Instituto Guaicuy

Vozes Submersas: escritora de Morada Nova de Minas faz livro a respeito da ação de represa de Três Marias sobre as comunidades do município

6 de agosto, 2021, por Comunicação Guaicuy

Mônica Thaís Souza Ribeiro conta a relação das políticas públicas, desenvolvimento e resistência do povo moradense no livro Vozes Submersas.

Vozes Submersas é um livro lançado no dia 16 de julho de 2021 que conta várias narrativas de pessoas que foram e são atingidas pela construção da represa de Três Marias, em Morada Nova de Minas (MG). A autora, Mônica Ribeiro, trata os conceitos de justiça e de valores a partir do depoimento dos moradores.

São várias entrevistas que, juntas, mostram as mudanças que ocorreram na vida das comunidades após a construção da barragem, nos anos 1960. “As narrativas são consistentes com documentos e com a concepção de que as relações de poder político e econômico alijam as pessoas de noções de pertencimento ao Estado de Direito e de direitos de cidadania”, conta a autora.

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Autora Mônica Ribeiro lança o primeiro livro. Foto: Paulo Henrique Souza Ribeiro

Confira a seguir a entrevista com a escritora de Vozes Submersas, Mônica Ribeiro!

Guaicuy: Qual sua relação com a cidade de Morada Nova de Minas?

Mônica: Morada Nova de Minas marca minha localização epistêmica. Além da memória afetiva, estão traçadas as características geográficas, emotivas e especialmente familiares.

Por esses motivos, a observação e a valorização das ausências me ajudam a perceber que, por vezes, tem mais presença em mim aquilo que me falta. Essa obra representa o sentido de pertencimento por meio de texto e imagem: a realidade cotidiana do campo, as cores do céu com as árvores, o canto dos pássaros, os animais selvagens, as atividades promovidas sob o sol, a paisagem que engole poeira e respira ar puro. Registros do que pude captar com minha visão e o sotaque da minha origem, traduzidos em palavras.

Guaicuy: Como a represa mudou a vida das pessoas que vivem lá?

Mônica: A chegada das águas transformou drástica e violentamente a vida das pessoas que viviam na cidade, na década de 1960. Anos e anos dedicados ao cultivo da terra em plantações foram por água abaixo, literalmente, de um dia para o outro, sem aviso, sem preparo e sem políticas públicas mitigatórias. As consequências daquele tempo reverberam ainda hoje nas diversas ausências percebidas.

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Capa do livro Vozes Submersas. Imagem: Divulgação

Guaicuy: Por que tratar desse assunto no livro?

Mônica: A ideia de reescrever as culturas e a diversidade humana em uma única narrativa caracteriza e qualifica os discursos do campo do direito. Sistema jurídico, estado, nação, soberania, dominação, legitimidade, direitos individuais, direitos sociais são parte de um vocabulário que constrói as narrativas da consolidação da história moderna e de suas

instituições típicas. Esse vocabulário não apenas descreve, mas tematiza e naturaliza valores, sustentando uma lógica discursiva complexa, porém particular. O efeito simbólico dessa lógica é a imposição de uma cultura particular que é assim universalizada, impedindo narrativas alternativas, periféricas e descentralizadas de classes, grupos, povos e gêneros. Por isso a urgente e necessária narrativa exposta no livro, das vozes que ecoam do lado de cá da barragem, com a fala das pessoas atingidas considerando que nenhum discurso pode ser mais legítimo que o delas.

Guaicuy: O que o rompimento da barragem da Vale agrava nesse sentido dos direitos das pessoas que vivem em Morada?

Mônica: O problema se agrava a partir do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, no município de Brumadinho, quando os rejeitos atingiram o rio Paraopeba dando início a estudos e especulações de que os rejeitos poderiam alcançar as barragens seguintes ao curso do rio: barragem de Retiro Baixo e Três Marias. Morada Nova de Minas, em pleno ano de 2019, passa a rememorar os tempos da construção da barragem, na década de 1960, e a incerteza de, após se reerguer com o aproveitamento e a socialização da água, ver sua fonte de vida e de renda contaminada lama abaixo.

As narrativas repetem-se em discursos de medo, insegurança, comprometimento da pesca, ausência de recursos e de informações. Apesar da consciência de que podem ser atingidas e de que a água deixaria de ser um resgate econômico e social, o cenário possível a partir de uma provável contaminação da água não foi verbalizado. O medo paralisa e por isso a

provocação em pensar na prevenção ambiental, em revisitar lugares e situações para proteger as pessoas a partir do conhecimento do passado para que a marginalização de direitos não seja repetida.

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Livro é vendido na editora Dialética e Amazon. Imagem: Divulgação

Guaicuy: É seu primeiro livro? Conte sobre a sua experiência como escritora, autora…

Mônica: É o meu primeiro livro publicado e posso dizer que foi uma experiência de muito trabalho e dedicação. Escrever para as pessoas que tenho convívio e contato diário exige uma responsabilidade enorme diante da expectativa, do conhecimento e da perspectiva histórica.

Uma vez que nasci muitos anos depois dos fatos narrados e tive acessos que possibilitaram um ajuste de lentes diverso do local, dediquei o maior cuidado em não falar pelas pessoas, mas construir no texto espaço para que falássemos juntas, lado a lado, como é o processo de existência, estudo e conhecimento. Assim, o processo de escrita significou aprender com quem sabe e viveu a história, os verdadeiros donos dessa narrativa, que são os moradenses. Além disso, tive a honra e o privilégio de ouvi-las, me aproximar e me (re) conhecer filha dessa terra, aprendiz desse povo.

O livro Vozes Submersas está disponível para venda no site da editora Dialética e na Amazon.

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