Instituto Guaicuy

Encontro de Bacia aprova plano de ação para execução do Anexo 1.1 nas comunidades atingidas

12 de junho, 2024, por Comunicação Guaicuy

Nos dias 8 e 9 (sábado e domingo), aconteceu, em Belo Horizonte, o Encontro de Bacia do Anexo 1.1. O evento, organizado pela Entidade Gestora, reuniu representantes das cinco regiões atingidas pela Vale com o rompimento da barragem em Brumadinho, em 2019. O objetivo era concluir a quinta e última etapa da construção do Plano de Trabalho do Anexo 1.1 do Acordo de Reparação, por meio de uma votação para definir como será a execução, nos próximos dois anos, das ações de reparação previstas nesta parte do Acordo, firmado em 2021 entre a mineradora e o Poder Público. 

A Cáritas Brasileira Regional MG é a líder da Entidade Gestora responsável pela gestão de parte do recurso do Anexo 1.1. O Acordo destina ao Anexo 1.1 R$3 bilhões para projetos de demandas das comunidades prejudicadas e para linhas de crédito e microcrédito. São projetos para fomentar a geração de trabalho e renda, o acesso à cultura, esporte e lazer, à qualidade de vida e à saúde, para reparar uma série de problemas vivenciados pelas pessoas atingidas após o rompimento da barragem da Vale. Mas a parcela que será gerida pela atual Entidade Gestora é de R$ 300 milhões.

O Encontro de Bacia simbolizou o Momento 5 da construção de um Plano Definitivo que será seguido pela Entidade Gestora para a primeira etapa de execução do Anexo 1.1. 

223 pessoas atingidas participaram no sábado e 226 no domingo. 

Confira aqui como foram os Momentos 1, 2, 3 e 4. 

Primeiro dia do encontro 

Na manhã de sábado, as pessoas atingidas presentes se reuniram em um auditório para o início das atividades. A escolha dos representantes de pessoas atingidas se deu por meio de votação em cada uma das Comissões ou Comunidades. Também compareceram pessoas das equipes da Aedas, do Nacab e do Instituto Guaicuy, as Assessorias Técnicas Independentes que acompanham a reparação ao lado das pessoas atingidas, em cada território. Nesta primeira parte do encontro, foram chamados à mesa duas pessoas de cada uma das cinco regiões atingidas pelo rompimento da barragem da Vale, ao longo da bacia do Paraopeba, da Represa de Três Marias e do Rio São Francisco, dos quais um representante de comunidades tradicionais, além de um familiar de vítima fatal. Também tiveram lugar representantes da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e do Ministério Público Federal (MPF), que são as Instituições de Justiça (IJs) que representam as pessoas atingidas no processo de reparação e a própria Entidade Gestora.

Compuseram este momento Maria Regina da Silva, da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum); Maria Aparecida da Silva Soares (Paré), moradora de Tejuco e Nair de Fátima, do Quilombo de Marinhos, ambas moradoras da Região 1; Michelle Regina Aparecida, de Colônia de Santa Isabel e Babá Edvaldo de Jesus, de Joatuba, representando a Região 2; Abdalah Nacif Neto, de Fortuna de Minas, e Marilei Aparecida Alves, do Shopping das Minhocas, que compareceram em nome da Região 3; Eunice Ferreira Godinho, de Cachoeira do Choro, e Carina Augusta, do Povo Kaxixó, representando a Região 4; e Vanessa Priscila da Silva Andrade, de Paineiras, e Sebastião da Fonseca Leal, pescador ribeirinho de Três Marias, como representantes da Região 5. Para falar pelas Instituições de Justiça, estiveram presentes Gabriela Cristina Ramalho, assessora do MPF, o promotor Paulo César Vicente de Lima, coordenador geral da CIMOS/MPMG, os defensores Bráulio Santos Rabelo de Araújo e Antônio Lopes de Carvalho Filho. Também esteve presente o secretário regional da Cáritas, Samuel da Silva.

