Os desastres-crimes provocados pelas mineradoras no Brasil não são eventos pontuais. Os danos causados por eles continuam acontecendo mesmo décadas depois, se estendendo no tempo de forma imensurável. Além das centenas de vidas perdidas, algo que nada será capaz de reparar, existem impactos residuais representados por danos à saúde humana e a intensificação de vulnerabilidades sociais. O Projeto Rio Doce, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicou, nas últimas semanas,um estudo que mostra impactos na expectativa de vida das pessoas atingidas.
O levantamento sobre a saúde das pessoas atingidas que aponta a diminuição de cerca de 2,39 anos de vida de quem foi atravessado pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, no ano de 2015. O rompimento na comunidade de Bento Rodrigues envolveu mais de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração despejados no Rio Doce. A pesquisa reforça que esses tipo de contaminantes são persistentes na natureza, já que não são decompostos por microrganismos.
“Isso leva a sua acumulação em diversos órgãos e tecidos de toda a cadeia alimentar, inclusive das pessoas expostas”, aponta o documento. A análise comparou as taxas de incidência de doenças nos municípios atingidos com as de áreas não afetadas e mostrou, ainda, que o desastre levou os habitantes dos municípios por onde passou à exposição a efeitos ambientais, sociais e econômicos, assim como ao contato potencial com uma série de substâncias tóxicas provenientes dos rejeitos de mineração.
Nos dados levantados, é possível ver elementos que mensuram, por exemplo, quais doenças aumentaram nos territórios em questão, como Leishmaniose tegumentar americana e intoxicação exógena. Além disso, registrou também a elevação do nível de violências, como abuso psicológico, sexual e agressões, e também o aumento de acidentes com animais peçonhentos. A pesquisa mostra como se deram os aumentos de gastos com saúde pública nas áreas atingidas, após o desastre-crime.
Confira a pesquisa completa aqui.
Os impactos relacionados à saúde possuem como traço distintivo a sua dinamicidade e complexidade. São considerados dinâmicos por se alterarem com frequência, se alastrando e se acumulando ao longo do tempo. Dessa forma, muitas vezes se tornam crônicos, e muitas vezes são difíceis de serem percebidos em seus momentos iniciais (com exceção de emergências clínicas e danos à saúde mental, que se colocam de forma mais evidente).
Porém, de modo progressivo, implicam em um aumento da predisposição a outras doenças e agravos, intoxicações exógenas por metais pesados e a intensificação de situações de violências e uso prejudicial de álcool e outras drogas, levando a um aumento da mortalidade da população atingida que vivencia essa realidade. São complexos, pois atuam de modo transversal criando e intensificando vulnerabilidades em saúde e sociais.
O estudo feito pela FGV sobre expectativa de vida soma força a um debate crescente. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), por exemplo, a Comissão de Saúde já vem ampliando o diálogo sobre a construção de uma Política Estadual de Atenção Integral à Saúde das Populações Atingidas por Barragens. Esse tema ganhou força após a divulgação de um estudo da Fiocruz, apontando contaminação de pessoas por metais pesados e aumento de questões de saúde mental relacionadas ao crime, no município de Brumadinho, e também em Mariana, após o desastre-crime da Samarco e BHP. Em audiências realizadas ao longo do último ano, algumas deputadas, deputados e representantes da sociedade civil vem sinalizando a importância desta discussão e de proposições direcionadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), que ainda não conta com um protocolo voltado às pessoas atingidas pelas atividades minerarias em Minas Gerais.
Enquanto Assessoria Técnica Independente do processo de reparação dos municípios de Curvelo e Pompéu, que compõem a Região 4, e Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias, que fazem parte da Região 5, o Guaicuy também realizou alguns levantamentos importantes. Danos à saúde física e mental, aumento de demandas para os serviços de saúde locais, impactos no trabalho, na renda familiar e na segurança hídrica e alimentar, surgimento de conflitos familiares e comunitários, e situações de estigma e discriminação também foram percebidos nestes territórios, depois que tiveram contato com as consequências da presença do rejeito tóxico na bacia do Paraopeba.
Esses são apenas alguns dos principais pontos levantados por uma pesquisa realizada pelo Guaicuy em parceria com o Instituto Olhar, entre junho de 2021 e fevereiro de 2022, para identificar danos à saúde da população atingida pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho.
O estudo constatou o aumento do número de atendimentos relacionados a transtornos mentais em todos os municípios assessorados pelo Guaicuy. Destacam-se os números de Felixlândia (86%), Três Marias (97%), São Gonçalo do Abaeté (55%), Martinho Campos (41%), Pompéu (23%) e Curvelo (22%).
Além disso, a pesquisa identificou outros sintomas que podem estar relacionados ao rompimento da barragem da Vale, tais como: alterações no estado de ânimo (tristeza, angústia, ansiedade e outros); alterações no sono; mudanças no corpo/respiração; surgimento de doenças psicossomáticas e casos de pessoas que deram início ou aumentaram de dose de medicamentos psicotrópicos.
Já de acordo com a Pesquisa Domiciliar, outra ação realizada pelo Guaicuy, mais da metade das pessoas entrevistadas na Região 4 (50,4%) se enquadra na categoria de “severamente afetado”, com chances de apresentar ou desenvolver sintomas psicopatológicos relacionados ao estresse; na Região 5 esse percentual é de 32,6%.
Em 2023, o Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC/UFMG) também divulgou resultados de estudos sobre os impactos vivenciados pelas pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale. O comitê é o órgão responsável pela produção de dados científicos e independentes que poderão apoiar as decisões do juiz no processo de reparação dos danos. Os resultados apresentados mostram aumento na mortalidade em diversos municípios, aumento na demanda em saúde mental e na demanda por atendimento de pessoas com outras enfermidades, como diarreia e problemas gastrointestinais e dermatológicos. Confira aqui os principais resultados da perícia.
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