Na sequência da série “Tecendo redes: saúde e assistência social”, o Instituto Guaicuy entrevista a educadora social Moacira Ramos Bartolomeu, que atua no CRAS de Antônio Pereira e contribui com o Canal das Moças, um grupo que promove cidadania e geração de renda para mulheres atingidas pela Vale no distrito.
Focado no público feminino, o grupo Canal das Moças foi criado em 2022, pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Antônio Pereira, para ajudar mulheres atingidas a lidarem com questões como violência, sexualidade, saúde, renda e convívio social. Todas essas dimensões da vida foram negativamente alteradas pela mineração predatória no distrito. A atividade extrativista impõe a presença de muitos homens, trabalhadores das empresas ligadas à mineração, além do medo do rompimento e outros danos causados pelo descomissionamento da Barragem Doutor, da Vale.
O grupo, que é aberto para todas as mulheres da comunidade, acontece sempre às quarta-feiras, das 13h às 15h, no CRAS Antônio Pereira – Rodovia 129 Km 130 (que liga Antônio Pereira à Mariana).
Mulheres atingidas e luta por direitos
Em contextos de conflito socioambiental, causados pela mineração predatória, são muitas as violações de direitos e as vulnerabilidades impostas às comunidades atingidas. Numa sociedade em que as desigualdades de classe, raça e gênero imperam, as vidas das mulheres atingidas, principalmente mulheres pobres e negras, são sempre as mais precarizadas.
A partir de muita luta e organização coletiva, foi criada a Lei nº 23795, de 15/01/2021 que institui a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB). Essa lei prevê o Plano de Recuperação e Desenvolvimento Econômico e Social (PRDES), que, entre outras coisas, abrange ações e mecanismos de monitoramento social para “a reparação integral de impactos socioeconômicos decorrentes da construção, instalação, operação, ampliação, manutenção ou desativação de barragens”. Não por acaso, a PEAB lista as parcelas mais vulnerabilizadas das populações atingidas para que sejam priorizadas no PRDES, e também não é coincidência que o primeiro grupo listado seja, justamente, as mulheres:
O PRDES direcionará prioritariamente ações a mulheres, crianças, adolescentes, jovens, idosos, pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade e às populações indígenas, quilombolas e tradicionais, considerando suas especificidades.
A luta das mulheres por garantia de direitos é histórica e tem transformado significativamente a nossa sociedade ao longo dos anos. As conquistas por direitos civis, bem como o direito à reparação justa e integral dos danos causados por barragens da mineração, sempre tiveram mulheres como protagonistas. Mas é sempre necessário ter atenção para o que alertava, já em 1949, a filósofa Simone de Beauvoir em seu livro “O segundo sexo”:
nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.
Mulheres são como as águas, crescem quando se encontram
A relação entre as mulheres do distrito de Antônio Pereira e delas com as águas da região são fortes e profundas. É possível confirmar isso ao perceber que são elas, as mulheres, que estão à frente da luta pela reparação integral dos danos causados pelo risco de rompimento, descaracterização e descomissionamento da Barragem Doutor, da Vale. Muitas dessas mulheres tiravam o sustento de suas famílias das águas, do garimpo tradicional, e sofrem com a descriminação e criminalização por essa atividade, sendo impedidas pela Vale de garimpar na comunidade. São essas, e outras mulheres, que compõem o grupo Canal das Moças, articulado pelo CRAS do distrito.
Com os objetivos como fortalecer esse grupo de mulheres, trabalhar a perspectiva dos Direitos Humanos, fomentar a economia solidária, ampliar os vínculos da ATI na comunidade e desenvolver atividades manuais junto a essas mulheres, o Instituto Guaicuy integra, mensalmente, esse encontro. Em 2023 já foram realizadas oficinas com temas como vínculo; autonomia; economia solidária e autocuidado. Em 2024 os encontros da ATI com as mulheres acontecem sempre na última quarta-feira do mês, das 13h30 às 15h30. Todas as mulheres de Antônio Pereira estão convidadas a participarem desse importante espaço coletivo.
