“Aqui que a gente viu que nós, atingidos, falamos a mesma língua, de Brumadinho a Três Marias”. Com essas palavras, Jéssica Camila de Oliveira Gonçalves , moradora de Betim, resumiu o Encontro de Atingidas e Atingidos da Bacia do Paraopeba e Três Marias. O evento aconteceu em Belo Horizonte, no sábado e domingo (11 e 12), e reuniu cerca de 150 representantes das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
“Passamos mais de dois anos de pandemia com esse desafio histórico de construir uma governança popular de maneira virtual. Com pessoas ribeirinhas, povos indígenas, etc. que não têm acesso à internet, e isso fragilizou muito o processo de participação. Nos últimos meses, conseguimos fazer uma série de reuniões presenciais e agora conseguimos coroar esse processo com esse encontro que possibilita que as pessoas de todas as áreas olhem nos olhos umas das outras e se reconheçam como pessoas atingidas” – Fábio Garrido, Instituto Guaicuy
A união das pessoas de todas as Áreas atingidas e a construção da Governança Popular do Anexo 1.1: e de um Sistema de Participação foram os objetivos centrais do evento. Para Oraida Santos Oliveira, que vive na comunidade de São Sebastião da Aldeia (Abaeté), o encontro foi uma oportunidade de conhecer pessoalmente as pessoas que, até então, conversava apenas pela internet: “Foram experiências novas e muita aprendizagem, uma oportunidade de conhecer as perdas das pessoas [de outras regiões]. Todo mundo foi atingido, cada um da sua forma”.
Multiplicadores
Com organização das três Assessorias Técnicas Independentes (ATI’s), Instituto Guaicuy, Aedas e NACAB, o Encontro foi um importante marco na luta pela reparação integral e construção da participação popular.
Os participantes foram divididos aleatoriamente entre Grupos de Trabalho que foram formados para debater a Gestão Popular dos Projetos das Comunidades (Anexo 1.1) e a criação de um Sistema de Participação que abarque os pontos comuns e as particularidades de todas as regiões.
Os debates serviram como base para o primeiro esboço do Sistema de Participação, que foi lido na plenária final e será aprimorado ao longo dos próximos meses, num trabalho conjunto entre ATI’s e comunidades atingidas. “Eu quero reforçar a união da Bacia, que a gente saia daqui como multiplicadores e que a gente leve para a base tudo que a gente aprendeu e construiu aqui e que a base também tenha direito em opinar na construção do Sistema de Participação”, defendeu Tatiane Menezes, moradora do Projeto de Assentamento Queima Fogo, em Pompéu.
O encontro teve início com uma mística, que simbolizou a limpeza da lama do Rio Paraopeba e reuniu as pessoas atingidas com músicas e descontração. O evento foi fechado com a lembrança de que “o Rio ainda corre, o povo ainda luta”.
No sábado de manhã, a Plenária de Abertura contou com a presença das três ATIs e também de convidados: entre eles, representantes de cada uma das cinco regiões da bacia, de povos e comunidades tradicionais atingidos pelo rompimento, da Coordenação de Acompanhamento Metodológico Finalístico (CAMF-PUCMG), da Associação de Familiares de Vítimas de Brumadinho (AVABRUM), da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER), do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
O minuto de silêncio em homenagem às 272 vítimas do crime-desastre da Vale emocionou todos os presentes e foi seguido por uma dura fala de Josiane Melo, da AVABRUM, que cobrou justiça e celeridade. “A impunidade consolida o crime e corrói nossas almas”, afirmou, lembrando de sua irmã grávida falecida no rompimento.
Após o almoço, as discussões foram retomadas no sábado com uma mesa sobre a Gestão Popular dos Projetos das Comunidades. Os projetos estão previstos no Anexo 1.1 do Acordo assinado entre Vale e Poder Público. No Acordo, são destinados 2 bilhões de reais para os projetos comunitários e 1 bilhão de reais para linhas de crédito e microcrédito para pessoas atingidas. É previsto que a execução, gestão e finalização do Anexo 1.1 seja realizada pelas pessoas atingidas e como fazê-lo foi, justamente, o assunto da discussão.
Antes de iniciar os debates, foram lembrados todos os acúmulos construídos sobre o tema entre as comunidades atingidas e as ATIs. Segundo Leila Regina, do NACAB, foram realizadas 108 reuniões em toda a bacia, que reuniram mais de 2 mil pessoas. A sistematização dessas atividades apontou que as pessoas atingidas querem fundamentalmente que haja ‘participação efetiva nas decisões’ e ‘tempo garantido para os debates’.
Janderson Santana, da Aedas, apontou os princípios desejados pelas comunidades atingidas para a Gestão Popular desses projetos. Entre eles: protagonismo, autonomia, transparência, controle social, amplitude territorial, mobilização, autossustentabilidade, integração, união, reconhecimento, equidade, qualidade e celeridade.
Fábio Garrido, assessor do Instituto Guaicuy, aprofundou as discussões sobre o sistema de participação, lembrando que, sem ele, não há governança popular dos recursos. O objetivo do plano participativo é garantir que os projetos das comunidades alcancem a reparação de danos.
Durante todo o encontro foi organizado o espaço de Ciranda, que reuniu 21 crianças e adolescentes com atividades lúdicas e de debates. A Ciranda é um espaço fundamental em eventos como esse, pois garante a participação efetiva das mães no encontro, ao mesmo tempo em que permite também a participação dos próprios jovens em espaços que misturam lazer e debates.
No domingo ainda cedo, os encaminhamentos e conversas do dia anterior foram retomados em plenária para que os participantes pudessem voltar a se reunirem nos Grupos de Trabalho iniciados no dia anterior e continuarem as conversas sobre Governança Popular e construção do Sistema de Participação. Enquanto isso, as crianças mais uma vez se reuniram em brincadeiras e conversas lúdicas sobre participação e sobre como suas vidas são afetadas pelo rompimento.
Nos GTs, os debates giraram em torno de estratégias para difundir as informações do processo judicial, do Acordo entre Vale e Poder público e das ações de reparação. As sugestões mais citadas nos debates foram sistematizadas no escopo do Sistema de Participação, que foi apresentado a todos no final da manhã, na plenária de encerramento.
Este momento começou com participação das crianças e adolescentes, que levaram cartazes com algumas palavras e demandas que guiaram as discussões do final de semana. O Escopo do Sistema de Participação foi apresentado por duas pessoas atingidas, seguido pela apresentação da sistematização dos debates. Mais uma vez, os participantes puderam fazer considerações sobre o texto e apresentar sugestões de mudanças ou inclusões.
Veja as fotos do Encontro de Atingidas e Atingidos da Bacia do Paraopeba e Três Marias. As imagens são de Bárbara Ferreira/NACAB e uma imagem é de Daniela Paoliello/Guaicuy.
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