Instituto Guaicuy

Mulher é que nem água: sempre encontra um caminho

21 de maio, 2024, por Laura de Las Casas

Mudar os rumos da vida não é fácil, mas quando se tem amigas por perto, qualquer missão parece mais possível

Assim foi com Valdecina Alves de Jesus, 59 anos, moradora do Recanto da Siriema, em Felixlândia. Durante muitos anos, ela teve os penteados, as tintas e os cortes como parte de seus trabalhos diários como cabeleireira. O correr do dia a dia foi parando de fazer sentido, com o tempo, por dar pouco retorno financeiro e satisfação pessoal, mas mudar de profissão parecia algo difícil para quem tinha se dedicado tanto tempo àquele ofício.

“Foi quando, há uns quinze anos, a Dulce, minha melhor amiga, me convidou a aprender a pescar com ela. Parecia tão distante da minha realidade, mas ela me embalou numa canoa e me fez ver que nunca é tarde pra gente aprender algo novo”, relembra Val. Hoje em dia, quase duas décadas depois, os grampos, secadores e tesouras de cabelo foram trocados pelas redes e pelo barco, sendo a pesca a principal fonte de renda da família.

Val e Dulce em uma das imersões pelas águas da Represa de Três Marias – Foto: Arquivo Pessoal

Já a Dulce, Dulcilane Ponto, 53 anos, aprendeu a pescar há trinta anos com a amiga Josefa, também de Felixlândia. Casada com um pescador profissional, ela observava todas as artimanhas do marido e as repassava para quem tivesse interesse. Na época, Dulce trabalhava em um restaurante e também queria mudar de ares. Então, resolveu aceitar a proposta de Josefa para entender melhor os ofícios da pescaria. “Ela me ensinou a tecer e a entranhar rede, me ensinou os lugares certos de jogar a redee tudo mais do que sei”, relembra. Anos depois, Dulce conheceu Val em sua vizinhança, e viu surgir ali uma relação de muita amizade e confiança. Ao perceber a amiga cabeleireira desanimada com a vida profissional, Dulce se lembrou de quando Josefa a ajudou a se encontrar. “Perguntei à Val se eu podia mostrar como a vida pode ser boa dentro de um barco, buscando peixe. A gente não imaginava que seria tão ivertido”, relembra.

As pescarias aconteciam no começo da manhã e também de tarde, mas as “aulas” não terminavam quando elas saíam da represa. “Depois de recolher a rede, farta de peixe, era hora de levar pra casa e limpar tudo, fazer o nosso estoque para vender. Também tinha que dormir cedo. No dia seguinte, era hora de recomeçar”, diz Val. Quando começou a se sentir segura para enfrentar o barco sozinha, Val tirou sua carteira de pescadora profissional e decidiu deixar de vez os salões de beleza. Dulce se orgulha de ver a amiga há tantos anos colocando em prática o que aprendeu nos dias de imersão na Represa de Três Marias. “Agora ela pesca que nem eu, e eu gosto de ver a satisfação dela quando volta com o barco cheio. Viver do que a natureza nos dá”. Já Valdecina, tem certeza de que nunca irá esquecer o gesto da amiga no momento em que mais precisou. “Me sinto segura nas águas da represa. Deve ser porque aprendi a desbravar tudo isso com o carinho de outra mulher segurando a minha mão. Desse jeito a gente não tem medo de nada, a gente reinventa quantas vezes for preciso”, conclui.

Um novo começo

Com o fim da piracema, começavam logo cedo, junto do sol, os dias de pescaria entre as amigas. Organizar a rede no barco e entender o jeito certo de remar foram os primeiros passos. “Me lembro de rir muito olhando a Val remando sem conseguir sair do lugar. Hoje em dia, a gente tem barco a motor, mas naquela época era no braço que a gente conduzia a canoa. Demorou um pouco, mas ela pegou o jeito”, conta Dulce. Val, sempre atenta e bem humorada, ia
prendendo o jeito certo de jogar a rede e depois recolher, sem perder os peixes capturados. “Parece simples, mas tudo tem que ser feito com agilidade e jeito. É só treinando para entender”, pontua a ex-cabeleireira.

As duas amigas aproveitavam o trajeto para jogar conversa fora, desabafar, relembrar casos antigos e mergulhar na represa para refrescar. “Se minha canoa tivesse ouvidos, saberia todos os nossos segredos”, comenta Dulce, rindo. Com a prática cada vez mais refinada, os peixes chegavam em abundância: curimatá, piranha, mandinha, surubim, dourado. “O que aparecia na rede era celebrado, sinal de que eu estava aprendendo direitinho”, conta Val.

As pescarias aconteciam no começo da manhã e também de tarde, mas as “aulas” não terminavam quando elas saíam da represa. “Depois de recolher a rede, farta de peixe, era hora de levar pra casa e limpar tudo, fazer o nosso estoque para vender. Também tinha que dormir cedo. No dia seguinte, era hora de recomeçar”, diz Val. Quando começou a se sentir segura para enfrentar o barco sozinha, Val tirou sua carteira de pescadora profissional e decidiu deixar de vez os salões de beleza. Dulce se orgulha de ver a amiga há tantos anos colocando em prática o que aprendeu nos dias de imersão na Represa de Três Marias. “Agora ela pesca que nem eu, e eu gosto de ver a satisfação dela quando volta com o barco cheio. Viver do que a natureza nos dá”. Já Valdecina tem certeza de que nunca irá esquecer o gesto da amiga no momento em que mais precisou. “Me sinto segura nas águas da represa. Deve ser porque aprendi a desbravar tudo isso com o carinho de outra mulher segurando a minha mão. Desse jeito a gente não tem medo de nada, a gente reinventa quantas vezes for preciso”, conclui.

 

Reportagem publicada no Piracema – 12ª Edição

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