Instituto Guaicuy

Memória e Justiça: Guaicuy ressalta principais questões vividas pelos atingidos pela Vale após três anos de rompimento.

24 de janeiro, 2022, por Instituto Guaicuy

Foto do 5º dia de buscas por vítimas em Brumadinho, em 2019. Na imagem, Bombeiros e brigadistas trabalhavam na escavação em busca de 2 ônibus — Foto: Fábio Barros/Agência F8/Estadão Conteúdo

Três anos após o rompimento da barragem da Vale no Complexo Minerário do Córrego do Feijão, em Brumadinho, as principais questões vivenciadas pelas pessoas atingidas ao longo da Bacia do Rio Paraopeba incluem inseguranças sobre a qualidade da água e do pescado, dificuldade de acesso às medidas emergenciais (distribuição de água, alimentos e ração e inclusão no Programa de Transferência de Renda) e dúvidas sobre os trâmites do processo judicial e os direitos individuais e coletivos. 

Para o diretor do Instituto Guaicuy, Marcus Vinícius Polignano, um dos maiores desafios é a integração dos territórios na luta pela Reparação Integral: “Precisamos que todos se sintam pertencentes ao mesmo movimento para que isso ganhe força e blinde, de certa forma, qualquer tentativa política para intervir na governança e nesses recursos já definidos para os atingidos. É um desafio construir um projeto integrado, ecossistêmico, que faça todos refletirem sobre o futuro da bacia a partir do momento em que a bacia se viu vítima desse crime”. 

Ao longos destes últimos três anos, foi missão das ATI’s trazer as pessoas atingidas para o debate. “A conquista da própria ATI foi fundamental porque ela capilarizou a participação pra dentro de todo território, fazendo com que as informações cheguem”, destaca o diretor, que lembra que houveram dificultadores como a falta de acesso à internet e também pandemia, que dificultou a mobilização presencial.

Análise de água

Desde 25 de janeiro de 2019 uma das grandes dúvidas causadas pelo rompimento tem sido a respeito da qualidade das águas da Bacia do Paraopeba. Em função da contaminação das águas a partir do rompimento da barragem da Vale, o governo do  Estado de Minas Gerais a partir de então suspendeu uso das águas do Rio Paraopeba para consumo humano, nadar,  dessendetação de animais e irrigação, de Brumadinho até a Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, em Pompéu. Mensalmente, é disponibilizado pelo órgão um boletim de monitoramento. Não há, pelo Estado, qualquer restrição para o uso da água do reservatório de Três Marias, que é alimentada também pelo Rio Paraopeba. 

O Guaicuy, como Assessoria Técnica das regiões 4 e 5, tem se dedicado a compreender a qualidade da água, tanto no Baixo Paraopeba (Curvelo e Pompeu), quanto no Lago de Três Marias. Foram analisadas mais de mil amostras de águas superficiais e subterrâneas,  amostras de sedimentos e de solos, além de comunidades aquáticas. Os estudos estão em fase de coleta e de análise aprofundadas para a apresentação de  resultados finais. 

Para o coordenador de Estudos Ambientais do Instituto Guaicuy, Bernardo Beirão, essa necessidade de um estudo completo e cuidadoso é hoje um grande desafio. “A gente entende que as pessoas estão esperando há tempo demais, mas é fundamental que a gente consiga interpretar o significado dos resultados para conseguir entender melhor qualquer alteração encontrada”. Ele explica que, para que as conclusões sejam confiáveis, é preciso tempo “para avaliar as análises em diferentes momentos, estações do ano e em uma maior distribuição espacialpossível”. 

Parte das análises são feitas em pontos solicitados pelas próprias pessoas atingidas. Enquanto não é possível apresentar uma análise final sobre a qualidade ambiental da região, alguns desses resultados já foram entregues aos solicitantes. 

Medidas emergenciais

O rompimento da barragem trouxe danos materiais e imateriais ao longo de toda a Bacia. Nas regiões 04 (Curvelo e Pompeu) e 05 (municípios da região do Lago de Três Marias) o Instituto Guaicuy já identificou diferentes tipos de impactos e danos que vão desde a perda de renda (pesca, turismo, etc) ao agravamento de problemas de saúde mental (como depressão e ansiedade), passando por tantos outros, como a falta de água e ração para a criação de animais. 

A Vale tem obrigação judicial de atender às necessidades urgentes, mas são diversos os relatos de omissão ou negligência. Desde o início das atividades, o Instituto Guaicuy já perpetrou cerca 350 ofícios denunciando irregularidades no cumprimento das medidas emergenciais.

A maior parte deles (250) foi sobre o Pagamento Emergencial, que hoje foi substituído pelo Programa de Transferência de Renda e passou para a responsabilidade da Fundação Getúlio Vargas. O segundo maior problema foi identificado na distribuição de água, com 68 ofícios, enviados às Instituições de Justiça.

Nestes três anos, as pessoas atingidas vem sofrendo constantes violações no acesso à água, um direito humano fundamental. Muitas seguem sem receber água para beber, para higiene básica, para o plantio, para a alimentação das criações de animais, dentre tantos usos da água que impactam diretamente na qualidade de vida. 

Além disso, foi apenas no final do ano passado que os moradores da  região 5 (Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, São Gonçalo do Abaeté, Três Marias, Paineiras) conquistaram, após dois anos de mobilização e reivindicações, o reconhecimento como atingidos, mas até hoje não receberam nenhum recurso referente a transferência de renda.  Apesar de ter sido uma grande conquista, ainda há muito que ser feito pela reparação desta região.

