Desembargadores do Tribunal Regional Federal concederam habeas corpus preventivo ao expresidente da Vale Fábio Schvartsman; cabe recurso da decisão
“Uma decisão que envergonha o Brasil e ofende a memória das vítimas”. A Associação dos familiares das vítimas e atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho (Avabrum) assim definiu a decisão da Segunda Turma do Tribunal Federal Regional da 6ª Região (TRF-6) de conceder um habeas corpus preventivo ao ex-presidente da Vale Fábio Schvartsman, em relação ao caso do rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho, em janeiro de 2019.
O julgamento do pedido começou no último dia 6 e foi encerrado nesta quarta, 13, com decisão unânime em favor de Schvartsman. Com isso, ele fica fora da lista da ação penal que envolve outras 15 pessoas, acusadas de homicídio qualificado de 270 pessoas (entre as vítimas duas mulheres grávidas) e crimes ambientais no caso.
O inquérito da Polícia Federal que embasou a ação penal movida pelo Ministério Público Federal (MPF) aponta, entre outras provas, que o ex-presidente recebeu um e-mail (trechos reproduzidos abaixo) de um funcionário não identificado, 16 dias antes do rompimento, alertando sobre “barragens no limite”. A providência tomada por Schvartsman foi pedir a identificação do funcionário, a quem definiu como um “cancro dentro da nossa empresa”.
Os desembargadores do TRF-6, no entanto, concluíram que não há indícios de conduta criminosa por parte do , mas ressalvaram que o MPF pode oferecer nova denúncia ao ex-presidente da Vale com base em novas provas.
A presidente da Avabrum, Alexandra Andrade, declarou ao jornal Voz Ativa: “Não aceitamos nem aceitaremos mais os comentários de que as leis penais e de processo penal são antigas e não estão à altura do que aconteceu. Qualquer pessoa sabe que matar é crime e que quando alguém mata deve ser punido pelo que fez. Se de fato há lacunas na denúncia, como disseram os desembargadores, entendemos que ela precisa ser complementada o mais rápido possível por quem tem a atribuição de fazê-lo”.
No seminário “5 Anos Sem Justiça”, realizado em 25 de janeiro, o delegado da Polícia Federal, Cristiano Campidelli, e o promotor de justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Francisco Generoso, afirmaram que as investigações do caso provam que as empresas Vale e Tüv Süd, consultoria alemã que emitiu laudo atestando a segurança da barragem, priorizaram os lucros em detrimento à segurança das pessoas.
Na ocasião, Generoso leu um e-mail enviado à presidência da Vale em 9 de janeiro de 2019, em que um funcionário escreve o seguinte: “Estamos com grandes desafios pela frente. Nossas instalações estão carentes de investimentos correntes para a adequação mínima; recursos humanos deficitários e mal remunerados nas áreas de operação, manutenção e engenharia; plantas incendiando; equipamentos quebrando; barragens no limite; relação estéril [rejeito]/minério abaixo do mínimo aceitável. Nos próximos anos precisamos resgatar isso, para que as condições mínimas de operação segura para pessoas e instalações sejam garantidas. Não há mais como reduzir custo na área operacional.”
Ao que Schvartsman respondeu: “Gostaria de descobrir quem é este camarada, que acha que pode escrever essa montanha de desaforos impunemente. O sujeito é um cancro dentro da nossa empresa e pode fazer mal a toda organização. Nós esgotamos todos os caminhos para identificar o camarada? Inclusive todos os recursos de TI [tecnologia da informação]?”
Professor da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano mostrou perplexidade e indignação com a decisão. “Do jeito que o processo criminal avança, no sentido de não responsabilização do presidente, de outros níveis hierárquicos da empresa e mesmo da consultoria Tüv Süd, há de chegar uma hora em que vai se propor uma ação contra as vítimas, por estarem no lugar errado, na hora errada.”
E completou: “Estão tendo um entendimento como se a instituição fosse um ser abstrato, sem corpo, isso é de um surrealismo absurdo. Mas são pessoas, que têm suas posições de liderança e seus ganhos, tanto quanto devem ter responsabilidade civil.”
Há cinco anos, em 25 de janeiro, Brumadinho foi marcada pelo rompimento que resultou em 272 mortes de funcionários da empresa e terceirizados. O impacto se estende por 26 municípios da Bacia do Rio Paraopeba e deixa uma ferida socioeconômica e ambiental cujas dimensões ainda não são completamente mensuradas.
Texto de Projeto Manuelzão
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