Documento é instrumento de defesa dos povos tradicionais e traz orientações sobre consultas em projetos que tragam impactos para as comunidades
No último sábado (25), os Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA) lançaram o Protocolo de Consulta Livre Prévio e Informado dos PCTRAMA. O Protocolo é um instrumento de luta e defesa dos povos tradicionais, a partir de um conjunto de regras desenhadas pelo próprio povo, que devem ser seguidas pelo Estado e por outras instituições que desejem apresentar projetos que tragam impactos para a comunidade.
“As leis e regras que devem ser respeitadas para o tratamento com eles e elas. No Protocolo de Consulta definimos um conjunto de regras que devem ser seguidas pelas instituições, organizações e empresas que queiram entrar em contato com o PCTRAMA. Foram definidas ao todo 21 regras que indicam como devemos ser consultados”, apresentou o Ogan João Pio, do Ilê Axé Alá Tooloribi.
Essa é a segunda edição da cartilha que traz apontamentos sobre como os PCTRAMA devem ser consultados. O documento traz orientações, como a adaptação de metodologias de pesquisa para a realidade dos povos tradicionais e a busca da garantia da visibilidade dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana, com destaque para a origem afro-brasileira. O documento é o primeiro protocolo de consulta articulado nacionalmente para atender a diversos povos de matriz africana, como povos de terreiro, e em conjunto os povos de Reinado.
O Protocolo de Consulta foi construído pelo grupo com o apoio da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), que atua como Assessoria Técnica Independente na região. A cartilha pode ser conferida aqui.
“Para os PCTRAMA o crime [da Vale] impactou especialmente a tradicionalidade. [O Protocolo de Consulta] é um marco na nossa luta, que já dura mais de quatro anos”, destacou Isabela Dario, presidente da Comissão de Direito e Liberdade da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Minas Gerais (OAB-MG).
O encontro foi repleto de relatos sobre como o desastre-crime da Vale impactou os povos tradicionais em sua essência religiosa, que possui diversas ligações com os rios e a natureza. “Hoje, as minhas ervas são plantadas em potes. Eu perdi o direito de plantar e colher minhas ervas sagradas porque não temos qualidade de solo”, contou a sacerdotisa Mãe Kellen.
O PCTRAMA é composto por povos de terreiro de Candomblés das nações de Ketu, Angola e Jeje, Angola-Muxikongo, de Umbanda e Omolocô de diferentes linhas e por Reinados nas mais diversas linhagens. O grupo se formou em 2019, em prol da luta por reparação, devido ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. A primeira edição do protocolo foi lançada em 2020. Assista a leitura da carta com as reivindicações dos PCTRAMA.
Inicialmente, o lançamento do Protocolo de Consulta aconteceria na sede da Defensoria Pública de Minas Gerais, mas o órgão cancelou a liberação poucos dias antes do evento. Uma nota de repúdio, criticando o cancelamento, foi lida durante o evento.
Nas regiões do Baixo Paraopeba e do entorno da represa de Três Marias, assessoradas pelo Instituto Guaicuy, o rompimento da barragem da Vale também trouxe danos para povos e comunidades tradicionais. É o caso do povo Kaxixó, que vive em Martinho Campos, que construiu seu Protocolo de Consulta com o auxílio do Guaicuy.
Para isso, foram realizados encontros com a comunidade para que, a partir de certa orientação, o documento pudesse ser elaborado de forma a contemplar os direitos garantidos. “A gente deu os caminhos para que o Protocolo pudesse ser construído e publicizado pelo próprio povo Kaxixó”, explica a advogada popular do Instituto Guaicuy Gabrielle Luz. Também faz parte do planejamento do Instituto auxiliar a comunidade Quilombola de Saco Barreiro (Pompéu) no lançamento de seu Protocolo de Consulta.
Gabrielle destaca que as Assessorias Técnicas têm o papel de auxiliar no processo de construção do documento e também o de zelar pelo seu comprimento, mas que o protagonismo deve sempre ser dos povos tradicionais.“Havendo o documento do Protocolo de Consulta, o Estado e demais organizações, mesmo que privadas, são obrigadas a perguntarem à comunidade o seu posicionamento sobre ações que possam influenciar no seu dia a dia. Além do mais, é por meio do Protocolo de Consulta que são garantidos os meios para o pleno desenvolvimento e para a participação da comunidade, em condições de igualdade com os demais setores da sociedade”, explica a profissional.
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