Instituto Guaicuy

Guaicuy finaliza a primeira rodada de oficinas sobre Plano de Reparação Socioambiental

15 de agosto, 2022, por Christiano Amaral

O objetivo das oficinas, mediadas por equipe multidisciplinar do Guaicuy, foi dialogar com as pessoas atingidas sobre o Plano de Reparação Socioambiental da Bacia do Rio Paraopeba e Lago de Três Marias

No período de 18 de junho a 16 de julho de 2022, o Instituto Guaicuy realizou um ciclo de oficinas para dialogar sobre o Plano de Reparação Socioambiental com as comunidades assessoradas que foram afetadas pelo rompimento da barragem da Vale. Nas oficinas, as pessoas atingidas puderam relembrar os espaços comunitários a partir do relato das pessoas que vivem no local há muitos anos. Através dessas memórias, as pessoas elaboraram coletivamente o que esperam e quais as impressões até o momento sobre o Plano de Reparação Socioambiental.

Oficina Plano de Reparação aconteceu na escola municipal Waldemar Álvares de Souza, em Frei Orlando, e motivou a discussão sobre a história local. Crédito: João Paulo Dias/Guaicuy

Reparação antes do rompimento – a vinda da represa

Falar de memórias e para pensar sobre a reparação socioambiental. Foi o caso do Seu Pedro Liberato de Carvalho, 70 anos, pescador de Frei Orlando, em Morada Nova de Minas. Seu Pedro, participou da oficina partilhando com a comunidade suas lembranças de quando a água da represa de Três Marias chegou na região.

Seu Pedro conta da chegada da represa em Frei Orlando (antigo Junco), interrompendo seu desenvolvimento econômico. Crédito: Laura Alice Silva/Guaicuy.

“Eu tava com 8, 9 anos, cheguei a ver alguma coisa. A água veio chegando, veio uma parte em 1960 e em 1961 acabou de chegar aqui em cima, atingindo toda a riqueza da região. As melhores culturas de Minas eram aqui da região de Frei Orlando. Com a chegada da água, acabaram as principais terras, ficou só umas pontinhas. Inclusive, os grãos que eram colhidos aqui, iam pra Abaeté: diziam que Abaeté comia às custas do Junco” – conta Seu Pedro do antigo nome do distrito, em função de um córrego que hoje tá represado no aterro que levava esse nome por causa de uma planta abundante na região.

“Foi muito triste a chegada da água, sabe? Foi lamentável. Pude participar mas eu ia pouco (na água), era longe e não sabia andar de bicicleta, a condução era carro de boi. Lembro que fui com um cunhado meu buscar o milho. Se ficasse quietinho, olhando, ‘cê’ via a água subindo e algum animal que vinha tocado, doido pra sair da água. Vinha capado (porco gordo) rodando na água, alguns ainda com vida. E o povo pelejando pra catar o milho…” Pedro Liberato de Carvalho 

A intensa narrativa de Pedro destaca os prejuízos já sofridos pela população do Junco e cuja reparação, ao contrário da água, nunca chegou para a população do Junco… “Foi um grande prejuízo porque ninguém imaginava que vinha esse tanto d’água”, conta seu Pedro. 

“As melancias foram embora na água, o arrozal perdeu todo.” E mostra a foto de Barra do Paraopeba, que já teve até estação de trem. “Na época aqui teve trem de ferro, tinha dez vezes mais pessoas. Tinha padaria, sapataria, cerca de cinco açougues e muitas lojas, inclusive de tecido. A BR 040 ‘tava traçada’ pra passar dentro de Frei Orlando, mas com o acontecimento da água, acabou tudo, jogaram ela por cima. Tinha 4 mil pessoas ou mais. Já tava virando cidade, iam colocar energia, já tinha os postes.” 

As histórias contadas por seu Pedro falam de um problema muito anterior ao rompimento da barragem e que diz sobre a desesperança da população em relação à reparação e à retomada do desenvolvimento econômico da região.

“Quando a água chegou, parou tudo, paralisou tudo, invadiu tudo, acabou com as terras boas e veio só pobreza. E o pessoal foi retirando tudo. Eu sou um dos que ficou aqui. Conto essa história e tô aqui até hoje. Já cheguei a mudar, mas eu vou e o coração fica. Então eu volto pra cá e não tem jeito, vou morrer aqui!” Pedro Liberato de Carvalho

A partir das reflexões de Seu Pedro, como aconteceu também em outras oficinas, as pessoas puderam refletir sobre as necessidades da reparação em função do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho.

Importância da discussão sobre reparação nas comunidades atingidas

Para Hernane Souto, da equipe de Saúde e Assistência Social do Guaicuy essa metodologia de trabalhar as memórias “têm o intuito de mobilizar as comunidades a discutir a importância de um plano de reparação socioambiental que digam da realidade de cada comunidade, identificando as expectativas quanto às propostas e execução desse plano.” 

Nesse sentido, o Guaicuy, em uma atividade multidisciplinar, realizou uma mobilização com temas transversais à reparação socioambiental nas comunidades, contando com as áreas de estudos ambientais, direitos das pessoas atingidas, saúde e assistência social, mobilização, agrárias e comunicação.

A rodada de oficinas aconteceu presencialmente nas comunidades de Encontro das Águas (Curvelo), Ribeiro Manso (Felixlândia) e Frei Orlando (Morada Nova de Minas), abrangendo as três regiões, nas duas áreas atingidas assessoradas pelo Guaicuy. As pessoas que não puderam estar nos espaços e locais das oficinas participaram ao vivo e virtualmente, através do link de sala virtual, enviado previamente pelo Guaicuy.

As oficinas, que ocorreram em dois momentos, se destacam pela entrega do produto K às Instituições de justiça, produto este que está vinculado ao Plano de Reparação Socioambiental desenvolvido pela empresa ARCADIS, contratada pela Vale.

De acordo com Renzyo Augusto Santos Costa, da equipe de direitos das pessoas atingidas do Guaicuy, “é essencial que as pessoas possam entender e se apropriar do conteúdo, da ação territorial e do tempo que o Plano de Reparação Socioambiental estará nas comunidades afetadas pelo rompimento da Barragem de Brumadinho”, afirma. 

Renzyo explica ainda que  “por ser a única parte do acordo de 2022 não tem limite de recursos financeiros a serem liberados pela Vale para recuperação de danos relacionados  ao ar, água, terra, patrimônio cultural, economia e sociedade, necessita-se que estejam atentas e vigilantes para a inclusão de máximo de bens naturais e coletivos para possam ser recuperados ao mais próximo das condições de vida anteriores ao rompimento”.

O Plano de Reparação Socioambiental

A reparação socioambiental está no acordo assinado em fevereiro de 2021, e prevê, inicialmente, R$5 bilhões para a recuperação do meio ambiente, e é o único que não estipula um teto máximo de gastos para a mineradora.

O Guaicuy seguirá discutindo o plano com as comunidades atingidas. No próximo mês, o Guaicuy dará início ao curso de educação ambiental popular com foco nas temáticas trazidas pelo Plano de Reparação. Acompanhe as notícias através dos informes realizados junto às comunidades (mensagens nos grupos de Whatsapp e reuniões comunitárias) e programe sua participação!

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