Instituto Guaicuy

Moradores de cidades do entorno de Três Marias se manifestam contra a criação de usina da Cemig

1 de novembro, 2023, por Wesley Costa

A proposta da empresa é ocupar 55 hectares do espelho d’água para a implantação de painéis solares. Moradores temem prejuízos na pesca, turismo e comércio. 

A construção de uma usina fotovoltaica pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) no espelho d’água da Represa de Três Marias foi tema de uma Audiência Pública realizada na última segunda-feira, 30/10. O debate acalorado mostrou a força de pescadores e de outros tantos profissionais da pesca, turismo e comércio que vivem das águas do reservatório e que estão em luta contra um possível novo atingimento. 

A Audiência Pública, realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), teve como objetivo discutir os impactos socioambientais que podem ser provocados com a instalação de uma Usina Fotovoltaica Flutuante (UFF) no reservatório de Três Marias, pela Cemig.

A reunião, proposta pela Deputada Estadual Beatriz Cerqueira (PT) na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da ALMG, contou com a participação de lideranças e moradores de cidades localizadas às margens da Represa de Três Marias, incluindo profissionais dos setores da pesca, comércio e turismo. 

A audiência deixou explícita a revolta de pessoas que vivem em cidades no entorno da represa, em especial no município de Três Marias, e que hoje se vêem diante de um iminente novo atingimento.

Foto: Daniela Paoliello / Instituto Guaicuy

O que foi discutido?

Várias foram as manifestações contrárias à instalação das placas solares da Cemig no espelho d’água do reservatório de Três Marias. Uma das principais queixas é que a população não foi consultada sobre a instalação da usina, e que esse empreendimento pode impactar diretamente a economia e modos de vida local. 

Thais Castelo Branco, da Comissão de Pessoas Atingidas de Nações Unidas, de Três Marias, disse: “Três Marias foi atingida pelo crime da Vale. A Região 5 entrou no Acordo 2 anos depois. Entramos no Acordo, mas não chegou nenhuma reparação. E agora estamos sendo impactados de novo, atingidas e atingidos de novo com este projeto. E não sabemos para quê, e nem para quem”, criticou. 

O representante da Comissão de Pessoas Atingidas de São José do Buriti, Francisco Hélio dos Santos, também destacou o fato da população não ser ouvida sobre a construção do projeto. “Eu acho engraçado que o governo, durante os 4 anos, tem a data ali que ele vai te ouvir, que ele quer o seu aval. E nesse momento ele não quer ouvir a comunidade, os impactos, o que está acontecendo com as pessoas”, comentou. 

Os impactos no turismo na região também foram assunto na Audiência Pública. O medo de empreendedores e comerciantes é que a instalação dos painéis solares flutuantes afaste os turistas. Vicente de Paulo Resende, representante do setor de Comércio e Turismo de Três Marias, afirmou que: “O turismo em Três Marias envolve basicamente beleza cênica, ninguém vai a Três Marias tirar foto de placa solar. As pessoas vão a Três Marias para interagir com o pescador, conversar com o pescador. Para comprar um pescado, para navegar, para nadar nas águas do Velho Chico e principalmente da represa.”

Outro ponto bastante questionado na audiência foram as licenças ambientais conseguidas pela Cemig e a falta de estudos de impactos social, econômico e ambiental gerados pela instalação dos painéis solares. 

A diretora do Instituto Guaicuy Carla Wstane, falou da necessidade de garantir a proteção das águas por meio de normativas para projetos como este. Carla também mencionou o histórico da Cemig de provocar alterações brutais no ecossistema por conta da represa e questionou sobre a falta de estudos e divulgação das informações. O Instituto Guaicuy presta Assessoria Técnica Independente (ATI) às pessoas da região da Represa de Três Marias, no contexto do desastre-crime da Vale em Brumadinho. 

“Temos a questão das placas no espelho d’água que nós aguardamos estudos, mas tem o aquecimento tanto na parte de cima, mas também na parte de baixo das placas que afetam diretamente a luminosidade da água, provocando um certo aquecimento do ambiente aquático que pode alterar a fisiologia, os fitoplânctons, que são os alimentos básicos para os peixes e para todo o ecossistema”, disse Carla.

O terceiro atingimento 

Vicente de Paulo Resende, do setor de Comércio e Turismo de Três Marias, também lembrou durante a audiência que a instalação das placas solares flutuantes pode ser a continuação de uma série de atingimentos que a população da região sofre há 50 anos, desde a construção do reservatório. 

“Três Marias nasceu através da Represa de Três Marias, provocando uma diáspora aos pequenos produtores rurais. Esse povo, pequenos produtores rurais, foram expulsos de suas terras de forma absurda. Três Marias e todas as cidades ao redor do lago viveram anos tentando se adaptar a essa nova situação, de um lago que não trazia riqueza. Mas a natureza é muito sábia, a natureza procurou se adequar àquele mar de Minas e as pessoas se adaptaram àquela nova situação. Agora, em 2023, vem a Cemig. […] Eu, como cidadão e como ex-prefeito, eu pergunto se a Cemig já fez algo de bom para o município de Três Marias”, desabafou. 