Pensando em ampliar o alcance dessa iniciativa potente, que é o Canal das Moças, o Instituto Guaicuy, que atua como Assessoria Técnica Independente da comunidade, entrevistou a educadora social Moacira Ramos Bartolomeu. Confira a entrevista completa:
IG: Quais as situações e contexto que levaram a necessidade de criação do grupo Canal das Moças em Antônio Pereira?
Moacira: Esse grupo foi criado por uma pedagoga, a Gisele, que trabalhou aqui com a gente no CRAS. Ela pensou, com muito carinho, que as mulheres iam gostar, que a gente poderia fazer várias atividades com elas aqui. Tem muitas mulheres que trabalhavam no garimpo, então com esse negócio da Vale, muitas não podem mais ir garimpar. Então ela pensou que fazer esse grupo poderia trazer essas mulheres mais para perto da gente. Com essa obra da Vale [descomissionamento da Barragem Doutor] o pessoal não está mais podendo mexer com garimpo, por isso, a maioria das mulheres que frequentam o Grupo Canal das Moças é de garimpeiras.
IG: Como, quando e com qual propósito surgiu essa iniciativa?
Moacira: O Grupo Canal das Moças foi criado porque tem muitas mulheres que trabalham no garimpo, que agora com esse negócio aí da Vale não tem muito o que fazer. Tem muitas mulheres que gostavam do garimpo, então é um grupo pensado para trazer essas mulheres para dentro do CRAS. Assim a gente pode acompanhar elas mais de perto.
IG: É possível identificar alguns avanços em relação aos cuidados e segurança social das mulheres que frequentam o grupo?
Moacira: Esse grupo está sendo muito bom. Tem várias mulheres aqui dentro do CRAS que falam que depois que elas começaram a participar desse grupo que elas se distraem. É um momento que elas têm para desabafar, elas falam das vidas delas. Tem quem tenha perdido filho para o alcoolismo ainda muito jovem e, sem o grupo, pessoas nesse tipo de situação talvez teriam entrado em depressão. Então o Canal das Moças tem ajudado muitas mulheres em Antônio Pereira. A gente quer que, a cada dia, venham mais e mais pessoas, sabe. O grupo está só aumentando e está sendo uma maravilha!
IG: O que as mulheres precisam saber para participar do Canal das Moças?
Moacira: Para participar é só vir aqui no CRAS mesmo, toda quarta-feira uma hora da tarde. É só chegar e participar. A gente tem avisado as mulheres do CadÚnico e que têm o Bolsa Família também para elas virem participar com a gente. Está vindo bastante mulheres, daqui uns dias, se Deus quiser, a gente vai ter que aumentar o espaço aqui, de tantas mulheres que vai ter!
IG: Qual a dinâmica usada nos encontros do grupo e quem são as pessoas que trabalham no CRAS envolvidas nessa iniciativa?
Moacira: A gente tem rodas de conversa que abordam vários temas, são elas que escolhem os temas para gente estar conversando. A gente faz também oficinas com elas. Já teve oficina de pintura, ensinando a fazer tintas com a própria terra que a gente tem, com terra, água e cola. Elas têm gostado muito! Também teve oficina de sabonete, tem o spa dos pés, tem o spa do rosto, cursos que a pessoa já sai daqui com certificado. A ideia é gerar uma renda para elas, para elas fazerem o seu próprio negócio e ganharem o dinheirinho delas. Elas têm gostado muito das oficinas aqui. A cada dia o grupo vai aumentando, porque uma vai passando para outra, sabe. Aqui do CRAS quem está envolvida é a pedagoga Adriana, a psicóloga Laís e as duas educadoras sociais, que sou eu Moacira e a Eduarda Gonçalves, juntamente com a nossa coordenadora Rosângela Ramos. A gente tem desenvolvido esse projeto e essas oficinas, tem sido bem legal.
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