Instituto Guaicuy

Coletivo Paraopeba Participa organiza live para dialogar sobre os riscos da mineração

14 de dezembro, 2022, por Instituto Guaicuy

Na última segunda-feira (12), aconteceu, de forma virtual, a live “Rota de Fuga: fugir não é a solução”. O evento foi organizado pelo Paraopeba Participa, articulação composta por pessoas e grupos de atingidos e atingidas da Bacia do Paraopeba.

O encontro abordou temas importantes que envolvem a mineração no Brasil e, principalmente, Minas Gerais: como está a situação das barragens que podem afetar novamente o rio Paraopeba e toda a bacia; as enchentes e suas consequências intensificadas após rompimentos de barragens, e as diferentes formas de atingimento por esses empreendimentos de mineração. 

A live contou com a participação de pessoas das cinco regiões atingidas, das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que atuam na bacia do Paraopeba e região da represa de Três Marias, Guaicuy, Nacab e Aedas, e do pesquisador Bruno Milanez, professor e coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão “PoEMAS – Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade”, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), uma das referências em investigações que envolvem a mineração no país.

Clique no link a seguir e veja a gravação da live transmitida pelo YouTube na íntegra: https://www.youtube.com/watch?v=3h0ejxGo1ns&ab_channel=ParaopebaParticipa

Pedro Aguiar, Assessor de Comunidades e Indivíduos do Instituto Guaicuy, pontuou a importância de encontros que promovem discussões sobre as formas de reconhecimento e atingimento por barragens, uma vez que as consequências de um rompimento são também vivenciadas por populações que vivem distantes dessas construções: “Quem não conhece, acha que é apenas atingido quem está em Brumadinho, ou Mariana, ou no município que teve algum tipo de crime dessa envergadura. Mas é importante avançarmos na discussão e quebrar essa ideia de limite municipal, de fronteira, porque isso fecha o entendimento da sociedade sobre os impactos daquele acontecimento, que muitas vezes se desenrola ao longo de uma Bacia”. 

Reconhecimento das pessoas atingidas 

No diálogo entre pessoas atingidas, ATIs e especialista no tema, foram discutidas as recentes legislações que buscam regularizar a segurança das barragens, as formas de reconhecimento e os direitos das pessoas atingidas por empreendimentos minerários: a Política Estadual de Segurança de Barragem – PESB (Lei 23291/2019) e a Política Estadual dos Atingidos por Barragens -PEAB (Lei 23795/2021).

O pesquisador Bruno Milanez destacou a importância de leis, ainda que criadas muito recentemente, e reforçou que as legislações devem ser constantemente discutidas, atualizadas e divulgadas para toda a sociedade, principalmente a mineira, uma vez que o Estado possui 698 estruturas cadastradas no Banco de Dados de Barragens da Fundação Estadual do Meio Ambiente (BDA). “A Política Estadual dos Atingidos traz um elemento interessante para a ampliação desse reconhecimento: são as pessoas prejudicadas ainda que potencialmente por impactos socioeconômicos, decorrentes da construção, instalação, operação, ampliação, manutenção ou desativação de barragens na área afetada”. 

Assim, para ser reconhecida enquanto pessoa atingida por barragem não é necessário que, antes, uma construção desse tipo rompa: “Se existe uma barragem e ela potencialmente afeta a minha vida, eu sou atingido. Para ser atingido, basta que a barragem exista. Esse ponto da legislação é essencial. Não é apenas quem vive nas áreas de auto salvamento (ZAS – limites reconhecidos apenas pelas mineradoras enquanto áreas afetadas), mas só de morar na bacia, a lei já reconhece enquanto população atingida”. 

Por isso, dentre os assuntos discutidos no encontro estava a reflexão de que os impactos ambientais e socioeconômicos são pontos importantes para o reconhecimento das consequências da exploração minerária, para o estabelecimento de fiscalizações e políticas públicas de proteção ao meio ambiente e às populações. No rompimento ocorrido em Brumadinho, em janeiro de 2019, por exemplo, os rejeitos da mineradora Vale mataram 272 pessoas e destruíram a comunidade Córrego do Feijão. Mas a destruição não se encerrou nos limites do território. 

