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Para matar a sede, tomar banho, criar os animais e cozinhar, muitos moradores de Fazendinhas Baú, comunidade de Pompéu — cidade do interior de Minas Gerais localizada a cerca de 170 quilômetros da capital Belo Horizonte — precisam recorrer à solidariedade de vizinhos, que dividem alguns dos galões de água mineral recebidos como obrigação de compensação da mineradora Vale. Essa dinâmica faz parte da crise hídrica causada pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, responsável por comprometer o Rio Paraopeba, até então usado como fonte de abastecimento para as dezenas de famílias que moram ali. “Eu olho na torneira a água caindo e não posso tomar dela. Você já pensou? Dá duas, três horas da tarde, você com muita sede vendo a água ali e não poder tomar?” desabafa Zé Maria de Paula, pedreiro e produtor rural que vive no local.
O drama vivido por essas pessoas é contado no documentário feito pelo Instituto Guaicuy ”Fazendinhas Baú – Comunidade atingida pela Vale luta pelo direito à água”. Por meio de fortes depoimentos, moradores e moradoras da comunidade explicam como seus modos de vida foram afetados pela mineradora e como a crise hídrica vem tirando sua dignidade ao longo dos últimos cinco anos.“Eu não tenho hoje segurança nenhuma de consumir essa água. Não faria isso jamais.”, conta Sávio Alves, um dos entrevistados.
Assista ao documentário nos links a seguir
Fazendinhas Baú é uma pequena comunidade rural que fica na beira do Rio Paraopeba, a 50 quilômetros do centro de Pompéu, na região Central de Minas Gerais. O lugar foi escolhido por cerca de 600 pessoas para viver ou veranear, em um loteamento construído há mais de uma década. Essas pessoas investiram no lugar em busca de uma aposentadoria tranquila no meio do cerrado.
Mas, desde o crime, em 2019, a realidade de quem vive lá mudou muito, já que a Vale nega o fornecimento adequado de água mineral e potável a grande parte da comunidade, apesar do rio ter chegado a menos de 13 metros do poço artesiano durante o período de cheia de 2022. O critério usado pela mineradora, baseado em nota técnica emergencial publicada pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) dias após o rompimento da barragem, em fevereiro de 2019, determina que só há obrigação de fornecimento de água caso o poço esteja a até 100 metros das margens do rio.
No entanto, a Vale considera apenas a medição durante o período de seca (de abril a setembro), mesmo com as variações consideráveis na época chuvosa (de outubro a março). Com o argumento de que o poço artesiano não está dentro do critério de elegibilidade de 100 metros a empresa nega para muita gente o fornecimento de água para consumo humano, de animais e para atividades produtivas. “Pedi água pra Vale, mas a gente não conseguiu. Ela não deu pra nós a água. Aí dá para alguns, para outros não dá. Cortou tudo”, relata Sávio no documentário.
Caroline Mendonça é supervisora do Instituto Guaicuy, que atua como Assessoria Técnica Independente (ATI) das pessoas atingidas pela Vale em Pompéu, Curvelo, Represa de Três Marias e Rio São Francisco. Segundo ela, os principais questionamentos sobre a água que chegam por parte dos moradores de Fazendinhas Baú para a ATI são dúvidas sobre a contaminação do rio, se ele pode ser usado como era antes – para lazer, cozinhar, regar a horta, alimentar os animais – e se o contato com ele pode causar problemas de saúde.
“Esse ponto da água é sensível porque uma parte pequena e solidária da comunidade recebe a água e outra não. Digo solidária já que alguns moradores só conseguem viver nesse território porque vizinhos doam água uns para os outros, mas diante de qualquer problema, como chuvas, ou impossibilidades de transitar nas vias de acesso à comunidade, as pessoas podem ficar sem acesso à água, como foi o caso das enchentes de janeiro de 2022”. Caroline ainda explica que a situação piora pela falha na comunicação com a mineradora, já que muita gente tenta tirar dúvidas sobre os critérios por telefone, pelos canais oferecidos pela Vale, mas isso também é dificultado pela falta de sinal na região.
