Instituto Guaicuy

Perícia feita pela UFMG divulga levantamento de comunidades atingidas pela Vale e ignora região da Represa de Três Marias 

15 de dezembro, 2023, por Laura de Las Casas

Sem a inclusão da Região 5, perícia se torna insuficiente para cumprir objetivo de caracterizar área atingida, diz advogado do Guaicuy. 

Nesta quinta-feira (14), foram divulgados os resultados do Subprojeto 03,  que visa coletar informações sobre os impactos para a população causados pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019. O trabalho foi feito pelo Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC/UFMG), órgão responsável pelas perícias judiciais, por meio de uma pesquisa social, entrevistas e relatos das pessoas de comunidades atingidas em 19 municípios na área de influência do desastre. A Região 5, que abarca as comunidades do entorno da Represa de Três Marias, não foi contemplada na perícia. 

“Sem a inclusão das comunidades da Região da Represa de Três Marias, não é possível que seja feita uma caracterização adequada da região atingida, pois uma parte dela está sendo ignorada”, pontua Pedro Andrade, advogado do Instituto Guaicuy. 

Os pesquisadores do CTC/UFMG realizaram o levantamento de informações sobre trabalho, renda, saúde física e mental, alimentação,acesso à água, educação e saneamento básico. Outros aspectos também fizeram parte desse levantamento, como aqueles relacionados aos deslocamentos, às festas e tradições  culturais, ao lazer e à segurança das pessoas. Esses resultados irão servir de base para que o juiz do caso possa tomar decisões no processo de reparação, buscando as melhores soluções aos problemas identificados.  

De acordo com o documento, que conta com cerca de 1400 páginas, o Subprojeto 03 realizou uma pesquisa de campo que reuniu 30.674 entrevistas, em quatro campanhas de coleta em domicílios de Brumadinho, Sarzedo, na calha do Rio Paraopeba e no restante dos municípios. A pesquisa amostral conta com um desenho que busca representatividade populacional nestes territórios.  

CLIQUE AQUI PARA BAIXAR OS RESULTADOS NA ÍNTEGRA

Resultados da Região 4

Em relação à Região 4, onde o Instituto Guaicuy presta Assessoria Técnica Independente (ATI) às pessoas atingidas, o documento destacou relatos de pessoas atingidas de Curvelo que foram orientadas por órgãos do governo a não terem nenhum contato com a água do rio nos dias imediatamente posteriores ao desastre-crime. “Moradores locais relataram que, antes do desastre, utilizavam a água do rio para recreação, dessedentação de animais e que fazendas locais também o faziam para fins de irrigação dos cultivos”, diz o relatório. Também houve registro de expressões de ansiedade, tristeza e raiva por parte de moradores locais cujo cotidiano era ligado a atividades no Rio Paraopeba. 

Entre outros diversos pontos, o estudo ainda enfatiza como a percepção do impacto sobre o recurso hídrico se estende às dimensões econômicas, já que muitas pessoas entrevistadas relataram o medo de que as casas de veraneio perdessem valor de mercado, considerando que sem água limpa não há recreação. A expectativa negativa sobre o desastre-crime, mesmo antes da chegada do rejeito tóxico, alterou o cotidiano de transporte no rio, irrigação, pesca, lazer e trabalho. Estes dois exemplos ilustram os impactos diretos sobre o recurso hídrico, limitando seu acesso e uso, e afetando o estado psicológico dos indivíduos. 

Já em Pompéu, a perícia registrou a desvalorização dos imóveis, principalmente os localizados perto do Rio Paraopeba, e o impacto em atividades como agricultura, pecuária e da piscicultura. Também pontuou a interrupção do acesso à água no pós-desastre e a capacidade de acessar outras fontes de captação como um dos indicativos de maior ou menor vulnerabilidade dos produtores e famílias. “Segundo os relatos, produtores que possuíam em suas propriedades nascentes, acesso a outros mananciais, poços artesianos, cisternas, entre outros, tiveram o uso da água interrompido ou reduzido temporariamente. Já os produtores que dependiam totalmente do Rio Paraopeba para a captação tiveram o uso da água totalmente comprometido e passaram a depender do fornecimento da Vale, que nem sempre era concedido. A capacidade de investimento em novos sistemas de captação e irrigação que atendessem a demanda de água anterior ao desastre também foi desigual entre os produtores”, cita o estudo.  

Ausência da Região 5 na perícia

Ainda em junho de 2020 o Guaicuy, junto às outras ATIs (AEDAS e NACAB) enviaram para as Instituições de Justiça um documento que reunia várias dúvidas sobre o Subprojeto 03. As principais questões giraram em torno do motivo da pesquisa ser limitada até o barramento de Retiro Baixo e à distância de até 1km do Rio Paraopeba. 

Desta forma, vários municípios atingidos estavam de fora desses estudos, tais como: São Gonçalo do Abaeté, Felixlândia, Morada Nova de Minas, Biquinhas, Paineiras, Abaeté e Três Marias (Região 5); Mateus Leme (Região 2); e Caetanópolis (Região 3).

Conforme explica Pedro Andrade, o critério adotado para determinar quais seriam os municípios incluídos na perícia foi o de considerar pessoas que vivem na distância de até um quilômetro do Rio Paraopeba. “Esse critério foi o mesmo usado para o Pagamento Emergencial e já foi comprovado que é um critério equivocado. Ele exclui as comunidades da região da Represa de Três Marias, claramente prejudicadas pela mineradora, tanto é que foram reconhecidas dessa forma pelo Acordo de Reparação, firmado entre a Vale e o Poder Público em 2021. São municípios incluídos em todos os Anexos do Acordo, motivo pelo qual não há justificativa para serem excluídos das perícias do processo.”, afirma o advogado do Instituto Guaicuy.

Em julho de 2021, frente aos termos do acordo assinado em fevereiro do mesmo ano, as 3 ATIs enviaram um novo documento para as Instituições de Justiça, reforçando o pedido de inclusão dos municípios que estavam de fora. Segundo o Pedro Andrade, mesmo as perícias tendo começado antes do firmamento do Acordo, depois que ele foi assinado não restaram mais dúvidas de que a Região 5 deveria ser incluída em qualquer ação que envolvesse o processo de reparação dos danos causados pela mineradora. “Os Subprojetos então, como instrumentos que orientam as decisões da Justiça, deveriam ter sido readequados para incluírem essa área que já foi reconhecida como atingida pelo próprio Acordo de Reparação”, avalia. Apesar disso, o CTC/UFMG manteve a atuação do Subprojeto 03 restrita aos limites originalmente apresentados. 

Com isso, no dia 27 de maio de 2022 o Guaicuy solicitou apoio ao Ministério Público Estadual e à Defensoria Pública, retomando o histórico das ordens judiciais sobre o referido processo. Assim, em julho de 2022, o Ministério Público e a Defensoria Pública fizeram uma petição solicitando a inclusão da Região 5 no levantamento que contempla o Subprojeto 03, mas o perito não cumpriu a recomendação. 

“O resultado dessa perícia só demonstra a insuficiência do Subprojeto 03 para elencar os danos individuais das pessoas atingidas, excluindo a Região 5. E isso confirma, para nós, a necessidade de retomada da discussão de uma nova perícia para mapeamento dos danos individuais”, pontua Pedro Andrade.

Outros subprojetos

No total, foram 67 subprojetos estabelecidos pelo Juiz, dos quais vários já tiveram suas pesquisas finalizadas pelo CTC/UFMG e publicadas nos autos dos processos judiciais. Confira aqui os resultados anteriores. 

 

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