Essas transformações abruptas na região, decididas pelo Governo do Estado e por empresas como a Cemig, expõe um cenário de revitimização das populações do entorno do lago de Três Marias. 

Carla Wstane, do Instituto Guaicuy, observa que: “Separar na vida dessas pessoas quais são os danos que são de um grande empreendimento ou de outro grande empreendimento é muito difícil. Porque, na verdade, os danos são sobrepostos. Então, temos aí, desde a implantação da Represa de Três Marias uma sobreposição de danos que vem afetando essas pessoas diariamente.” 

Duas perguntas sem respostas 

Thadeu Carneiro da Silva, Diretor de Geração e Transmissão da Cemig, não respondeu todas as perguntas feitas durante a audiência. O representante afirmou que não existem projetos para a construção de outra UFF na represa de Três Marias, e que o novo empreendimento será apenas uma usina flutuante, que vai ocupar 55 hectares na área em frente à empresa. 

O diretor também citou os possíveis benefícios gerados pela implantação dos painéis solares, como geração de empregos e produção de energia limpa, e apresentou um mapa aproximado da provável localização da usina flutuante. 

A Cemig, no entanto, não respondeu sobre a estimativa do impacto nos empregos locais, que abrange as diversas áreas de economia ligadas à represa, incluindo lazer, pesca, turismo, comércio e hotelaria. A empresa também não indicou fundamentos ou estudos para justificar a afirmação de que o empreendimento não irá causar impacto ambiental.

Imagem: Reprodução Assembleia Legislativa de Minas Gerais (Canal do YouTube)

Duas perguntas não foram respondidas por Thadeu da Silva. Quando questionado por três vezes pela deputada Beatriz Cerqueira se a Cemig vai instalar os painéis solares mesmo que a população de Três Marias não queira, o diretor deu uma resposta vaga e não fez afirmações. 

A outra pergunta também feita pela deputada Beatriz Cerqueira e que não teve resposta foi sobre a “qual Cemig” interessa a construção dessa UFF, se é a Cemig estatal ou a Cemig que pode ser privatizada, de acordo com o desejo do Governo do Estado. 

O medo em relação a uma possível privatização da Cemig é crescente e ganhou ainda mais força no começo deste mês, quando o Governo de Minas apresentou, de maneira informal, aos deputados estaduais o projeto de transformar a Cemig em uma corporação

Luiz Carlos de Araújo, da Comissão de Pessoas Atingidas da Zona Rural de Abaeté, refletiu sobre o sucateamento da Cemig ao longo dos anos e sobre como isso parece ser articulado para que as empresas estatais sejam privatizadas até poder dar lucro para poucas pessoas. “A Cemig não tem condições de tocar essa hidrelétrica? Será que eles não têm mais condições? O Estado não tem condições, não? Por que que na mão do Estado dá prejuízo? Na hora que privatizar vai dar lucro? Vão cometer o mesmo erro que cometeram com a Vale há uns atrás, com a nossa Vale do Rio Doce, que antes ela dava prejuízo e hoje ela dá lucro, e muito”, questionou.

Encaminhamentos 

A deputada Beatriz Cerqueira (PT) e o deputado Professor Cleiton (PV) protocolaram o Projeto de Lei (1659/2023), que proíbe a instalação das placas fotovoltaicas flutuantes na Represa de Três Marias. 

Além disso, uma audiência pública será realizada na Câmara dos Vereadores de Três Marias, com a participação da população e de representantes da Cemig. 

Participantes 

Além das lideranças e moradores de comunidades no entorno da Represa de Três Marias, participaram da audiência o deputado estadual Tito Torres (PSD), que é o Presidente da Comissão, o deputado estadual Professor Cleiton (PV), a deputada estadual Leninha (PT) e o deputado federal Rogério Correia (PT-MG). 

A Cemig enviou como representantes João Paulo Menna Barreto de Castro Ferreira, Diretor Adjunto de Relações Institucionais, e Thadeu Carneiro da Silva, Diretor de Geração e Transmissão. E o Governo de Minas Gerais foi representado por Pedro Oliveira de Sena Batista, Superintendente de Política Minerária, Energética e Logística da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico.

Francisco Hélio dos Santos, de São José do Buriti (Felixlândia), e Luiz Carlos de Araújo, da Comissão de Pessoas Atingidas da Zona Rural de Abaeté, compuseram a mesa como representantes da Região 5. O Instituto Guaicuy foi representado por Carla Wstane. Fernanda de Oliveira Fortes, representou o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), e Altino Rodrigues Neto representou o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). 

Veja todas as fotos da audiência aqui! 

Gostou do conteúdo? Compartilhe nas redes sociais!

O que você achou deste conteúdo?

O seu endereço de e-mail não será publicado. Todos os campos são obrigatórios.

Ao comentar você concorda com os termos de uso do site.

Assine nossa newsletter

Quer receber os destaques da atuação do Guaicuy em primeira mão? Assine nosso boletim geral!