Rio Paraopeba, Rio Doce… e tantos outros atingidos pela mineração e atividades predatórias. Como proteger suas (nossas) águas? Em alguns lugares do mundo, rios são considerados como entidades que devem ser respeitadas
A água é central nos processos de desenvolvimento de todas as civilizações, de todos os seres. Da nascente ao mar, os rios são como as veias do corpo humano — irrigam e transportam nutrientes, oxigênio e gás carbônico: possibilitam a vida.
O rio e suas águas permitem a nossa existência e a de tantas outras espécies da Terra. Mas como garantir a vida dos rios? Como recuperar rios atingidos por desastres-crimes, como é o caso do Paraopeba, atingido pelo rompimento da barragem da Vale em 2019?
Esse é um mote de luta que nos mobiliza e move ambientalistas ao redor do mundo. E mobiliza também o cotidiano de pescadores, ribeirinhos, pessoas que transitam entre o formal e o informal, o privado e a vida pública das cidades, em um movimento de exercício da cidadania, de conquista de direitos, que corre como rio. E, como define a diretora do Instituto Guaicuy, Carla Wstane, este fluxo “traz à tona questionamentos que dão vida a práticas e ações permeadas por um imaginário das águas, um imaginário de rios vivos para contribuir para uma gestão mais justa e eficaz das cidades”.
Precisamos imaginar outros rios possíveis e inventar coletivamente outras cidades possíveis. Antes falavam de modelos de cidade e de economia mais “humanas”. Agora precisamos, mesmo, é de uma cidade mais harmônica, com uma simbiose justa, construtiva, “sustentável” entre rios e sociedade – de verdade e não apenas de fachada, como nos casos de “greenwhashing” que tem maquiado as ações poluentes e insustentáveis de muitas megacorporações.
Exemplo destes novos mundos que estão sendo criados é que, em alguns lugares do globo, alguns rios, que sempre foram entidades, passaram a ser considerados sujeitos de direitos, com os quais, nós, seres humanos devemos conviver harmonicamente, como propõe a cultura que chamamos de “bem viver”. É o caso dos rios Vilcabamba (Equador), Atrato (Colômbia) e Whanganui (Nova Zelândia).
Já no Brasil, em 2017, a Associação Pachamama pediu, na Justiça de Belo Horizonte, que o Rio Doce fosse reconhecido sujeito de direitos. Ele foi contaminado por rejeitos de minério após o rompimento da barragem das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, em Mariana (MG), em 2015. O pedido não foi aceito pela Justiça, mas abriu espaço para a reflexão sobre como devemos respeitar nossas águas, para que não nos falte vida.
Da mesma forma, o Projeto Manuelzão, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, vem destacando, há 25 anos, a volta do peixe aos rios como um indicador da qualidade ambiental e da saúde das pessoas. Para o projeto, de onde nasceu o Guaicuy, a prioridade é a de construir um imaginário das águas como uma discussão ampla e irrestrita sobre o que queremos para os nossos rios e o que queremos construir para a nossa sociedade.
É importante seguirmos mobilizados e cobrarmos do Poder Público a responsabilidade por manter a integridade dos rios. Este tem sido um desafio constante, diante de um cenário de poluição crescente, mesmo com os alertas da crise climática que assola o mundo.
Bem comum
Os rios denunciam o modo de vida das sociedades, em que discursos de dominação, de dependência, e às vezes de resistência e de libertação, permeiam a gestão das águas. A água tem aparecido cada vez mais como “recurso, fator de produção, via de transporte, insumo, bem econômico” e cada vez menos como “elemento vital, origem da vida, ser vivo, fonte de saúde, provedora de alimentos…”
É o que observa Carla Wstane, que também defende: “Precisamos pensar uma outra cultura de água que seja possível. Compreender não só os aspectos físico-ambientais de sua degradação e de sua possível recuperação, mas o valor simbólico das águas e do lugar, a relação historicamente construída da população com as águas, os aspectos políticos e econômicos e as relações de poder nas escalas local, regional e global, as experiências do presente no local, e principalmente, o caráter contínuo, inacabado, processual da construção das democracias”.
Assim como as águas, nós, do Guaicuy, seguiremos em movimento, na busca dos direitos das pessoas atingidas pela mineração e na defesa da água como bem comum – afinal, minério não se come e água é direito e não mercadoria.
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