Quem vive em Fazendinhas Baú conta com abastecimento de água por meio de um sistema de captação de poços artesianos e no bombeamento para uma caixa d’água. De lá, a água vai até as casas de cada um. Assim que houve o rompimento da barragem da Vale, começou a desconfiança por parte da comunidade em relação à qualidade da água que chegava às torneiras. “Ela tem um cheiro estranho. Tem gente que pega até uma coceira nessa água, nessa lama podre aí.”, relata José Lobinho, agricultor e comerciante, no documentário.
Segundo informações do Guaicuy, divulgadas para a comunidade entre novembro de 2020 e setembro de 2022, foram realizadas quatro análises independentes de qualidade de água no principal poço da comunidade. Em todas as análises foram observadas concentrações de ferro acima do limite, chegando a estar até dez vezes acima do valor permitido pelas legislações autoridades.
Elas seguiram as normativas da legislação ambiental referente à água subterrânea. O segundo poço da comunidade, que se encontra em uma área próxima, porém mais alta e mais distante do rio, não apresentou nenhum parâmetro alterado nos meses de agosto de 2021 e fevereiro de 2022. No entanto, a água do poço alterado é misturada com a desse poço em um único reservatório, o que pode comprometer a qualidade da água distribuída em toda a comunidade.
A Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES) também divulgou recentemente, análises com alterações no poço principal, onde foram encontradas diversas alterações como: Microbiológicos: Coliformes Totais e Escherichia coli; Físico-químicos: Alumínio, Cor aparente, Ferro e Turbidez; Substâncias químicas que representam risco à saúde: Chumbo.
As análises de água do Rio Paraopeba realizadas pelo Guaicuy mostraram metais como alumínio, ferro e manganês em concentrações acima do limite permitido (Conama n° 357/2005 e Copam n° 001/1986) na maioria das coletas, sobretudo nos períodos chuvosos. Para os sedimentos coletados no mesmo ponto, também foram observados metais como Cromo e Níquel em quantidades superiores aos valores máximos estabelecidos pela lei (Conama nº 454/2012).
Enquanto aguardam o andamento do processo de reparação dos danos causados pela mineradora, os moradores de Fazendinhas Baú tentam viver os dias com o mínimo de dignidade. “Aqui era um paraíso antes do rompimento. Eu ainda lembro como se fosse hoje, um fim de semana era gente de tudo quanto é lado, você chegava na beira do rio, tinha barraquinha montada de tudo quanto é jeito. Eu pensava: opa, aqui acertei a boa! Mas, infelizmente a Vale deu para nós esse terrível presente”, relembra Zé Maria.
Criado no ano 2000 por pesquisadores, professores e ativistas sociais que atuavam no projeto Manuelzão da Universidade Federal de Minas Gerais, o Instituto Guaicuy é uma entidade não governamental associativa, cultural e técnico-científica sem fins lucrativos. Seu trabalho é desenvolver ações socioambientais, culturais e educativas voltadas para a preservação e recuperação ambiental, para a promoção da saúde e da cidadania.
Atualmente, o Guaicuy acompanha como Assessoria Técnica Independente o processo de levantamento de danos e reparação nos municípios de Curvelo e Pompéu (na Bacia do Paraopeba) e de Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias (na região da Represa de Três Marias e Rio São Francisco), afetadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
O objetivo principal das Assessorias Técnicas Independentes é garantir o acesso à informação e auxiliar as pessoas atingidas a participar de maneira adequada no processo de reparação dos danos que sofreram. As Assessorias foram eleitas pelas próprias pessoas atingidas, em um processo coordenado pelo Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal e Defensoria Pública Estadual de Minas Gerais.
Mathias Botelho
Assessoria de Imprensa – Instituto Guaicuy
Telefone: +5531996157578
E-mail: mathias.botelho@guaicuy.org.br
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