Cada um dos representantes teve um momento de fala, relembrando as múltiplas formas de atingimento causado pelo rompimento da barragem ao longo da Bacia. Eunice Godinho, da Comissão da Cachoeira do Choro e do Encontro das Águas e Carina Kaxixó, da Comissão do Povo Kaxixó, moradoras da Região 4, falaram sobre a forma como o território era conhecido pelas potencialidades das diversas atividades que faziam parte do dia a dia das comunidades, como a agricultura, o comércio, os quintais produtivos, as quitandas, o artesanato e o turismo, e muitas outras formas de renda e de relações culturais. “A nossa região, por estar localizada às margens do Rio Paraopeba, utilizava o rio como fonte de sustento. O rompimento da barragem afetou muito a geração de emprego e renda e fomos obrigados a buscar outras formas de sobrevivência, já que não podíamos mais usar a água”, afirmaram, ao ler uma carta produzida pelas Comissões da Região 4.

Já Vanessa Priscila, da Comissão de Paineiras, Poções e Atoleiro (CAPPA), e Sebastião da Fonseca, da Comissão Ribeirinhos do São Francisco relembraram o fato do Rio Paraopeba chegar às águas da Represa de Três Marias e do Rio São Francisco, enfatizando a extensão do desastre-crime. “Depois do dia 25 de janeiro de 2019, antes da poluição das nossas águas chegarem em nossos quintais, começamos a sofrer com a queda das nossas principais fontes de renda que são a piscicultura, a pecuária, o turismo, o artesanato e a agricultura familiar. Além disso, presenciamos a desvalorização dos nossos imóveis. A má fama, a discriminação e os preconceitos em relação aos nossos produtos são danos que também nos atingem, além da nossa saúde física e mental”, relataram, ao ler a carta das Comissões da Região 5. 

Grupos de discussão temática

Após a fala dos integrantes da mesa, foi explicado como seria o decorrer do Encontro, em dois momentos principais: os Grupos de Debates Temáticos e a Plenária. Foram compostos dois grupos para cada um dos seguintes temas:

  • Governança; 
  • Plano Participativo e Fluxo de Projetos; 
  • Crédito e Microcrédito. 

Os objetivos principais dos grupos foram analisar as “Propostas de Consenso” e as “Propostas Alternativas” de cada tema, verificar se ainda era possível chegar em consensos sobre o que não havia acordo e definir os responsáveis por defender cada posição na Plenária. Depois dos grupos, teve início a Plenária, que foi responsável por analisar e decidir sobre os encaminhamentos de duas formas distintas: os debates que possuíam apenas uma proposta de consenso foram aprovados em bloco, enquanto os debates que possuíam propostas divergentes foram votados individualmente.

Os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) contaram com um grupo específico, para debaterem e decidirem sobre suas questões particulares. O mesmo aconteceu com os Familiares de Vítimas Fatais e Residentes da Zona Quente, que debateram suas questões separadamente, respeitando tanto a legislação brasileira quanto o Edital e Termo de Referência, que trata sobre seus direitos e especificidades. 

Domingo

O segundo dia do Encontro de Bacia iniciou com uma Plenária logo após o café da manhã. Antes de iniciar o debate, foi feita a leitura dos nomes das 272 vítimas do rompimento da barragem da Vale para homenageá-las e lembrar a todos os presentes das dores vividas pelos amigos e familiares que perderam seus entes queridos no dia 25 de janeiro de 2019. 

Em seguida, a Plenária passou a aprovar diversas resoluções que já tinham sido consensuadas pelas pessoas atingidas nos Grupos de Discussão do sábado. Foram tratados os temas do Plano Participativo de Reparação e Desenvolvimento e Fluxo de Projetos e, na sequência, o Crédito e Microcrédito.

A grande maioria das propostas que tinham sido consensuadas anteriormente foram aprovadas por unanimidade ou por ampla maioria pelos delegados presentes. Entre elas, por exemplo, a definição de que os projetos comunitários e as linhas de crédito e microcrédito serão formuladas a partir do diagnóstico de danos coletivo, do levantamento das características sociais, econômicas, culturais e das especificidades dos territórios, considerando também índices pré-existentes de desenvolvimento. 

Outra proposta aprovada diz respeito à contratação de mão de obra local para a execução dos projetos, algo muito defendido pelas pessoas atingidas para que o Anexo 1.1 contribua também na geração de emprego nas comunidades e regiões atingidas. A definição de que a primeira onda de projetos seja local e regional também foi aprovada pelos presentes.

Quer ler todos os encaminhamentos? 