Seguindo pelo rio Paraopeba, os rejeitos impactaram 26 municípios da Bacia, chegando a Três Marias, que fica a cerca de 300 km de distância do epicentro do desastre-crime. Tatiana Menezes, moradora de Pompéu, cidade a 176 km de Brumadinho: “Quando eu poderia imaginar que um rompimento a uma distância dessa iria afetar a minha vida e a minha região como afetou? Até 25 de janeiro de 2019, a maioria das pessoas das regiões 4 e 5 mal sabiam da existência da Vale. Nunca imaginamos que seríamos tão prejudicados a partir dessa data.  A região 4 possui 19 comunidades atingidas, todas são rurais e bem diversas, e o que temos em comum é que sofremos com o rompimento. Temos pescadores, ribeirinhos, pessoas que trabalhavam em loteamentos de luxo, que depois do loteamento acabou tudo, perderam a renda. Tinha gente que vivia exclusivamente do turismo e acabou tudo. Vivemos uma situação de negligência por parte das mineradoras e do poder público”. 

Por isso, esses impactos ao longo da Bacia valem, também, como reconhecimentos de populações atingidas, como explica Bruno Milanez: “Se eu perdi minha propriedade ou o valor da minha propriedade caiu, eu já sou atingido. Se perdi fonte de renda, se meu modo de vida foi alterado, se inviabilizou o meu acesso a recursos naturais, se tive perda da capacidade produtiva, se fui deslocado de forma compulsória, se tive restrição de abastecimento ou captação de água, se tive prejuízos à qualidade de vida e à saúde, tudo isso já diz que sou atingido”. 

Comunidades denunciam violações de direitos

Mesmo quando há o reconhecimento enquanto pessoa atingida, ainda há entraves, por isso, as comunidades seguem denunciando os desrespeitos e violações de direitos por parte das mineradoras. Patrícia Ambrósio, moradora de Três Marias, relata o tratamento diferenciado recebido por homens e mulheres: “Tudo na minha vida mudou, deixei de ser pescadora e passei a ser atingida. O meu direito [de indenização] eu não tive, só quem teve direito foi o provedor da família, isso é o que a Vale faz com a gente atingida. Eles falam que seremos indenizados, mas se tem um provedor, um homem da família, é ele que recebe o dinheiro. A mulher luta, trabalha ao lado do marido, mas não é valorizada pelas empresas. As mulheres, pessoas de idade, quem depende do rio, não é reconhecido”. 

A atual situação das barragens de rejeitos no Brasil constrói um contexto desigual de disputas de narrativas. De um lado, estão as  pessoas que convivem com os impactos ambientais e socioeconômicos causados pelas barragens, do outro, as narrativas de grandes mineradoras que recebem investimento internacional. É, também, um cenário de batalhas por direitos, com utilização de estratégias de desmobilização das próprias comunidades, como explica Bruno Milanez: “Esse contexto é caracterizado pela desigualdade de acesso à informação e pela desigualdade de produzir informação. Há também a inversão do ônus da prova: as pessoas precisam provar que são atingidas, não a mineradora precisa provar que não causou impactos. 

Ele continua e reforça o quanto essa separação impacta na vida das pessoas: “Além disso, há uma divisão nas comunidades entre quem é mais e menos atingido, e até dentro da própria família, o que mostra como as mineradoras são machistas e misóginas, como olham as mulheres com inferioridade, como se elas não fossem dignas de receber um direito. Tudo isso reforça a importância das Assessorias Técnicas para fortalecer a organização das populações atingidas. É necessário organização e muita luta política para garantir esses diferentes reconhecimentos”, completa. 

O diálogo construído durante a live demonstrou a urgência da mobilização e organização da sociedade para que legislações, políticas públicas e espaços de debates como esse sejam criados. Ao mesmo tempo, as leis atuais indicam certa preocupação para a situação das barragens em demais regiões de Minas Gerais e do Brasil, como finalizou Pedro Aguiar: “A Lei de Política dos Atingidos traz o reconhecimento e os direitos dessas pessoas, mas para além disso, e as outras cidades de Minas Gerais? E o Brasil? Isso é um empecilho para identificar as formas de ser atingido. A sociedade é diversa, os modos de vida, culturas e formas de organização social. Por ser assim, as formas de atingimento também são e, como consequência, são também os danos.”

Ao final do debate, foi pontuado sobre a importância de encontros futuros para debater a situação da saúde das pessoas atingidas ao longo da Bacia do Paraopeba e região da represa de Três Marias, com participação de pesquisadores e especialistas da saúde que se debruçam sobre o tema, como a Fiocruz e as Universidades do país. 

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