O dia da Consciência Negra, marcado no calendário nacional em 20 de novembro, é uma data de reflexão. Este é um convite para pensar e criar ações de combate ao racismo e à desigualdade no país. O novembro negro é para que toda a sociedade reconheça as dívidas históricas com a população negra e repense suas práticas.
É necessário desconstruir pensamentos e preconceitos para construir uma sociedade mais igualitária.
O dia 20 de novembro é uma referência à morte de Zumbi de Palmares, negro pernambucano que nasceu livre e foi escravizado aos seis anos de idade. Ao lado de sua esposa Dandara dos Palmares, ele liderou o Quilombo dos Palmares e foi morto em 1695 na região de Alagoas.
A vida de Zumbi e Dandara foi marcada pela luta contra a escravidão, que só foi abolida oficialmente em maio de 1888, com a Lei Áurea.
O Instituto Guaicuy entende a importância de debater essa temática. Para isso, convidou Rafael Vicente, homem negro, da equipe de Direitos das Pessoas Atingidas do Instituto Guaicuy, para uma conversa.
Em entrevista ele fala sobre a necessidade de assumir e acabar com o racismo no Brasil, da importância de que toda a sociedade assuma posturas antirracistas e de como o preconceito histórico ainda se reflete na vida da população negra.
Rafael é graduado em Direito pela UFMG e atualmente é Coordenador Nacional de Juventude, Mobilização e Comunicação do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira (CENARAB). Foi Conselheiro Estadual de Promoção da Igualdade Racial de Minas Gerais e Membro Titular do Comitê de Diversidade Religiosa do Estado de Minas Gerais.
Confira a entrevista:
Instituto Guaicuy – O que significa ser uma pessoa negra no brasil?
Rafael – A gente precisa primeiro analisar e contextualizar historicamente qual foi a nossa situação nesse país, dos nossos antepassados, de quem nos antecedeu. Nós não viemos fazer turismo na América, a gente não veio contratado, nós fomos sequestrados em território africano e considerados por muitos séculos como coisas e como propriedade material dos senhores escravocratas e vivemos dessa herança ainda perversa do racismo e da escravidão.
Então, ser uma pessoa negra no Brasil hoje significa resistência, significa sobrevivência, significa conviver com um passado ainda muito recente de cativeiro, de opressão, de ausência de igualdade.
Instituto Guaicuy – Algumas pessoas dizem que não existe racismo no brasil e que estamos em um país diverso. Qual é o perigo de não assumir o racismo? Como isso invisibiliza essa forma de violência estrutural?
Rafael – Vivemos um mito, não vivemos uma democracia racial. As pessoas negras estão ainda em um lugar de extrema desvantagem em relação às pessoas brancas. Você tratar como iguais os historicamente desiguais, só aumenta a distância entre eles.
É preciso primeiro curar o racismo. E, para combater o racismo, o primeiro passo é reconhecê-lo e reconhecer que o Estado brasileiro é um Estado racista, que o racismo está estruturado nas instituições públicas, no seio da sociedade.
A partir disso, com políticas públicas, com ações afirmativas, ações integradas, multidisciplinares e transdisciplinares, nós poderemos discutir o racismo e para poder aniquilá-lo.
Instituto Guaicuy – Como o racismo se manifesta no campo?
Rafael – Há a questão de que as comunidades mais pretas estão mais afastadas, de que o trabalho mais pesado é realizado por pessoas pretas e pardas.
O racismo faz isso, cria uma estrutura para racializar o espaço. Coloca nos centros urbanos a população branca, na sua maioria com uma renda maior, e nas periferias estão as pessoas pretas e pobres.
No campo é importante entender que raça e classe são discussões conjuntas, o racismo atua dentro dessa estrutura de condenar à pobreza, de evidenciar a baixa renda, de evidenciar os subempregos.
As atividades braçais, tanto de agricultura quanto de silvicultura e até mesmo da pesca, na sua maioria, ela é realizada por pessoas negras, e que estão atreladas com situações financeiras mais baixas.
Instituto Guaicuy – Qual a importância do dia 20 de novembro?
Rafael – Primeiro que não é uma data comemorativa. O 20 de novembro não é para comemorar uma raça em desfavor ou aliada a outra. Esse dia faz parte de um conjunto de um momento reflexivo crítico.
É uma data para que as pessoas negras ou brancas, indígenas ou não, possam compreender que a consciência negra está para além da cor da pele.
A importância desse dia é o marco histórico, símbolo de resistência da luta antirracista, da luta pela promoção da igualdade racial.
Instituto Guaicuy – Como ilustrar o discurso de que “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”?
Rafael – Qualquer pessoa pode fazer esse processo de desconstrução do racismo. O racismo é introjetado em nós desde a nossa mais tenra idade, somos treinados para sermos racistas e ele precisa ser desconstruído diariamente.
Você dizer que não é racista porque você não é capaz de chamar uma pessoa negra de “macaca” ou por compreender que ela é um ser humano como você, não te faz integrar a luta antirracista.
Para essa luta antirracista é preciso desconstruir-se e abrir mão de certos privilégios. É esse processo que faz a distinção entre não ser racista e compactuar com a luta antirracista.
O Instituto Guaicuy entende a necessidade de falar sobre o tema e busca promover espaços de formação, diálogo e ações afirmativas, como nos editais de seleção. Para se aprofundar ainda mais nessa reflexão, assista ao vídeo:
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