O cheiro bom da panela cheia de caldo e o barulho das crianças brincando por entre fotos, luzes, mesas e cadeiras era o cenário de um momento inesquecível para a população do Quilombo Saco Barreiro, em Pompéu. Em uma bonita noite de inverno, em agosto, era celebrado o lançamento do Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada da
comunidade, um marco na luta de um povo negro, escravizado no passado, que construiu neste território
seu lugar de liberdade.
O Quilombo Saco Barreiro foi certificado pela Fundação Palmares em 2008, mas cultiva uma história antiga, vinda de Agenor e Joana Almeida, casal que fundou oficialmente o quilombo. Entre pequizeiros, jatobás e passarinhos, formaram ali, no meio do cerrado, uma família de dez filhos, e deram início a uma série de gerações que hoje compõem a comunidade.
O Quilombo Saco Barreiro tem o direito garantido em lei de ser consultado caso qualquer ator externo tenha interesse de realizar alguma atividade que possa impactar seus modos de vida. A Constituição Brasileira garante que eles devem viver conforme seus usos, seus costumes, suas crenças e suas tradições.
Uma das maneiras de assegurar esse direito é construindo um Protocolo de Consulta. Trata-se de um documento contendo as regras do que é necessário garantir para uma consulta adequada antes de ações administrativas, legislativas ou de qualquer ordem no território.
No Saco Barreiro, o processo para a elaboração desse documento começou em 2022. Entre as ações para garantir a participação informada da comunidade no processo de reparação dos danos causados pela Vale, o Instituto Guaicuy começou a dialogar com as pessoas sobre a possibilidade delas terem seu próprio protocolo. Com o objetivo de instrumentalizar a luta por direitos, os quilombolas do Saco Barreiro decidiram seguir em frente e pensar juntos qual seria a forma e as condições para serem consultados.
Foram feitas diversas reuniões para colher as informações importantes para o documento, além de atividades envolvendo diferentes profissionais do Guaicuy. O resultado dessa junção de forças foi a criação de um Protocolo de Consulta que registra a memória do Quilombo Saco Barreiro, reafirma os direitos a serem respeitados e detalha a maneira como a comunidade reivindica ser tratada quando preciso for.
O documento é mais um motivo de celebração e o lançamento não poderia ter acontecido de forma diferente: as pessoas mais velhas ocuparam a mesa de lançamento enquanto as mais novas brincavam livres pelos quintais. Um encontro de alegria, reconhecimento e festejo entre gerações.
O Protocolo é um direito assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e vigente no Brasil desde 2004, quando foi promulgado e ganhou força de lei.
*Trecho do Protocolo de Consulta do Quilombo Saco Barreiro.
Esse texto foi publicado na 14ª edição do Piracema. Clique aqui para ler e baixar a revista.
Imagem: Daniela Paoliello/Guaicuy.
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