Conheça o caso de dona Marli Rodrigues de Souza, pequena agricultora e garimpeira que teve a saúde prejudicada pela poeira das obras de descomissionamento da Barragem Doutor, da Vale.
Respirar, absorver o oxigênio do ar nos pulmões, soltar o ar. Sentir a vida pulsando nesse movimento circular tão essencial para a existência humana. Esse direito humano básico, de ter um ambiente limpo e saudável, de respirar ar puro, vem sendo sistematicamente violado pela Vale. Isso porque a mineradora é responsável pela densa poeira que assola Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto/MG.
Essa tem sido uma das principais pautas de luta de dona Marli Rodrigues de Souza, moradora atingida da comunidade. “Essa poeira tá difícil, a gente não tá conseguindo lidar com ela”, afirma a moradora que reconhece não ser a única nessa situação e exige mitigação dos danos causados. “Eles [a Vale] têm que ver o que fazer para diminuir essa poeira, porque está afetando a saúde de várias pessoas”.
A poeira é gerada nas obras de descomissionamento da Barragem Doutor, interditada desde 15 de março de 2019, em razão do risco de rompimento. Essas partículas, ainda sem divulgação de análise química que ateste do quê são formadas, assolam Antônio Pereira. A comunidade tem cerca de cinco mil habitantes que sofrem os mais diversos impactos gerados pela mineração predatória.
Vídeo enviado por Marli Rodrigues de Souza ao Guaicuy no dia 16 de novembro de 2023.
Danos à saúde, à renda e aos modos de vida são avassaladores
Depois de sucessivas idas ao médico em função da falta de ar, as receitas de antialérgico não fazem mais efeito. A situação do sistema respiratório de Dona Marli evoluiu negativamente. No pronto atendimento, após exames de imagem, ela recebeu um novo diagnóstico: “Eu fui na médica, ela pediu o raio X e eu tô com pneumonia”.
Marli convive cotidianamente com os danos gerados pela mineração e sente, na decadência da própria saúde, a violação de direitos ao não conseguir respirar adequadamente. Mas os danos se alastram para todas as instâncias da vida dessa mulher, que luta por reparação.
Pequena agricultora e garimpeira, dona Marli teve seu modo de vida e suas duas fontes de renda roubadas pela mineradora após o acionamento do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM), em função do risco de rompimento da Barragem Doutor. “A Vale deve refazer, principalmente, minha horta… Eles interditaram minha horta, que era meu ganha pão, meu sustento. Eu vivia da horta e do garimpo. Então pra mim tá sendo difícil”. Em 2022, a Vale cercou o terreno onde Marli plantava sua horta há mais de 10 anos. Segundo a atingida, a mineradora destruiu seu barraco e passou com trator por cima das hortaliças antes de cercar o terreno, que supostamente fica na Zona de Auto Salvamento (ZAS).
Até hoje sem receber a devida indenização, dona Marli exige também um auxílio financeiro emergencial mensal, em razão da perda de renda. “Eu preciso ser indenizada e receber o dinheiro da horta, porque eu tive muito prejuízo. [A Vale] podia tá me pagando um auxílio emergencial”. Ela entende que esses danos e violações de direitos foram a causa da piora sucessiva na própria saúde. “Depois disso a minha pressão tá subindo direto, me dá crise de ansiedade. Eu tive um AVC [Acidente Vascular Cerebral]. Depois disso eu não sou a mesma pessoa que eu era. Vira e mexe eu tô passando mal”.
Poeira representa infração gravíssima
Quem vive em Antônio Pereira relata que a poeira de minério vinda das obras de descomissionamento da Barragem Doutor é um dano cotidiano. No entanto, não é raro que a densidade dessa poeira tome forma de uma nuvem gigantesca que cobre o distrito. No mês de setembro, em razão de uma fiscalização realizada pela Polícia Militar de Meio Ambiente, a Vale apresentou relatórios de qualidade do ar. Na análise desse relatório, a polícia constatou alteração na quantidade de partículas em suspensão, o que configura infração gravíssima. O caso deve ser encaminhado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMAD).
A ATI Antônio Pereira já recebeu centenas de denúncias sobre os danos causados pela poeira no distrito. Diante disso, protocolou duas denúncias (Notícias de Fato) no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Em relação à primeira denúncia, de julho de 2023, a mineradora Vale alegou que o levantamento de poeira se deu por causa de um ciclone extratropical e uma frente fria que atingiram o Sul do Brasil e Minas Gerais no dia 12 de julho de 2023, gerando fortes ventos. O Ministério Público acatou a alegação da Vale e arquivou a denúncia.
No entanto, outras duas nuvens de poeira geraram indignação da comunidade, uma no dia 20 de agosto e outra no dia 16 de setembro, o que gerou a segunda denúncia enviada pelo Guaicuy ao MPMG, que ainda não se manifestou a respeito.
No papel de Assessoria Técnica Independente (ATI) das pessoas de Antônio Pereira, o Guaicuy segue dando apoio à população reunindo fotos, vídeos e depoimentos sobre os transtornos e problemas de saúde causados pela poeira de mineração. Todos esses registros são documentados e encaminhados para análise da Justiça e órgãos ambientais. O acompanhamento da tramitação da denúncia também é feito pela ATI.
Seguimos sempre ao lado de pessoas como dona Marli, na luta por uma reparação justa e integral. “Na última vez que eu passei mal foi na reunião, os assessores foram lá em casa, ligaram pra minha filha pra ficar comigo com medo de eu passar mais mal. A Assessoria Técnica pra mim tá sendo ótima. Fazem visita técnica, me apoiam demais”.
O que você achou deste conteúdo?