A fala poética de Mãe Alessandra descreve sua relação com as plantas e com tudo que é vivo ao redor. Aos 57 anos, a mãe de santo e cozinheira vive em Morada Nova de Minas, depois de passar a infância entre Belo Horizonte, onde nasceu, e os interiores, principalmente na casa de seus pais, em Vau das Flores, em Morada Nova de Minas. As lembranças dessa época, durante a infância e a juventude, ocupam a cabeça de Mãe Alessandra em um lugar de memórias felizes. Os tempos pareciam outros: um lugar sem luz elétrica, iluminado pelas estrelas, onde se tomava banho de caneca e as travessias entre uma casa e outra, durante a noite, eram feitas com pequenas lanternas. Também tinha uma relação forte com a Represa de Três Marias, onde todo mundo se refrescava, pescava e lavava as roupas.
“Aprendi a nadar na represa. Ficava no fundoda nossa casa. Eu ia lavar roupa com minha mãe e aproveitava para mergulhar. Cada dia eu conseguia ir um pouquinho mais longe e, assim, uma vez cruzei a represa de fora a fora”, relembra. Além dos refrescos nas águas vindas dos Rios Paraopeba e São Francisco, Mãe Alessandra também sente saudade dos festejos da igreja. “A gente desenterrou a festa de Nossa Senhora Aparecida. Consigo ouvir o barulho da sanfona até hoje aqui na minha orelha. Era bom demais!”, conta. Ela também lembra de quando chegou a luz em Vau das Flores. “Meu pai olhou para aquilo acontecendo e disse: esse lugar aqui nunca mais vai ser o mesmo, porque agora tem tecnologia. Espero que o encanto não se perca”, disse.
O vínculo com a região levou Mãe Alessandra a escolher Morada Nova de Minas como lugar para construir sua vida, após dois casamentos e três filhos criados. Além de ser dona de um bar na cidade e trabalhar como cozinheira para vários eventos, ela se dedica aos cuidados com a terra. Hoje em dia, em um rancho arrendado onde mora com o marido, as plantas são suas verdadeiras companheiras. É ali onde ela cultiva sua fé. “Fui criada em uma família
espírita e até já segui um tempo a religião evangélica. Mas fiz o santo no candomblé e hoje sou mãe de santo em uma casa de umbanda. Para mim, a cultura pode ser diferente, mas a crença, o Deus, é um só. Tudo flui para esse mesmo lugar”, diz.
As ervas medicinais são aliadas de Mãe Alessandra há muito tempo, mas se tornaram ainda mais presentes após o diagnóstico de câncer de mama, há três anos. Essa situação fez com que ela buscasse força em seus guias espirituais e nos poderes da terra. “Foi difícil. Envelheci muito nesse tempo de tratamento, mas o movimento do corpo e da mente, a firmeza na cura, fazem com que a gente acredite mais na vida”, relembra. Para reforçar a quimioterapia,
ela se agarrou aos poderes do pariri, erva medicinal que aumenta a imunidade, assim como o açafrão, a graveola e o orapronobis. “Quando preciso ficar mais forte, eu tomo pariri como se fosse água. Mas tem que acreditar, porque se não, não funciona”, conta.
Para além das ervas, Mãe Alessandra também se encanta pelas samambaias. Tamanha exuberância e grandeza dessa espécie chamam a atenção da mãe de santo, que faz questão de preencher seu quintal com várias delas. “É a minha paixão”, ressalta.
O cultivo das hortas e dos jardins ensinou Mãe Alessandra mais do que qualquer escola. “Além de nos nutrir e cuidar, as plantas também nos fazem aprender sobre o tempo, sobre ser comunidade, sobre só existir porque outras espécies existem”, analisa. Esse tipo de ensinamento ela leva para o terreiro do qual faz parte, chamado Morada da Vovó Cambina. Ali, atende com frequência pessoas em busca de aconselhamentos espirituais. “Fiz meu santo há 25 anos e hoje em dia me viro aqui entre meu trabalho e as demandas do terreiro. É muita responsabilidade, mas me sinto bem criando esse vínculo de comunidade, onde existe escuta, fé e generosidade”, diz. “A vida não faz sentido sem isso”, complementa.
O rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, afetou a dinâmica de Mãe Alessandra, uma pessoa conectada de forma visceral com a natureza. “Imagine só não ter coragem mais de usar a água da represa para os cuidados com o quintal, para os nossos rituais, que são o que temos de mais sagrado? Não existe dinheiro que seja capaz de suprir a falta de um rio e de uma represa limpos”, diz. Enquanto luta pela reparação dos danos causados pela mineradora-ré, Mãe Alessandra volta para seu quintal e seu terreiro, mantendo sua terra fértil e acreditando em dias melhores: “a minha fé e minha terra me sustentam, e assim eu vou até o fim”.
Esse texto foi publicado na 14ª edição do Piracema. Clique aqui para ler e baixar a revista.
Imagem: Gia Dias/Guaicuy.
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