As obras de descomissionamento da Barragem Doutor, da Vale, iniciadas em fevereiro de 2020, vêm causando, dia após dia, angústia e medo nos moradores de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto. Após diversas denúncias por parte dos representantes da comunidade às instituições de Justiça, na quinta-feira (20) a mineradora precisou interditar o canal vertedouro, estrutura inaugurada há cerca de um mês pela empresa para evitar o acúmulo de água na barragem.
As obras foram feitas com a promessa de deixar o descomissionamento mais seguro, mas não resistiram às chuvas das últimas semanas. “Como conseguir viver em um lugar onde os riscos existem o tempo todo e a Vale não oferece nenhum diálogo aberto sobre a reparação dos danos que ela segue causando, diariamente?”, questiona Ana Carla Cota, geóloga e moradora do distrito.
De acordo com Ana Carla, que é integrante da Comissão dos Atingidos pela Barragem Doutor, a construção do canal foi feita sem aviso prévio, e causou insegurança desde o princípio. “Desconfiamos, pois percebemos a movimentação de caminhões na estrada e nuvens de poeira chegando até a casa das pessoas. Só depois de procurar a Justiça conseguimos saber que se tratava da construção de um canal vertedouro”, relembra. Depois de pronta, a estrutura continuou sendo motivo de medo. “Nas fotos e nos vídeos que nós, moradores, fizemos, é possível ver como a estrutura é tão frágil que desmanchou que nem açúcar, mesmo tendo tido o aval inclusive da Defesa Civil de Ouro Preto. Então eu me pergunto: em quem podemos confiar?”, desabafa.
Histórico
A história de Antônio Pereira se confunde com a história e com os impactos sistêmicos da mineração na região, mas foi entre o final de 2018 e o início de 2019, que essa relação se transformou num flagelo para as comunidades. Se a segurança da barragem do Doutor, ainda ativa na época, já era vista com desconfiança pela população vizinha e pelo poder público, o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho fez ruir a alegada estabilidade de Doutor. Em março de 2019, a Justiça acatou o pedido constante de ação movida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e determinou a suspensão das atividades da barragem, depois que uma empresa contratada para atestar a segurança da estrutura não garantiu sua estabilidade.
Quase um ano depois, a Vale deu início às obras de descomissionamento da barragem e a retirada das famílias da chamada Zona de Autossalvamento (ZAS), trecho do vale a jusante da barragem em que não haja tempo suficiente para intervenção da autoridade competente em situação de emergência, conforme mapa de inundação. As obras de descaracterização da estrutura seguem causando danos ao distrito. Além do medo do rompimento e do deslocamento forçado, hoje os moradores convivem com problemas como nuvens de poeira e poluição sonora constantes devido às atividades da mineradora.
Relembrando
Eleito, em fevereiro deste ano, com mais de dois terços dos votos da comunidade (67,34%), com resultado homologado no mês seguinte pela mesma magistrada, o Guaicuy apresentou e teve aprovado pelo Ministério Público de Minas Gerais, ainda em maio, seu Plano de Trabalho.
De junho em diante, o lento percurso processual vem prolongando a espera e aumentando a aflição das pessoas atingidas, que exigem a presença da ATI para que possam, enfim, ter acesso a informações confiáveis e de alta qualidade técnica para dimensionar as perdas, materiais e intangíveis, provocadas pela ação
Sobre o Instituto Guaicuy
Criado no ano 2000 por pesquisadores, professores e ativistas sociais que atuavam no projeto Manuelzão (UFMG), o Instituto Guaicuy é uma entidade não governamental associativa, cultural e técnico-científica sem fins lucrativos. Seu trabalho é desenvolver ações socioambientais, culturais e educativas voltadas para a preservação e a recuperação ambiental, à promoção da saúde e da cidadania. Atualmente o Guaicuy conduz o Água Limpa Para Todos, focado na educação ambiental como forma de preservação de nascentes em um bairro de Itabirito, além de dois projetos de Assessorias Técnicas Independentes (ATI). Na bacia do Paraopeba, o Instituto acompanha o processo de reparação das regiões 4 (Curvelo e Pompeu) e 5 (região do Lago de Três Marias), afetadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Já em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, o Instituto presta assessoria técnica para a comunidade que convive nos últimos anos com o risco de rompimento da barragem Doutor, também pertencente à mineradora.
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