Realizado”, tamanho era o orgulho da conquista. O terreno fica em Encontro das Águas, uma comunidade de Curvelo na beira do Paraopeba. Ali eles poderiam pescar todos os dias, juntos, como fizeram tantas vezes na vida, e curtir a companhia dos filhos e netos à beira d´água. No mesmo condomínio, Martinho de Souza e sua companheira, Vera Lucia de Carvalho, adquiriram um terreno com intenção parecida: envelhecer perto do rio. Mas o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, mudou o rumo desse sonho em comum. “Foi um crime que levou o rio pra longe da gente, mesmo eu conseguindo olhar pra ele aqui da minha janela”, desabafa Márcia.
O rejeito tóxico de mineração desceu o Rio Paraopeba, percorrendo mais de 300 quilômetros até a Represa de Três Marias, chegando a 26 municípios. Nesse trajeto, está a comunidade de Encontro das Águas, na qual cerca de 750 pessoas – entre residentes e sitiantes – construíram suas casas. Márcia e Washington, hoje em dia, são um dos poucos moradores que permaneceram vivendo no condomínio. A rotina teve que mudar bastante. A pesca diária, por exemplo, teve que ser interrompida, e agora eles tentam driblar os desafios do solo árido para o cultivo no quintal. A casa também ficou mais vazia, já que os filhos, que antes visitavam o casal todo final de semana, pararam de ir por não poderem frequentar mais o rio. “A visita perde até o sentido”, conta Márcia.
Já Martinho e Vera tiveram que deixar para trás a criação de peixes em que haviam investido antes do rompimento da barragem, por não poderem mais usar a água bruta do rio na piscicultura. Eles ainda passam a maior parte do tempo no sítio, mas sempre levam no carro um monte de galões de água para consumirem no tempo da estadia. “A gente não usa a água que vem do poço artesiano comunitário para consumo, porque temos medo da contaminação. Não temos coragem nem de tomar banho com ela”, conta Gabriela, filha do casal.
A vontade de viver uma velhice tranquila à beira d´água, foi substituída por um longo e doloroso processo de reparação, que afeta a saúde de quem se dedica a ele. “Meu pai às vezes mergulha em uma tristeza profunda, e como minha mãe é muito companheira ela também se afeta, emagrece, sente. É difícil demais viver essa frustração, esse desalento”, explica Gabriela. Em comum, as duas famílias têm o amor pelo Paraopeba, e o sonho de vê-lo revitalizado. “Talvez eu não esteja mais aqui quando isso acontecer, mas, se meus netos puderem viver esse momento, eu já fico feliz”, reflete Márcia, emocionada, enquanto olha o rio pela janela do quarto.
Texto originalmente publicado na 10ª edição do Piracema.
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