Instituto Guaicuy

Indígenas Borum-Kren de Antônio Pereira recebem técnicos da Funai no território atingido pela mineração

27 de setembro, 2024, por Ellen Joyce Marques

Os impactos do risco de rompimento e obras de descaracterização da Barragem Doutor, da Vale, ocuparam parte significativa da conversa entre representantes do povo indígena Borum-Kren e os dois servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que estiveram em Antônio Pereira no dia 25 de setembro. A condição de medo e violações de direitos impostos pela mineradora, bem como a perda de área produtiva em razão da Zona de Autossalvamento (ZAS), o impedimento de praticar o garimpo tradicional e de acessar as cachoeiras e áreas da mata atlântica do distrito, foram alguns dos pontos levantados durante a visita. 

Visita técnica da Funai. Foto: Mayara Paces / Instituto Guaicuy

De acordo com Pablo Matos Camargo, historiador e indigenista da Funai na Coordenação Regional de Minas Gerais e Espírito Santo, essa primeira visita teve como objetivo conhecer as principais demandas, a história e o território usado pelo povo Borum-Kren. “Tudo que for demandado, que tiver na responsabilidade de ação da Funai, a Fundação vai colocar como Plano de Trabalho futuro”. Entre as responsabilidades da Funai estão a gestão ambiental e territorial, além dos direitos sociais, previdenciários, saúde e educação da população indígena.

Ao lado de Jordana Gabriela Fernandes, especialista em indigenismo da Funai, Pablo esteve, entre os dias 23 e 26 de setembro, na região de Mariana e Ouro Preto para a realização da visita de qualificação de demandas junto ao povo Borum-Kren do território. A visita é fruto de uma demanda do cacique Danilo Borum-Kren, que em 2022, solicitou a vinda do órgão federal responsável por proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil. 

Reconhecimento do povo Borum-Kren

O reconhecimento da ressurgência do povo Borum-Kren, que envolve a retomada de sua cultura, tradições e identidade, foi um dos motivos que levou o cacique Danilo a demandar essa visita. “A Funai vindo no território já é uma forma de reconhecimento oficial do Estado. Vir aqui e poder escutar as demandas da gente, ver as nossas lutas, ver as pautas”. O cacique destaca que este é o começo de um processo. “Isso é um início, a vinda da Funai. Várias outras vezes eles virão, pra gente poder trazer as nossas pautas, a luta e também trazer uma melhor condição de vida para as pessoas do nosso povo aqui no território”.

Pintura tradicional Borum-Kren. Foto: Gabriel Nogueira / Instituto Guaicuy

De acordo com Pablo, após esse primeiro contato, estudos e trabalhos ainda estão por vir, para que a Funai possa entender a dinâmica social dos Borum-Kren no território. “Deu pra perceber que são famílias tradicionais de origem indígena muito forte, com memória muito forte e muito próxima, e que se reconhecem como indígenas com o etnônimo de Borum-Kren”. Ele destaca que a comunidade precisa continuar demandando a Funai, isso porque “as demandas não são congeladas, elas vão acontecendo”.

Para Aliliane de Oliveira Veríssimo, indígena Borum-Kren, garimpeira tradicional, membro da Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira e moradora do distrito, a presença do órgão federal no território é crucial. É muito importante porque através da Funai a gente vai ser reconhecido mesmo como povo indígena. Como povo que luta por tá na terra, por plantar e colher o que está na terra. Viver do seu próprio suor”.

Pega no laço!”

A violência contra mulheres indígenas, que deixa marcas profundas em todas as suas descendentes, é o sequestro e estupro de jovens “pegas no laço” e “amançadas” por homens brancos. Homens que chegaram ao Brasil por meio da colonização europeia e que usaram de violência para subjugar e exterminar os povos originários, verdadeiros “donos” da terra. A luta de Aliliane, pelo reconhecimento de sua origem, de sua existência enquanto mulher Borum-Kren, passa também pela necessidade de honrar sua bisavó, Adélia Caetana de Oliveira. Aliliane conta que sua bisavó foi “pega no laço e violentada”. Apesar da violência, vovó Sadela, como carinhosamente é lembrada pela bisneta, se tornou uma mulher corajosa e amorosa com a família. Aliliane se lembra de ter passado a primeira infância em companhia da sua bisavó, que dona de uma energia ímpar, viveu até os 136 anos. 

O processo de autorreconhecimento como mulher indígena trouxe para Aliliane alívio a respeito da própria identidade e modo de estar no mundo. “Até então eu brigava muito comigo mesma, sem saber porque eu era assim. Quando eu queria uma coisa eu batia o pé, não aceitava outra coisa, pegava pirraça e ia para o meio do mato”. A busca pela natureza é, para ela, uma forma de se conectar com essa ancestralidade. “Descobrir que essas raízes vêm da minha bisavó, que é o sangue que corre na veia, é muito bom. É me descobrir novamente e aceitar minhas raízes”, afirma ela.

ATI faz caracterização preliminar dos Povos e Comunidades Tradicionais de Antônio Pereira

O povo Borum-Kren tem, pelo menos, dez famílias residentes em Antônio Pereira, atingidas pelo risco de rompimento e obras de descaracterização da Barragem Doutor, da Vale. Ao todo, o Instituto Guaicuy, que atua como Assessoria Técnica Independente das pessoas atingidas pela Vale no distrito, conseguiu mapear, até o momento, 31 pessoas adultas e 12 crianças da etnia Borum-Kren.  

Esses dados são fruto de um processo de levantamento e caracterização preliminar dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) presentes em Antônio Pereira. Além do povo indígena Borum-Kren, foram identificados ciganos Calon, benzedeiras e uma grande comunidade de garimpeiras e garimpeiros tradicionais. 

A benzedeira Maria José de Assis (Dona Lilia) mostra o terço que usa durante a benzeção. Foto: Ana Coutinho/Instituto Guaicuy

O objetivo desse levantamento realizado pela ATI Antônio Pereira é tratar dos direitos dos PCTs de Antônio Pereira, especialmente para serem consultados previamente, incluídos, reconhecidos com respeito às suas especificidades e tratados como grupo prioritário no processo de reparação dos danos causados pela mineradora no distrito.

Gostou do conteúdo? Compartilhe nas redes sociais!

O que você achou deste conteúdo?

O seu endereço de e-mail não será publicado. Todos os campos são obrigatórios.

Ao comentar você concorda com os termos de uso do site.

Assine nossa newsletter

Quer receber os destaques da atuação do Guaicuy em primeira mão? Assine nosso boletim geral!