Acordos individuais x Processo coletivo

Nos territórios ainda existem muitas dúvidas sobre os direitos das pessoas atingidas quando se fala sobre acordos individuais. Uma grande tensão vem do medo de uma possível prescrição para o ingresso de ações individuais, já que no Brasil o prazo prescricional, via de regra, é de três anos. No entanto, outras leis e condições específicas determinam prazos diferentes e existem várias argumentações jurídicas para que a prescrição não aconteça no dia 25 de janeiro de 2022. Mas, a ausência de manifestação formal das Instituições de Justiça e do juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública cria um ambiente de incertezas e inseguranças.

A coordenadora de Direitos das Pessoas Atingidas, Paula Constante,  destaca  que não cabe discussão sobre prescrição no contexto do processo coletivo que está em andamento e que todas as pessoas atingidas estão inclusas e poderão vir a receber a indenização individual em decorrência do desastre-crime da Vale: “É dentro  do processo coletivo que estão inseridas as Assessorias Técnicas Independentes e que está sendo produzida a matriz de danos, em conjunto com as pessoas atingidas”.  

Para além do processo coletivo, ainda existem outros dois caminhos possíveis para se alcançar a indenização individual: o caminho da ação individual e o caminho do acordo extrajudicial com a Vale (tabela abaixo). A Defensoria Pública celebrou um Termo de Compromisso com a mineradora que regulamenta os acordos extrajudiciais, por isso, caso a pessoa atingida opte por ele, poderá ter direito à diferença de valor caso as indenizações no processo coletivo forem superiores aos valores do acordo realizado.

Por outro lado, os acordos feitos com advogados particulares não têm as vantagens do Termo de Compromisso da Defensoria Pública. Ou seja, existe o risco de que a pessoa atingida não possa usufruir das conquistas do processo coletivo e não receba valores justos de indenização individual. 

Processo ColetivoProcesso individual
Com a presença  das Instituições de Justiça (MP e DPMG) e das ATI’s.Sem a presença das ATIs
Com advogado(a) particular ou DPMG
Construção da matriz de danosSem base de equiparação para indenização
Valores equiparados Sem base de equiparação para indenização
Luta por formas de comprovação não tradicional, adequada à realidade territorialDificuldades de comprovação dos danos/ meios tradicionais de comprovação
Não está ameaçado pela prescrição. Possibilidade de reconhecimento da prescrição em 25/01/2022. Esse caminho pode deixar de existir. 
Existe o risco de que a pessoa atingida não possa usufruir das conquistas do processo coletivo e não receba valores justos de indenização individual

Acordo Extrajudicial 
Com advogado particularVia DPMG/ Termo de Compromisso
Sem ATISem ATI
Sem assistência de uma Instituição de JustiçaEstar assistido por uma Instituição de Justiça (Defensoria Pública)
Gasto com honorários advocatíciosSem custos
Cláusula de sigilo e confidencialidadeSem cláusula de sigilo e confidencialidade
Valores discrepantes entre casos semelhantesTratamento semelhante para casos semelhantes
Inexistência de base de comparação para indenizaçõesTermo de Compromisso
Encerra a demanda (litígio).Não encerra a demanda (litígio) Possibilidade de aproveitar a diferença decorrente de vantagens conquistadas no processo coletivo. 

Em dezembro, as ATI’s divulgaram uma cartilha conjunta para as comunidades com o objetivo de esclarecer estes questionamentos. 

Reivindicações das pessoas atingidas

– Canais e espaços efetivos de participação nas decisões e na execução dos Anexos 1.1, 1.2, 1.3 e 1.4 do Acordo;

– Agilidade nos processos e garantia da melhoria da condição de vida nos territórios prejudicados;

– Transparência e proximidade do poder público, órgãos públicos estaduais e demais instituições públicas com as comunidades atingidas;
– Promoção de cuidados no âmbito da saúde física e mental das populações afetadas e que não haja discriminação e revitimização das pessoas atingidas;
– Cumprimento das medidas emergenciais definidas pela Justiça (fornecimento de água para consumo humano e animal, ração, silagem,  etc) e do Programa de Transferência de Renda/PTR, com a efetivação dos desbloqueios de pessoas que recebiam o Pagamento Emergencial e a inclusão no programa das pessoas que têm direito ao auxílio, mas ainda não receberam;
– Garantia da utilização da Matriz de Danos que está sendo construída, bem como o direito à indenização individual justa, sem prescrição e sem exigência de critérios excludentes e restritivos.

Compilado dos seguintes documentos:

Carta das comunidades de Pompéu e Curvelo 

Carta das comunidades de Felixlândia
Carta das comunidades de Abaeté, Paineiras e Povo Kaxixó

Carta das comunidades de Três Marias e São Gonçalo do Abaeté
Carta das comunidades Morada Nova de Minas e de Biquinhas
Manifesto  das pessoas atingidas

Sobre o Instituto Guaicuy

Criado no ano 2000 por pesquisadores, professores e ativistas sociais que atuavam no projeto Manuelzão (UFMG), o Instituto Guaicuy é uma entidade não governamental associativa, cultural e técnico-científica sem fins lucrativos. Seu trabalho é desenvolver ações socioambientais, culturais e educativas voltadas para a preservação e recuperação ambiental, à promoção da saúde e à cidadania. Atualmente o Guaicuy conduz o Água Limpa Para Todos, focado na educação ambiental como forma de preservação de nascentes em um bairro de Itabirito, além de dois projetos de Assessorias Técnicas Independentes (ATI). Na bacia do Paraopeba, o Instituto acompanha o processo de reparação das regiões 4 (Curvelo e Pompeu) e 5 (região do Lago de Três Marias), afetadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Já em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, o Instituto presta assessoria técnica para a comunidade que convive nos últimos anos com o risco de rompimento da barragem de Doutor, também pertencente à Vale.

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