O trabalho começou em 2020, a partir das análises de águas subterrâneas, e pretende avaliar a qualidade ambiental da bacia atingida pelo rompimento da barragem de rejeitos em 2019.
“Para mim o maior problema é a dúvida, a dúvida que atrapalha tudo. Você não sabe se [a água] está contaminada ou não, você não sabe se pode servir a água ou não, e infelizmente tem que servir com ela, porque não tem outra”, desabafa seu Ailton, da comunidade do Náutico Tucunaré, em Felixlândia. A comunidade está a 245 quilômetros da Mina do Córrego do Feijão, onde aconteceu o rompimento da barragem da Vale. Essa comunidade é uma das afetadas pela tragédia, e fica no entorno do reservatório de Três Marias, alimentado pelo rio Paraopeba.
Questionamentos como o de Seu Ailton motivaram o estudo ampliado sobre a situação das águas da bacia. Esses levantamentos estão sendo feitos com a colaboração das pessoas atingidas e a partir de laboratórios especializados, certificados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e sem vínculo com a mineradora Vale. Os laboratórios foram contratados pelo Guaicuy com o cuidado de garantir a qualidade e transparência das análises realizadas.
Desde o primeiro momento de contato com as comunidades e as pessoas atingidas foi manifestada a necessidade de geração de dados independentes, tecnicamente fundamentados, e que permitam a assessoria e os atingidos entenderem os reais impactos do rompimento para os sistemas ambientais das áreas 04 e 05.
Com o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, o rio Paraopeba transportou os rejeitos e mobilizou outros materiais ao longo do curso do rio. De acordo com Rodrigo Lemos, coordenador das análises ambientais do Guaicuy, isso mostrou como o rejeito tende a se comportar (ora sendo transportado, ora sendo retido) no rio, de acordo com as diferentes características dos trechos fluviais e sua posição em relação a bacia do Paraopeba: curso superior/alto, médio e inferior/baixo.
“Quando chega no Baixo Paraopeba, o rio já está mais largo, com uma dinâmica mais lenta e tem tendência de deposição desse material nas áreas marginais, que são áreas muito usadas para cultivos”, explica Lemos. O Coordenador lembrou das inundações ocorridas entre 2019 e 2020, que fez aumentar a tendência de deposição de rejeito, que vem sendo carreado pelo rio, nas margens do rio Paraopeba e reservatórios de Retiro Baixo e de Três Marias.
Por essas diferentes formas de impacto, foram definidas seis grandes Regiões de Interesse Ambiental (RIAs) para a realização das análises nos territórios das áreas 4 e 5. São elas: rio Paraopeba à montante do reservatório de Retiro Baixo, reservatório de Retiro Baixo, rio Paraopeba à jusante do reservatório de Retiro Baixo, o reservatório de Três Marias braço do rio Paraopeba, reservatório de Três Marias, rio São Francisco à jusante de Três Marias.
O Instituto Guaicuy já iniciou as coletas para todas as análises descritas abaixo:
Análises em solos em áreas que sofrem influência direta do rio ou dos reservatórios, com amostras coletadas até 50 cm de profundidade. Em relação aos sedimentos, as análises foram iniciadas a partir de coletas de amostras nas margens do rio e dos reservatórios. Nos próximos meses, serão feitos levantamentos de amostras de sedimentos na calha do rio e fundo dos reservatórios, o que envolve procedimentos mais complexos para segurança e coleta desses materiais. Tanto para solos quanto sedimentos, estão sendo avaliados diversos parâmetros de qualidade, dentre eles concentrações de metais como ferro, alumínio e manganês, substâncias que foram detectadas no rejeito
As análises de água subterrânea são agendadas a partir das demandas dos atingidos, priorizando captações destinadas ao consumo humano em lugares mais próximos ao rio Paraopeba. As coletas de água são realizadas em poços, cisternas, e em torneiras onde a água já possui algum tipo de tratamento.
As análises de água superficial estão sendo realizadas mensalmente em 19 pontos, sendo que em nove deles serão realizadas coletas no meio do rio e dos reservatórios, em diferentes profundidades . Além das coletas mensais nesses 19 pontos, outros pontos podem ser adicionados a partir de demandas das comunidades.
As análises estão focadas nas alterações das comunidades aquáticas a partir do rompimento da barragem. Uma das principais preocupações dos técnicos do Guaicuy é em relação à presença de metais pesados neste ambiente. Dessa forma, estão sendo realizadas coletas de peixes e plantas aquáticas para identificar se eles estão contaminados. A intenção da equipe ambiental do Instituto é conseguir responder se é seguro comer peixe das regiões afetadas pelo rompimento.
Além disso, estão sendo realizadas análises para identificar alterações nas espécies de peixes e outros organismos que vivem na água (insetos aquáticos e plâncton, por exemplo). Dessa forma é possível identificar se espécies nativas, que deveriam ser encontradas no ambiente, estão sofrendo alguma pressão que cause o desaparecimento delas.
Os relatórios estão sendo disponibilizados para as comunidades conforme os laudos laboratoriais vêm sendo publicados e analisados pela equipe do Guaicuy. Existe um grande cuidado por parte do Instituto de explicar aos atingidos que a interpretação adequada sobre a qualidade integral do ambiente depende do acompanhamento a médio/longo prazo dos dados que vêm sendo gerados sobre as águas, solos, sedimentos e das comunidades aquáticas. De acordo com Lemos, é necessário um tempo maior de levantamento de dados para que eles, de fato, tragam informações que possam contribuir de alguma forma para o enquadramento dos possíveis usos da água e outros recursos do Paraopeba.
Por enquanto, estudos realizados pelo Instituto Mineiro de Gestão de Águas (IGAM), limitam os usos do rio e poço em algumas comunidades, e essa restrição deve ser mantida e aceita pelos atingidos uma vez que ainda há muita incerteza sobre a ocorrência ou não de contaminantes. Nos territórios da área 4, por exemplo, existem muitos locais com placas do IGAM proibindo qualquer tipo de uso por parte das comunidades. A orientação do Guaicuy é que essas regras sejam seguidas, para reduzir possíveis riscos à saúde dos moradores.
O Guaicuy atua desde maio de 2020 como assessoria técnica independente nas áreas 4 (Pompéu e Curvelo) e 5 (São Gonçalo do Abaeté, Felixlândia, Morada Novas de Minas, Biquinhas, Paineiras, Martinho Campos, Abaeté e Três Marias), acompanhando as pessoas afetadas pelo rompimento no processo de reparação integral dos danos sofridos com o rompimento. Em diálogo permanente com elas, o Instituto tem recebido com frequência questionamentos sobre o consumo seguro das águas e dos peixes dessas regiões.
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