Instituto Guaicuy

“Todo mundo precisa do trabalhador rural para comer”

25 de maio, 2021, por Comunicação Guaicuy

Dia do Trabalhador Rural: Um depoimento sobre a vida no campo, com suas alegrias e dificuldades, e sobre como o rompimento da barragem da Vale e a pandemia tornaram mais duros os dias dos produtores rurais 

Roziane Duarte

Produtora rural de Angueretá, no baixo Paraopeba.

Vivi a minha vida toda em Belo Horizonte e moro em Angueretá há 6 anos. Em 2015 eu e meu marido, abandonamos os empregos e viemos para a roça. Viemos sem experiência mesmo, com a cara e a coragem. Em BH eu trabalhava na área administrativa em uma empresa de publicidade. A gente queria mudar de vida, queria ser auto sustentável, viver da terra, do que a gente produz. 

A gente não sabia nada sobre trabalhar a terra. No início era trágico, a gente sofreu para se acostumar, para entender tudo. Entender chuva, seca, frio, calor, o que pode colher, o que não pode. E a gente continua aprendendo todo dia. Aqui, o tempo de tudo é diferente. 

Foi uma escolha muito positiva, nós mudamos completamente de vida, hoje temos outros valores. Quando você vive da terra, você valoriza mais o ser, a natureza, a colheita. A gente vive de uma forma mais simples. 

Rozinha, no Sítio Paraíso, em Angueretá

A rotina

Viver na roça não é fácil, é uma vida muito difícil, mas ainda assim é muito rica. 

A gente começou a plantar mais coisas para o nosso consumo próprio, para dependermos menos do mercado. Além de plantar, hoje criamos galinha, pato, cavalo e bezerro para engorda.

Vivemos num sítio de 6 hectares. A gente acorda cedo, junto com os bichos. Primeiro a gente vai tratar dos animais e depois a gente busca manter uma agenda de atividade por dia de semana. Sempre acontece alguma coisa, mas temos um cronograma. Depois, ainda temos as tarefas domésticas e a manutenção do sítio, que dá muito trabalho. É uma cerca que quebra, um animal que machuca. Essa semana sumiram duas patas, tivemos que ficar o dia inteiro procurando.

A gente produz para consumo e vende o excedente. Dependendo da época, temos hortaliças, feijão, açafrão, gengibre e também as frutas da estação: acerola, mexerica…. Eu também faço doce de fruta e doce de leite para vender.

Depois do rompimento

A gente já criou gado de leite, mas tivemos que vender porque o custo era muito alto e não conseguimos escoar as vendas depois do rompimento (da barragem da Vale sobre o rio Paraopeba), quando diminuiu bastante o fluxo de turistas e pescadores de fora. 

A gente também cria galinha e começamos a reparar que tudo que a gente vendia estava ficando para trás. Começou a sobrar frango, sobrar ovo, porque a gente vendia mais para quem vinha de fora. Dentro da comunidade é mais difícil, porque todo mundo cria. Nós nos demos conta desse atingimento e eu comecei a me envolver mais com a luta pela reparação. 

Também perdemos o nosso lazer, de passear no rio. Era o descanso do nosso trabalho. 

As coisas ficaram muito difíceis para todo mundo, o que salvou aqui em casa foi o Pagamento Emergencial, porque nós estamos dentro do critério de 01 quilômetro, mas eu tenho colegas que estão 100 metros pra frente e ficaram sem. Todo mundo vendeu a maioria dos bichos, vaca de leite. No meio desse processo eu consigo vender alguma coisa porque eu ainda conheço muita gente de Belo Horizonte, mas quem não tem essa ligação sentiu um baque ainda maior. 

O trabalhador rural na pandemia

Depois também tivemos o segundo baque, com a pandemia. Tudo aumentou o preço: milho, ração, soja… todos os insumos para a produção. Além disso, no caso dos doces, o açúcar e o amendoim também aumentaram. Teve coisa que chegou a triplicar o preço e você não consegue repassar totalmente para o consumidor, pois está difícil para todo lado.  Antes da pandemia, a gente se cadastrou até em uma plataforma de aluguel de temporada, para receber turistas. Mas, logo chegou a pandemia e prejudicou isso também.

O trabalho do produtor rural é essencial. Se o campo não planta, a cidade não janta. A gente mantém a alimentação de todo mundo, até nas grandes cidades. Todo mundo depende do campo, da agricultura familiar. Tudo depende do trabalhador rural, mesmo quem não produz para si próprio e trabalha para grandes empresas e fazendas, também é trabalhador rural. 

Na roça não tem feriado, é trabalho todos os dias. Todo dia tem que cuidar dos bichos, tem que resolver problemas. Se tira leite, é todo dia. Se cuida de galinha, é todo dia. É trabalho essencial. A gente depende de estação, verão, inverno, chuva. Pode acontecer de não chover e você perder tudo, mas pode chover muito e você também perder tudo. A gente tem que lidar com isso todos os dias e não tem o que fazer. 

Trabalho de sol a sol

Todo mundo precisa do trabalhador rural para comer, mas a remuneração é muito baixa. A gente trabalha de sol a sol, mas quem sempre ganha mais é o atravessador, que vende para as distribuidoras e vende para o sacolão. O produtor vende o leite por menos de R$ 2 reais e o consumidor final compra por R$ 4. Agora, com o preço dos insumos mais alto, está ainda mais difícil.

Eu escolhi ser trabalhadora rural porque eu queria viver mais próxima da terra, ter essa conexão com a natureza, queria abrir mão do consumo e dos exageros que a cidade exige. Eu amo porque eu me conectei muito mais com as pessoas, a gente tem amizades que não precisam de nada em troca. Aqui a pessoa aparece com um cacho de banana, um saco de abóbora só porque veio te ver. A vida é mais verdadeira. 

Da relação com a terra, o que eu mais gosto é preparar um prato com algo que a gente plantou. A gente plantou açafrão em setembro do ano passado, estou colhendo hoje e vamos comer mês que vem. Às vezes demora um ano para finalizar o processo e o sabor é inigualável. Mesmo o leito que não é meu, mas eu vejo o trabalho dos meus amigos e eu vejo o produto final, você vê ali o suor, o sol. Não é só comida, você sente toda a dedicação que foi posta ali. E é mais gostoso, não tem comparação. O sabor é mais intenso. 

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