Texto de João Carvalho – Comunicação Guaicuy
Ribeirinhos e ribeirinhas do Rio São Francisco, integrantes da Comissão Guiados Pelo Axé, do Quilombo Saco Barreiro, do povo Kaxixó, do povo Borum-Kren além de garimpeiros tradicionais participaram do IV Encontro do Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado. O evento aconteceu em Ouro Preto, paralelamente ao I Seminário Ontologias da Natureza, ao IX Seminário Protocolos Autônomos e Jusdiversidade e ao II Curso de Extensão Awêry – Tecendo o Bem Viver de 11 a 14 de novembro.
O Protocolo de Consulta é um instrumento de luta, feito pelas próprias comunidades, que traz em seu conteúdo informações sobre como elas se organizam, como são suas histórias, culturas e costumes. Além disso, no protocolo a comunidade informa de que forma quer ser consultada em casos de projetos e/ou medidas que afetem seus territórios e modos de vida. “Protocolo faz isso, faz conhecer o sofrimento que a nossa comunidade tem. É um documento que você pode pegar, entregar e falar ‘Aqui, nós temos documento, nós existimos, nós estamos aqui”, resumiu Mariely Namimia Aparecida de Almeida, da comunidade quilombola de Saco Barreiro, localizada em Pompéu.
Acesse aqui o Protocolo do Quilombo Saco Barreiro
Na segunda, dia 11, foi realizada a abertura do evento e a apresentação da Guarda de Moçambique. Na terça-feira, dia 12 de novembro, o segundo dia do encontro teve início no Anexo do Museu da Independência, com o lançamento de dois livros do Observatório de Protocolos Comunitários: Revisão Periódica Universal (RPU/ONU) – Direito à Consulta e Consentimento Livre Prévio e Informado e os Protocolos Autônomos no Brasil e Tribunais Brasileiros e o Direito à Consulta Prévia Livre e Informada. Em seguida, aconteceu uma mesa de debates com lideranças sobre o processo de construção de Protocolos Comunitários e sua importância na conquista da autonomia dos povos. Iveth Peña, liderança Ashaninka do Peru e Milena, liderança do Povo Mura do Amazonas, dialogaram com Isabela Cruz, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, com o professor Cláudio Marés, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), e com Liana Amin, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Na parte da tarde, na UFOP, teve início a Oficina “Círculo de Diálogos sobre Protocolos e Direito à Consulta e Consentimento”. Divididos em dois grupos, representantes de comunidades quilombolas, pesqueiras, indígenas e ribeirinhas de todo o Brasil e de outros países da América Latina discutiram suas experiências com os Protocolos de Consulta de suas comunidades e os enfrentamentos a empreendimentos minerários. “Como Kaxixó, acho que a importância maior do protocolo é que não venha nada de fora sem a nossa percepção, sem a gente saber. E também por a gente ter dentro do protocolo as pessoas específicas para consulta, é aí que as pessoas têm que estar sabendo o que é bom para a nossa comunidade”, resumiu Liderjane Gomes, liderança do povo Kaxixó, durante o evento.
Acesse aqui o Protocolo do Povo Kaxixó
Os Ribeirinhos do São Francisco estão entre as comunidades assessoradas pelo Instituto Guaicuy que encontraram no seminário uma oportunidade de se preparar para a construção de seus próprios Protocolos de Consulta. Sebastião Leal, representante dos Ribeirinhos do São Francisco, reforça a importância do Protocolo na manutenção dos modos de vidas tradicionais: “É muito importante sermos consultados quando houver alguns empreendimentos lá na nossa região, na nossa comunidade, que com certeza poderá interferir nos nossos costumes, na nossa forma de viver, na nossa cultura, na questão do rio, da natureza, do meio ambiente”.
Na quarta-feira, dia 13, o dia começou com a Rede de Pesquisa Rio Doce, formada por integrantes dos grupos de pesquisa Homa, PoEMAS, GEPSA, e CRDH, realizando um balanço dos nove anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A discussão entrelaçou a realidade de comunidades ribeirinhas, ilheiras e pesqueiras ao longo do Rio Doce e reforçou a importância da construção dos protocolos de consulta na defesa desses modos de vida.
Durante a tarde, representantes de Povos e Comunidades Tradicionais deram continuidade à Oficina “Círculo de Diálogos sobre Protocolos e Direito à Consulta e Consentimento”. Além da troca de experiências, o encontro acompanhou a realização da Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em Belo Horizonte, para debate do Decreto nº 48.893, de 11/09/2024, do Governo do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre a Consulta Livre, Prévia e Informada de que trata o art. 6º da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais. O decreto impõe condições específicas para a consulta prévia, restringindo os direitos conquistados pelos povos tradicionais brasileiros, e dando ainda mais poder às empresas. O objetivo da audiência era dialogar sobre as possíveis violações de direitos humanos após o decreto do governador Romeu Zema.
De acordo com a moção de repúdio aprovada pelas comunidades e organizações presentes no Encontro do Observatório, o decreto é inconstitucional e busca regulamentar uma leitura inapropriada do funcionamento dos Protocolos de Consulta Livre, Prévia e Informada, que resultaria em violações aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais de todo o Estado.
Pesquisadores e lideranças que compuseram os debates do seminário se deslocaram até Belo Horizonte, ainda na tarde de quarta-feira, para participar presencialmente da Audiência, entre eles representantes dos povos indígenas Kaxixó e Borum-Kren e dos Ribeirinhos do São Francisco.
De acordo com Frederico Siman, assessor do Instituto Guaicuy, o encontro foi uma grande oportunidade para os Povos e Comunidades Tradicionais que participaram, pela chance de proporcionar atividades focadas na discussão sobre o direito à consulta. “Quem já possui protocolo comunitário, como Kaxixós e Saco Barreiro, incidiu fortemente no debate, levando a experiência para PCTs de todo o Brasil e também de fora. Quem ainda está em processo de discussão para a elaboração do protocolo, como os Ribeirinhos e os Povos de Terreiros, se apropriaram ainda mais da discussão, amadurecendo questões para levar para seus grupos. Para fechar ainda com mais força, os PCTs de Pompéu, Curvelo e da região da Represa de Três Marias, territórios assessorados tecnicamente pelo Guaicuy, promoveram um intercâmbio com os grupos Borun-Kren e Garimpeiros Artesanais, ambos assessorados pelo projeto do Instituto Guaicuy em Antônio Pereira”, avaliou.
Imagens de João Carvalho/Guaicuy
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