Acesso direto à água, contato com a natureza, opções de lazer e descanso ligadas ao rio, pesca profissional e esportiva e uma vida tranquila nas margens do Paraopeba ou da represa de Três Marias. Essa era a realidade de centenas de comunidades ao longo da Bacia do Paraopeba, mas tudo isso foi perdido com o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. A partir desse cenário, uma das tantas consequências do desastre-crime de 2019 é a desvalorização imobiliária de propriedades que tinham esses como os principais atrativos para venda e locação.
Mesmo assim, a Vale pediu que o juiz desconsidere a desvalorização imobiliária (e outros danos relacionados) no processo que hoje constrói categorias coletivas de danos que podem ser usados para balizar as indenizações individuais das pessoas atingidas pelo rompimento. Na manifestação, a mineradora alega que, até agora, os peritos contratados pela justiça para a avaliação dos pedidos de indenização feitos individualmente têm atestado a ausência de queda no mercado imobiliário, destacando o município de Brumadinho.
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Ana Clara Amaral, advogada do Guaicuy, explica que em Brumadinho o contexto pode envolver um aumento na demanda por imóveis causada, até mesmo, pela atividade das empresas envolvidas na reparação, que historicamente inflacionam centros urbanos que passam por desastres similares, como Mariana.”Isso é drasticamente diferente das zonas rurais atingidas. Não há um aumento da demanda de mão de obra nesses locais, pelo contrário, há o decréscimo do lazer e o desaquecimento da economia local, devido a problemas de imagem, insegurança em relação a qualidade da água e do pescado, e em muitos casos o próprio cercamento do rio”, analisa.
Ana Clara ainda destaca que, mesmo nos locais onde acontece essa inflação imobiliária, é difícil afirmar que isso seja uma valorização sustentável ao longo do tempo, já que uma vez concluída a reparação, essa mão de obra que foi alocada na cidade tende a sair do território.
Nos territórios assessorados pelo Guaicuy no Baixo Paraopeba e na região do entorno da represa de Três Marias, são muitos os relatos de pessoas atingidas que viram cair o valor dos seus imóveis. “Para fins de indenização, só o juízo responsável pode afirmar [se houve desvalorização imobiliária]. Mas, sem dúvida, há muitos relatos das pessoas atingidas afirmando isso, que não conseguem nem sair mais do lugar, que ficaram presas num rancho que não tem mais acesso ao lazer, porque gastaram tudo o que tinham pra ter esse sonho e agora o valor da venda não cobre a compra de um imóvel similar, com acesso a um rio, a uma área de pesca, como eles queriam”, explica Ana Clara Amaral.
A perda de valor de imóveis da região também foi relatada em laudos periciais contratados pelas pessoas atingidas, como é o caso de um documento de 2019, assinado pela agência imobiliária Village Imóveis, que estima um decréscimo de 60% do valor de mercado de um conjunto de chácaras na Cachoeira do Choro, comunidade do município.
Nas comunidades rurais do município de Pompéu, por exemplo, era comum que os anúncios de compra e venda de imóveis destacassem o acesso direto ao Rio Paraopeba como forma de valorizar o terreno. Esse atributo se perdeu com o cercamento do rio até a altura da Represa de Retiro Baixo, por ordem judicial, para evitar que animais chegassem até às margens para beber água. “Tudo isso muito provavelmente leva à desvalorização imobiliária, mas é preciso analisar caso a caso”, avalia a advogada do Guaicuy.
Imagens: Daniela Paoliello/Instituto Guaicuy
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