Em reunião com Instituto Guaicuy e Ministério Público de Minas Gerais, garimpeiras e garimpeiros de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto (MG), traçam as estratégias para conquistar o direito ao reconhecimento como grupo tradicional atingido pela Barragem Doutor, da Vale.
Na noite de ontem, 29/06, o Instituto Guaicuy e representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) se reuniram com quase 100 garimpeiras e garimpeiros de Antônio Pereira para tratar dos próximos passos na luta pelo reconhecimento da tradicionalidade e dos danos sofridos por esse grupo específico em razão da descaracterização e descomissionamento da Barragem Doutor, da Vale.
Garimpeira desde os 11 anos de idade, dona Ivone Pereira Zacarias, vice-presidente da Associação dos Garimpeiros de Antônio Pereira, denuncia a atuação da mineradora que impede o garimpo na região tradicionalmente usada pela comunidade. “Tem mais de um ano que nós estamos nessa luta, o garimpeiro sem trabalhar, o garimpo fechado, nós já não sabemos o que fazer, porque a Vale tá mandando e desmandando”, afirma a liderança que relata ainda: “nós estamos aqui lutando pelo nosso direito. Quando a Vale chegou aqui, nós já morávamos aqui e nós já éramos garimpeiros. Então se a gente não pode garimpar a Vale também não pode minerar”. Em sua fala potente Dona Ivone conclui: “Nós não temos medo da Vale. Aqui é nosso lugar, é nossa comunidade, quem manda aqui somos nós”.
A reunião foi uma demanda das garimpeiras e garimpeiros após a decisão da juíza, proferida no dia 12/06, que nega o pedido de uma prestação mensal emergencial pela Vale ao grupo e diz que cabe ao MPMG requerer judicialmente o enquadramento como povo tradicional atingido das garimpeiras e garimpeiros na Ação Civil Pública, que trata do processo de reparação integral dos danos causados pela mineradora à todas as pessoas do distrito.
Para Luiz Tarcísio, assessor da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (CIMOS/MPMG), a Vale se escora na lei 11.685, de 2 de junho de 2008, que institui o Estatuto do Garimpeiro, para convencer a juíza, não pagar pelos danos causados e criminalizar a prática do garimpo em Antônio Pereira. No entanto, existem outras leis que amparam o garimpo tradicional, prática tricentenária passada de geração a geração em Antônio Pereira. Uma dessas leis, explica Luiz Tarcísio, é a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que diz que grupos tradicionais têm direitos especiais.
O sociólogo, que atua como assessor no MPMG, explica ainda que a lei nº 21.147, de 14 de janeiro de 2014, institui uma política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais do estado e define esses povos como sendo grupos culturalmente diferenciados, com tradição passada de pais para filhos, que se reconhecem como tais e que usam recursos naturais como condição para a sua reprodução social, cultural e econômica. Se dirigindo às garimpeiras e garimpeiros presentes Luiz Tarcísio afirma: “Eu, quando olho para a lei e olho para as condições de vocês, vejo que é muito fácil a gente demonstrar que vocês se encaixam nesta lei. Vocês são culturalmente diferenciados – vamos fazer um processo para dizer ‘como é que a gente se reconhece como tal?’ – e usam recursos naturais como condição para a sua sobrevivência, vocês dependem desse recurso, que no caso é o ouro”.
Passo 1 – Autorreconhecimento: trata-se de um reconhecimento coletivo, feito pelo próprio grupo, mediante um acompanhamento técnico. Determina quem faz e quem não faz parte dessa tradicionalidade.
Passo 2 – Laudo antropológico: é necessário o acompanhamento de um profissional especializado em estudos de povos e comunidades que se diferenciam por sua especificidade sociocultural, para realizar o laudo antropológico sobre povos e comunidades tradicionais. Esse documento serve como prova técnica dessa tradicionalidade.
Passo 3 – Certidão emitida pela Comissão para o Desenvolvimento dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (CEPCT): O órgão, composto por comunidades tradicionais e representantes do estado, é responsável por emitir o documento que reconhece determinada comunidade como povo tradicional. Essa certidão serve como prova da tradicionalidade do grupo.
Ronald Guerra, coordenador Geral da ATI Antônio Pereira e vice-presidente do Guaicuy, destaca que o diálogo com os professores Emmanuel Duarte Almada (UEMG) e Aderval Costa Filho (UFMG), com experiência no assunto, já foi iniciado. “Nós já tivemos uma reunião com os dois professores, passamos todas as informações e eles vão nos apresentar uma proposta de trabalho para que os garimpeiros tenham o laudo antropológico. Eles vão definir o valor disso, para que a gente possa, através do recurso do Instituto Guaicuy, se autorizado pela justiça, financiar o trabalho deles”.
Ao final da reunião, Hortência Dias Silva Neta, assessora jurídica da CIMOS/MPMG que acompanha o caso de Ouro Preto, destaca que o Ministério Público reconhece os garimpeiros de Antônio Pereira como tradicionais, mas que é preciso construir essas provas para convencer a juíza. “A decisão cabe ao judiciário. Então, nosso trabalho aqui é ajudar vocês nesse processo, a construir essas provas para a gente conseguir um convencimento motivado da juíza, com motivos que são leis, normas jurídicas e todo esse procedimento. A gente vai fazer o possível, mas do outro lado a gente tem a Vale tentando a convencer do contrário. Queremos comprovar essa tradicionalidade para tentar convencer a juíza a reconhecê-la também”, conclui a advogada.
Por Ellen Barros
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