Após muita pressão popular, a Resolução Conjunta 001/2022 SEMAD/SEDESE, que regulamentava a Consulta Prévia e Livre dos Povos Tradicionais (PCTs), foi revogada na última terça-feira (30). A resolução era criticada por determinar que apenas algumas comunidades certificadas seriam consultadas e que as próprias empresas interessadas na exploração dos territórios seriam as responsáveis por realizar a consulta.
“A resolução surge como uma proposta do governo de Minas Gerais para regulamentar o processo de Consulta Livre, Prévia e Informada para os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) do estado. Contudo, a resolução nasce com diversos equívocos e vícios de origem. Ela não segue as diretrizes da convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, assim como entra em contradições com a própria legislação brasileira e mineira. A resolução também possibilita aos empreendimentos realizarem a consulta diretamente com as comunidades tradicionais, sendo que isto é um papel que deve ser executado pelo Estado”, avalia Pedro Aguiar, especialista em Participação Informada e PCTs do Instituto Guaicuy.
Segundo Pedro, a resolução também permitia ao governo estadual a definição de quais seriam os PCTs a serem consultados e buscava atribuir aos povos indígenas a mesma normativa, apesar da competência ser exclusiva do governo federal. “O fato da própria resolução ter sido elaborada sem consultar os PCTs de Minas Gerais faz com que ela viole a Convenção 169 da OIT”, completa o especialista do Guaicuy.
Entre os dias 19 e 21 de maio, em Ribeirão das Neves, aconteceu o Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, organizado por diversas entidades da sociedade civil e organizações, com apoio de mandatos parlamentares. Nele, um dos principais assuntos discutidos foi a revogação da Resolução Conjunta.
“Por conta dos problemas da resolução, os Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais se organizaram e, junto a diversas organizações e com o apoio de parlamentares, atuaram cobrando o estado para que a resolução fosse revogada. Ao final, conquistaram a vitória, com a revogação da resolução, publicada no Diário Oficial de Minas Gerais no dia 31/05/23”, completa Pedro.
A Consulta Prévia Informada e De Boa Fé é um direito de indígenas, quilombolas e PCTs, assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e vigente no Brasil desde o ano de 2004, quando foi promulgado e ganhou força de lei. Trata-se de um instrumento que traz avanços no reconhecimento dos direitos coletivos nos aspectos econômicos, sociais e culturais, além de garantir que se respeite o tempo de decisão e o modo de vida dos povos tradicionais.
Uma das formas de exercer esse direito é pelo Protocolo de Consulta Prévia, um documento normativo, por meio do qual a comunidade expressa a sua voz, dita as regras de como quer ser consultada, descreve suas instituições representativas e formas de decisão. Desse modo, os protocolos consagram o direito à autodeterminação e o respeito ao tempo e ao modo de vida dos povos tradicionais
Em abril de 2022, a medida adotada pelas secretarias estaduais de Desenvolvimento Social (Sedese) e de Meio Ambiente (Semad) regulamentou a consulta prévia, de obrigação do Estado. Foi estabelecido que somente comunidades certificadas pela Fundação Palmares, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e pela Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (CEPCT-MG) deveriam ser consultadas.
A medida também beneficiava as empresas interessadas na exploração dos territórios tradicionais, já que definia serem elas próprias as responsáveis por realizar a consulta – e não o Estado. Outro ponto crítico era o prazo de 45 dias estabelecido para a elaboração dos protocolos e de 120 dias para a aplicação da consulta.
De acordo com a Fundação Nacional do Índio, o povo Kaxixó é a quarta comunidade a consolidar o documento em Minas Gerais. Os Krenak foram os primeiros do estado a construir o protocolo, em 2017, seguido da Aldeia Caturama e da Aldeia Naô Xohã, ambas do Povo Pataxó e Pataxó Han Han Hae, que concluíram o mesmo processo no começo de 2022.
Em publicação no Instagram, ao divulgarem o protocolo de consulta, representantes do Povo Kaxixó afirmam que a comunidade quer ser consultada antes de qualquer decisão que diga respeito à ela. “Não aceitamos que seja colocado em curso qualquer projeto que envolva nossas águas e território sem consulta prévia. Nenhum órgão poderá se posicionar sobre nosso território sem antes nos consultar”, diz a nota.
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