Era de Guaicuy, ou Uaimiii / Gwaimi-y / , que os povos indígenas da Bacia se referiam ao Rio das Velhas. “Escolher esse nome para o Instituto foi uma forma de referendar os povos indígenas que aqui existem ou existiram. Cadê eles que ocupavam essa região? Onde estão os índios da bacia dos velhas? É uma homenagem para fazer esse elo e marcar a importância que os índios tiveram da região. É um lastro de memória”, recorda o presidente do Instituto Guaicuy, Procópio Castro.
O Instituto Guaicuy nasceu como um braço de apoio do Projeto Manuelzão, que recebeu o seu nome em homenagem a um dos mais famosos personagens de Guimarães Rosa. “Por um lado, a gente reverenciava a comunidade sertaneja dos Gerais e, por outro, as tantas etnias indígenas que aqui viviam. Nós perdemos a memória indígena dessa região. Essa referência se perdeu. Há uma necessidade de resgatar a história nas bacias do Rio das Velhas e do Rio São Francisco. De um lado, homenageamos o povo sertanejo e, do outro, os povos indígenas, a história da terra”, resume o presidente do Instituto Guaicuy.
Antes da ocupação dos bandeirantes, eram mais de cem povos indígenas que habitavam o território que hoje conhecemos como o estado de Minas Gerais. Na busca pelo ouro que abundava o estado, os bandeirantes ocuparam o território, dizimando milhares de indígenas que aqui viviam. Em um artigo na última edição da revista Velhas, do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, o professor da Universidade Federal de Ouro Preto Ricardo Moebus analisou essa história, refletindo sobre como o processo de colonização mineira não só pôs fim à vida de tantas pessoas, mas também deixou perder nos livros de história a relação de afeto e familiaridade que os indígenas cultivavam com o rio.
“Para os bandeirantes, toda a cosmologia dos povos indígenas era algo inexistente ou desprezível, a visão sagrada do mundo, os animismo e o perspectivismo indígena que reconhece a vida e a familiaridade que unifica todos os seres […]. Desse modo, era inatingível para um bandeirantes imaginar que Gwaimi-y, o reconhecimento maior e fundamental da sabedoria dos povos indígenas, poderia ser traduzido como ‘Avó Água’, constatando o profundo entendimento imaterial da natureza e do mundo pelos povos originários. Mãe Terra, Avó Água. A mãe antes da mãe, fonte e berço primeiro de toda vida nesse planeta”, escreveu o pesquisador.
Centenas de anos se passaram e os povos que sobreviveram lutam para manter viva a relação sagrada que cultuam com as águas. Na bacia do Velho Chico, o povo Kaxixó hoje luta para preservar o Rio Pará, já que, após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, os pescadores e turistas do Rio Paraopeba passaram a sobrecarregar os recursos hídricos da região. “É uma relação fraterna [entre rio e indígenas] que passa de pai para os filhos, com o respeito de não tirar do rio além do que precisa. Para os povos indígenas, a relação com o rio é vida, saúde, lazer e fonte de renda”, relata a liderança Kaxixó Liderjane Gomes da Mata.
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