A Vale se manifestou novamente em relação à ação que busca definir como se darão as indenizações individuais das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho. Em 19 de fevereiro, a empresa ré interpôs um “agravo de instrumento” junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) – a segunda instância do caso – com o qual busca reverter a decisão de primeira instância que determinou a resolução coletiva das indenizações individuais.
A manifestação da mineradora critica a decisão tomada pelo juiz Murilo Silvio de Abreu em dezembro de 2023 e a classifica como um “tumulto processual”. Assim, a empresa responsável pelo rompimento da barragem, que matou 272 pessoas e atingiu moradores de 26 municípios de Minas Gerais, solicita ao relator da segunda instância que a decisão seja suspensa e modificada. A suspensão já foi negada pelo desembargador André Leite Praça.
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Na interpretação da Vale, o Acordo Judicial de Reparação, assinado em fevereiro de 2021, que resolveu os danos coletivos e difusos causados pelo rompimento, também determinou a forma de resolução dos danos individuais não divisíveis. Isso teria se dado com a extinção de parte das perícias conduzidas pelo Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC-UFMG), com a manutenção de outras perícias e com a “transferência” de perícias para os Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE), somente para fins de acompanhamento..
Segundo a mineradora, a decisão do juiz Murilo Silvio de Abreu cria uma duplicidade de perícias realizadas pela mesma entidade e com o mesmo fim (apurar os danos individuais), mas que deveria ser paga duas vezes pela Vale. A empresa ressalta que já gastou quase R$100 milhões com repasses ao CTC-UFMG.
Para a Vale, é necessário cumprir os parâmetros previstos no Termo de Compromisso firmado entre a empresa e a Defensoria Pública no momento de definir as indenizações individuais. Ela diz que os parâmetros foram estabelecidos em patamares “superiores aos da jurisprudência brasileira” e ressalta que os acordos firmados já beneficiaram 8700 pessoas atingidas, no valor total de R$1,4 bilhão. Além disso, aponta que fechou 368 acordos judiciais, no valor total de R$66,6 milhões. A empresa considera que o “universo representa a quase (senão a total) integralidade das pessoas que sofreram danos diretos com o rompimento da barragem”.
Mais uma vez, a mineradora se coloca contra a inversão do ônus da prova — que coloca sobre a empresa a responsabilidade de provar a suposta não relação entre o rompimento e os danos levantados — e ressalta que considera que o tema já foi decidido a seu favor anteriormente e que tal decisão não pode ser revista nesse momento.
Para a Vale, ainda não é o momento de fazer a resolução (liquidação) das questões individuais. Segundo a empresa ré, o processo ainda está na fase inicial de conhecimento dos fatos e só após o fim das perícias do CTC-UFMG seria possível avançar.
A mineradora que causou o rompimento da barragem também reforça seu entendimento contrário à resolução coletiva das indenizações individuais, que foi definida em primeira instância pelo juiz Murilo Silvio de Abreu em concordância com a posição apresentada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Para a Vale, as indenizações só podem ser resolvidas de maneira individual e não cabe ao MPMG assumir uma resolução coletiva em nome das pessoas atingidas.
A Vale se posicionou contrária à decisão do juiz Murilo Silvio de Abreu de criar uma plataforma eletrônica para a última fase da liquidação, na qual caberia a cada pessoa atingida acessar o sistema, fornecer os dados e documentos necessários e pleitear o pagamento da indenização conforme a Matriz de Danos. Segundo a mineradora, tal instrumento já foi usado no caso do rompimento de Mariana e os resultados não foram bons.
Ana Clara Amaral, advogada e Especialista em Reconhecimento do Instituto Guaicuy, considera que os argumentos são os mesmos já apresentados anteriormente, quando a Vale afirmou que a liquidação coletiva seria até mesmo contra o interesse das pessoas atingidas. “É interessante lembrar sempre que a Vale é a ré e está diretamente interessada na facilitação ou não do acesso à indenização, bem como que o programa de acordos extrajudiciais, que toma por base o Termo de Compromisso, já se encontra com inscrições encerradas”, comenta.
“Os números absolutos, em um caso como este, sempre impressionam. Mas se a gente colocar em perspectiva o que foi indenizado, com o universo de pessoas atingidas ainda sem indenização ou qualquer apreciação do seu direito, vemos que a situação é preocupante. É impossível afirmar que 8700 pessoas representam o universo de pessoas atingidas sem uma perícia extensiva no território e sem mecanismos ampliados de acesso à Justiça”, completa.
Ana Clara também aponta o uso de termos como “danos diretos”, que indicam uma maneira equivocada e restritiva de responsabilização. “Todas as pessoas atingidas são diretamente atingidas em seus danos individuais, com diferentes intensidades”, afirma.
A única novidade do recurso mais recente da Vale em relação ao recurso anterior, avalia Ana Clara, foi a crítica à adoção de plataforma eletrônica para atendimento simplificado em toda a Bacia, como determinou a decisão do juiz Murilo Silvio de Abreu.
Grande parte dos argumentos trazidos pela Vale já tinham sido apresentados antes, quando por meio de outro “agravo” pediu a suspensão da decisão que o juiz Murilo Silvio de Abreu tinha tomado em março de 2023. Após o recurso da mineradora, em 6 de setembro, o juiz voltou atrás e suspendeu sua própria decisão por considerar que a empresa ré não tinha sido ouvida sobre a proposta inicialmente apresentada pelas Instituições de Justiça (IJs).
Após recurso da Vale, a Defensoria Pública mudou sua posição e se manifestou de forma contrária na segunda instância. Em seguida, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) se manifestou pela defesa da solução coletiva e foi acompanhado pela Procuradoria Geral de Justiça (PGJ).
Foi apenas em dezembro de 2023 que o juiz Murilo Silvio de Abreu voltou a publicar uma decisão sobre o tema, reforçando seu entendimento de que a resolução das indenizações individuais deve se dar de maneira coletiva.
Desde a decisão tomada pelo desembargador André Leite Praça em 16 de fevereiro, que negou o pedido da Vale por efeito suspensivo da sentença de primeira instância, foi aberto o prazo para que as Instituições de Justiça (IJs) se manifestem sobre o mérito da questão (o tema do julgamento) e reforcem os motivos pelos quais entendem que a decisão de primeira instância deve ser mantida. O prazo para manifestação é de 15 dias úteis.
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