Assim que a Entidade Gestora divulgar o relatório final, vamos disponibilizá-lo aqui no site do Guaicuy para download. 

Crédito e Microcrédito

As propostas consensuadas sobre Crédito e Microcrédito também foram aprovadas com facilidade. Exemplos são a criação de um aval solidário e coletivo para o acesso de pessoas vulnerabilizadas às linhas e a priorização do Microcrédito para garantir que mais pessoas atingidas tenham acesso à medida de reparação.

Divergências

Após o almoço, foram debatidas pela plenária as propostas que tiveram divergências, seja nos grupos de debate, seja nos momentos anteriores de reunião entre as pessoas atingidas e a Entidade Gestora. Em grande parte dos casos, as propostas foram aprovadas tranquilamente, com amplas maiorias, ainda que houvesse número significativo de pessoas contrárias.

Duas propostas, porém, causaram debates mais acalorados e geraram atritos. As tensões foram, inclusive, problematizadas por pessoas atingidas presentes, que apontaram que a inimiga e causadora dos danos era a Vale, mas que a forma como foi organizada a reparação, por meio de um Acordo Judicial antidemocrático e sem participação, incentivava que as pessoas atingidas rivalizassem entre si para disputar pequenas coisas. Ao final das tensões, muitas pessoas tentaram retomar o clima de união entre todas as regiões da bacia, lembrando que a luta delas é contra a Vale e pela reparação justa. 

O primeiro ponto de grande divergência foi sobre a destinação do Crédito e do Microcrédito. A proposta aprovada no limite da maioria delimitou que o Microcrédito deve ser voltado ao investimento pessoal e que o Crédito deve ser voltado ao custeio de atividades produtivas e estímulo ao desenvolvimento das regiões atingidas. A proposta derrotada possibilitava que as duas modalidades fossem disponibilizadas sem restrição.

Já o segundo ponto foi sobre a composição do Conselho Inter Regional. Parte dos presentes considerava melhor que ela fosse proporcional com votos paritários (de um voto por Região), enquanto outra parte julgava que o correto seria que a composição do Conselho fosse proporcional com votos nominais, ou seja, um por pessoa. 

A proposta de construção paritária teve mais votos, mas não chegou ao número mínimo de votos para aprovação (que era de 114, representando 50% + 1 entre as pessoas que se credenciaram no evento). Assim, a Entidade Gestora irá informar as IJs sobre o resultado e a não-aprovação de nenhuma das propostas, registrando em ata que as IJs devem definir esse desenho junto com as pessoas atingidas em momento posterior.

Avaliação

Vanessa Priscila da Silva Andrade, da Comissão CAPPA (Região 5), avaliou positivamente o Encontro e falou um pouco sobre as dificuldades de chegar a definições comuns em meio a pessoas tão diferentes e diversas. “Todo mundo aguardava o momento de reunir a Bacia inteira. É um pouco complexo porque tem muita gente. Somos mais de 200 pessoas reunidas com um único objetivo, que é fazer o Anexo 1.1 dar certo. Mas, como sempre, quando se reúnem muitas pessoas com opiniões diferentes, tem coisas que um concorda e outro não concorda”, comenta. 

Julia Barbosa, gestora do escritório de projetos socioeconômicos do Instituto Guaicuy, lembra que apesar das divergências a grande maioria das propostas foi aprovada por unanimidade. “Momentos como esse, de Encontro de Bacia, são muito importantes para as pessoas atingidas. Infelizmente, foram apenas três espaços desses ao longo de mais de cinco anos. De qualquer modo, as pessoas atingidas de todas as Regiões demonstraram grande capacidade de unidade para definir os rumos do Anexo 1.1”, avalia.

Representantes das Regiões 4 e 5 ao final do Encontro

Próximos passos

Agora, a Entidade Gestora vai sistematizar tudo o que foi debatido no Encontro e também nos momentos anteriores e enviar às IJs sua proposta preliminar de ação. Após avaliação, as IJs enviarão a proposta ao juiz do caso, Murilo Silvio de Abreu, que é o responsável pela aprovação final. Após aprovação do juiz, os recursos serão liberados e os trabalhos serão iniciados nos territórios atingidos. 

Imagens de Daniela Paoliello/Guaicuy e Fabiano Lana/Guaicuy

 

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