As medidas de reparação e mitigação das violências causadas pela mineração no Brasil e em Minas Gerais são garantidas por duas leis. A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) e a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab) são normas alcançadas após muita luta e mobilização das pessoas de comunidades afetadas por grandes empreendimentos, e buscam contribuir para o retorno de uma vida digna para quem teve suas realidades atravessadas pela ação irresponsável destas empresas.
Segundo Ana Clara Amaral, especialista em reconhecimento do Instituto Guaicuy, por mais que já existissem leis com definições sobre obrigações e regras técnicas necessárias de serem seguidas por estes empreendimentos, nenhuma focava nas ações de prevenção e reparação aos direitos violados pelas ações irresponsáveis das empresas “As duas leis focam nas necessidades das pessoas atingidas em todos os momentos da implementação de uma barragem, não apenas no setor minerário. E estabelece o direito para que essas necessidades sejam minimamente atendidas, bem como as obrigações do Estado e empresa empreendedora para que os direitos sejam efetivados. Tudo isso é muito importante, diante de um cenário com tantos conflitos causados pela mineração, como temos no Brasil”, complementa. Ela defende que é necessário relembrar e reafirmar, em cada espaço de debate sobre esse tema, a existência destas normativas.
As duas leis trazem conceitos definidores do que pode ser entendido como pessoa atingida e o que deve ser reparado, além de determinarem a garantia da assessoria técnica independente no processo de reparação. Porém, cada uma dá um enfoque diferente. “Em ambos os casos está prevista a participação de pessoas atingidas em todas essas instâncias, mas a composição segue detalhamento específico em cada lei”, pontua Ana Clara.
A PNAB é uma reivindicação de comunidades afetadas por desastres relacionados à mineração predatória e de movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). O objetivo é que ela ajude a prevenir e evitar novas tragédias, como as ocorridas em Mariana e Brumadinho. Ela foi sancionada em dezembro de 2023 pelo presidente Lula e define instruções e orientações para a reparação dos direitos violados pelas grandes empresas, assim como pelas construções e outros prejuízos decorrentes dos empreendimentos. Para atingir essa meta, a normativa estabelece os direitos e deveres do Estado Brasileiro e regras de responsabilidade social dos empreendedores, como as empresas responsáveis por mineração.
Para acompanhar, fiscalizar e avaliar a formulação e implementação da PNAB, foi criado, em âmbito nacional, um órgão colegiado de natureza consultiva e deliberativa. E para cada caso concreto, quando houver evento que se enquadre na política, também deverá ser constituído um Comitê Local da PNAB com composição tripartite, ou seja, por três órgãos independentes,. e caráter provisório, a quem caberá acompanhar, fiscalizar e avaliar o PDPAB aplicável ao caso.
Entre outros avanços, a legislação é importante para unificar os direitos de comunidades em todo o país ao definir o conceito de atingimento, estabelecer deveres para as empresas causadoras dos danos, apontar diretrizes para a reparação e estruturar ferramentas de participação popular em todo o processo. O direito à participação livre, informada e prévia, o direito à Assessoria Técnica Independente (ATI) e o direito à negociação coletiva dos termos da reparação integral são também garantidos pela PNAB.
Saiba mais sobre a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens
Lei Estadual: PEAB
A PEAB surgiu como projeto de lei em 2015, no bojo da Comissão Extraordinária de Barragens, após o desastre da Samarco em Mariana. Após anos de mobilização popular e articulações políticas, a lei foi aprovada em janeiro de 2021. Ela determina que o Governo do Estado de Minas Gerais preste assistência social às pessoas atingidas por barragens.
O objetivo é resguardar populações impactadas, mesmo que indiretamente, em perdas materiais, condições de trabalho, qualidade de vida ou saúde. A norma abrange todas as ações prévias, concomitantes e posteriores às atividades de planejamento, construção, instalação, operação, ampliação, manutenção ou desativação de barragens. Por isso, as pessoas atingidas devem ter assistência em todos esses momentos.
Além de especificar os direitos das pessoas atingidas, a lei estabelece o Plano de Recuperação e Desenvolvimento Econômico e Social (PRDES), que trata das ações necessárias para que haja reparação integral dos danos socioeconômicos que as barragens podem acarretar. Esse plano precisa ser escrito de forma acessível para a população e deve conter, também, os prazos e os custos estimados para a efetividade da reparação. O PRDES também prevê que existam mecanismos para acompanhamento e monitoramento social da reparação integral. Quem elabora, faz a gestão, executa e arca com os recursos do financiamento do PRDES é o empreendedor da barragem.
A lei lista algumas diretrizes, contendo objetivos e direitos das pessoas atingidas, entre eles o direito à informação, em linguagem simples, relativas à participação social nos processos de execução da PEAB. Além disso, também define a garantia da negociação prévia e coletiva sobre as formas e parâmetros de reparação dos impactos socioeconômicos, entre outros.
Regulamentação
Ambas as leis já estão em vigor, gerando frutos concretos. É possível perceber a forma como elas têm fundamentado decisões judiciais e adequado a atuação do Estado, que vem, por exemplo, garantindo a participação das pessoas atingidas na elaboração de uma política de saúde voltada a essas populações. Mas ainda falta que elas sejam regulamentadas, um processo que vai definir e detalhar a forma correta como elas serão cumpridas. Em ambos os casos, tanto o Governo Federal quanto o Governo do Estado criaram Grupos de Trabalho (GTs) para discutir a regulamentação das leis. No caso do Governo Federal, o Ministério de Minas e Energia que está coordenando o GT, que ainda conta com a participação de outros órgãos do governo federal. Na primeira reunião, em março deste ano, foi estabelecido um diálogo com o MAB com o intuito de discutir a forma como as pessoas atingidas irão participar desta construção. Já no caso do Governo do Estado de Minas Gerais, o GT foi criado em outubro de 2022 e não conta com nenhuma participação de pessoas atingidas pelas barragens.
Segundo Ana Clara, a ausência de uma regulamentação não impede que elas sejam cumpridas, mas faz com que o Judiciário aplique da maneira como julgar ser melhor. “Mesmo após a regulamentação, vários conceitos devem continuar em disputa, como a extensão da reparação integral, o papel das Assessorias Técnicas Independentes e o próprio funcionamento das instâncias deliberativas, tudo isso em busca da garantia do protagonismo das pessoas atingidas na tomada de decisão desses processos”, afirma Ana Clara.
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