A convite do Guaicuy, lideranças alinharam listas de priorização dos Projetos de Reparação
“A união faz a força. Se o elo da corrente não soltar, a gente puxa até um caminhão”. A frase motivadora de Leandra Cristina dos Santos, moradora do quilombo, ilustra bem o clima amigável da reunião entre as lideranças da Comunidade Quilombola Saco Barreiro e o Povo Indígena Kaxixó, que aconteceu na noite do dia 4 de agosto, na sede do Instituto Guaicuy, em Pompéu.
O encontro teve como objetivo alinhar as listas de priorização dos Projetos de Reparação para a Bacia do Paraopeba, feitas pelos dois grupos. “As Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) falaram com as Instituições de Justiça que, ao longo do território atingido pelo rompimento da barragem, os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) merecem atenção para o acesso às políticas públicas, que é do que se trata o anexo 1.3”, explica Pedro Aguiar, Assessor de Participação Informada do Guaicuy.
Representantes dos indígenas e quilombolas conversaram e puderam expor as necessidades e angústias que se arrastam historicamente e que foram agravadas com o rompimento da barragem da Vale. “Sabemos que temos os mesmos problemas e devemos nos apoiar”, pontua o cacique Nilvando José de Oliveira, das aldeias Kaxixó.
As semelhanças ficam evidentes pela priorização dos projetos listados pelas duas comunidades. Entre as demandas urgentes que se repetem, estão:
Agora, o Guaicuy enviará as listas ao Comitê de Compromitentes, composto pelo Governo de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de Minas Gerais e Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais. A partir desta lista, o Comitê definirá um único projeto voltado aos PCTs do município.
Paula Oliveira, Assessora de Articulação Institucional Guaicuy, celebra que “essa conversa conclui um ciclo e é o início de outros trabalhos da ATI com os PCTs”.
O que se vê hoje nas aldeias Kaxixó e no Saco Barreiro é bem diferente do cenário de antes de 2019, ano do rompimento da barragem da Vale. Aos fins de semana, era comum encontrar os indígenas reunidos na beira do Rio Pará para pescar e aproveitar o dia. No quilombo, futebol, comida e festa atraiam turistas e movimentavam a economia.
“Pescadores que não podem mais pescar no rio Paraopeba migraram para o rio Pará, com isso aumentou o tráfego de pessoas e de lixo, e diminuiu a vazão de água”, conta Letícia Helena de Oliveira, diretora da Escola Estadual Indígena Kaxixó Taoca Sérgia. De acordo com a educadora, a relação com o rio era mais harmoniosa, hoje é difícil até conseguir pescar um peixe.
Ela ressalta a importância de ter voz ativa no processo de reparação: “fomos atingidos indiretamente, precisamos participar desse processo. Tem uma indigena que fala e eu concordo com ela: nada pra nós, sem nós. Como alguém vai chegar num lugar e oferecer um serviço sem conhecer a comunidade e saber suas necessidades? É essencial que a gente tenha voz no momento de escolher, porque senão vai vir pra nós um projeto que não tem sentido, que não vai ser eficiente e que não vai ajudar”.
Uma das necessidades apontadas é o fornecimento de água. A mesma reivindicação acontece no quilombo. Sem água de qualidade para beber, regar plantações e alimentar animais, a incerteza se tornou rotineira. “A nossa vida está extremamente precária, nós fomos atingidos pelo rompimento. Acredito que as outras pessoas também veem assim, porque não vão mais nos visitar, não confiam na nossa comida e na nossa água. A própria natureza mostra o que mudou”, relata Leandra Cristina dos Santos, liderança quilombola.
“Nós estamos no mesmo barco furado, precisamos das mesmas coisas, temos que nos apoiar uns aos outros. Um pau só não faz cerrado”, conclui Leandra.
O Anexo 1.3 faz parte do acordo firmado entre a Vale e o Poder Público em fevereiro de 2021, e destina R$ 2,5 bilhões à realização das propostas. O valor deve ser usado em projetos de reforço a serviços e políticas públicas.
Em novembro de 2021, foi realizada uma consulta popular com os cidadãos dos municípios atingidos, de Brumadinho até a região da represa de Três Marias, para priorizar os projetos que devem ser implementados.
Na época, as ATIs alertaram ao Comitê de Compromitentes que a metodologia da Consulta era excludente, pois foi feita através de aplicativo e dependia de acesso à internet e rede de telefonia, dificuldades conhecidas nas comunidades rurais. E quando se trata de Povos e Comunidades Tradicionais, essas dificuldades comprometem a garantia da consulta prévia.
Neste contexto, o Comitê de Compromitentes entendeu ser pertinente reabrir a etapa da Consulta Popular para os PCTs municípios atingidos.
A seguir, confira o vídeo sobre a Consulta aos Povos e Comunidades Tradicionais nas áreas assistidas pelo Guaicuy.
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